Midnight Gospel — Piras e insights

Adelson Junior
ToTao
Published in
9 min readMay 4, 2020
Foto: Netflix

Spoiler Alert!

Antes de mais nada, este texto terá spoilers, então, se ainda não assitiu todos os 8 episódios da série, pare de ler agora e vá assistir.

It's not a fucking review

Outra coisa, gostaria de destacar aqui que este texto não tem pretensão alguma de ser um review ou ser uma crítica de qualquer tipo da série, e sim a minha visão da série e dos episódios.

Textão detected

É um texto grande, se realmente for ler, relaxa, esteja presente, aperte os cintos e curta a viagem. Pra não ficar maior ainda, vou dividir em algumas partes, sendo esta a primeira delas.

Introdução

No dia 21 de Abril, apenas 1 dia após o lançamento de Midnight Gospel pela Netflix, alguém enviou a notícia em um dos melhores grupos do meu Whatsapp (olha o merchan 🙃), mas como eu não sou muito presente em redes sociais, só vi porque fui marcado na seguinte mensagem:

Diferente da maioria do pessoal do grupo, a minha motivação para assistir Midnight Gospel não foi o fato de ser uma produção de Pendleton Ward criador de A Hora da Aventura, pois eu nunca assisti (ok, pode me julgar, de verdade), mas sim a mensagem acima e, por mais estranho que pareça, a palavra Gospel no título me chamou muita atenção.

Gospel, etimologicamente falando, vem do inglês Good Spell, ou boas novas, aquelas mesmo que Matheus, Marcos, João e Lucas registraram em suas biografias da vida de Cristo.

Aqui conhecemos este termo mais por Evangelho, cujo tem sua raiz no grego εὐαγγέλιον, transliterado como EVANGELION para o inglês. E pra minha surpresa, no momento em que escrevo esta frase, ouvindo Pink Floyd, descrubro que a minha resposta à mensagem no grupo faz referência à um certo Evangelion…

Pois bem, não aguentei esperar para assistir só depois de assistir Evangelion (sim, aquele anime bizzarro dos anos 90) portanto, ainda estou devendo um entendimento do anime para uma certa pessoa 🤯 , mas… vai ter uma palhinha aqui afinal, Midnight Golpel e Evangelion se tocam em vários pontos.

Ás cegas

A série se passa em um universo fantástico usando clipes de entrevistas do podcast de Trussell, Duncan Trussell Family Hour.

Pois bem, naquele mesmo dia (ou no dia seguinte, não lembro) resolvi começar a maratona, mesmo sem saber que cada um dos episódios, eram inspirados pelos podcasts reais de Trussell, a voz, a mente e o carisma por trás de Clancy, que além de comediante, apresentador e roteirista é uma pessoa com uma sensibilidade incrível e doido varrido da melhor espécie, a ponto de ser apresentado como “psychedelic voyager” pelo pássaro batedor de colheres do quinto episódio (Jason Louv) em seu podcast no portal ultraculture.org — mais detalhes quando falar sobre o quinto episódio.

Zumbi somos nós

Créditos: Duncan Trussell

Na primeira madrugada, apesar do apocalipse zombie, eu passei tranquilo pelo diálogo entre Clancy e o Dr. Drew, presidente e matador de zumbis na serie e médico e apresentador de rádio, TV e podcasts na vida real.

Muito do que foi trazido à tona ali, das discussões sobre drogas, legalizações, alucinógenos, psicoterapia e principalmente o “elevador que ao mesmo tempo te leva para a festa e te trás de volta” coincide com reflexões minhas e também experiências que ja tive com o uso de algumas substâncias sintetizadas, como por exemplo o LSD e outras naturais, dentro de contextos específicos, como a Ayahuasca, considerada uma Medicina Sagrada milenar por tradições Xamânicas.

Nunca vou recomendar para ninguém o uso de qualquer substância, porque sei por experiência própria, que os efeitos podem variar radicalmente de pessoa pra pessoa e também o estado psicológico pode impactar tremendamente no processo.

Mas também sei que existem diversos estudos sobre os efeitos de tais substâncias na consciência, e de como as propriedades podem ser usadas no combate à doenças como depressão e vários transtornos de ansiedade que tanto assolam a sociedade hoje.

Os zumbis no primeiro episódio, apesar de ser uma marca de Ward, me remeteu à quando estamos no automático na vida. Eu mesmo, quando me percebo meio cabisbaixo sem motivos, é batata que o modo zombie foi habilitado sem eu mesmo perceber

Vamos virar história

Créditos: http://www.duncantrussell.com/midnightgospel

O segundo episódio, estrelado por Anne Lamott e pitacos de Raghu Markus, na voz de um — seilá, uma mistura de cachorro com veado — apesar de trazer à tona temas pesados como morte, depressão, alcoolismo, maternidade e de como a fé de Anne lhe da base para comunicar, inspirar e confortar, o que mais mexeu comigo foi a maneira esdruxula na forma que a animação traz do consumo da carne.

Como que mesmo sendo capaz de refletir em como é bizarro a forma que produzimos carne, que na animação ficou muito impactante, mesmo tendo a certeza de que daqui há algumas décadas nossos netos ou bisnetos vão olhar para os livros de história do século XX / início do XXI sem entender como fomos capazes de produzir carne dessa forma, eu ainda consigo ter água na boca ao sentir o cheiro de uma feijoada com uma cerveja na quarta-feira ?

Deus, Magia, Iluminação e a Verdadeira batalha

Créditos: Duncan Trussell

Um dos temas que permeiam todos os episódios é espiritualidade.

Na minha vida, estudo e experiencio espiritualidade há uns bons 6 anos. Como este é um termo muito amplo e controverso, quero deixar clara aqui a minha visão, que vai servir de base para o meu entendimento e comentário sobre o terceiro e os demais episódios.

Eu defino espiritualidade como uma ferramenta pela qual eu me conheço cada vez mais como essência, dessa forma aprendo a lidar com meus próprios medos e angústias e dessa forma vou me permitindo cada vez mais conhecer e entender os Mistérios da Criação, vivenciando esses mistérios na minha vida. É como diz a inscrição “Conhece a ti mesmo e conhecerá os Deuses” no templo de Delfos na Grécia, ou como no trecho de O Segredo do Universo de Raul Seixas “Dentro do mambo e da consciência, está o segredo do Universo”.

Dito isto, espiritualidade como uma ferramenta para conhecer a nossa essência como indivíduo e consequentemente a Deus, ou às qualidades Divinas (como diz a Cabalá Judaica, falarei muito sobre ela ainda), existem diversas formas de “usar” essa ferramenta, sendo as mais comuns as que são ensinadas dentro das religiões, e dentre essas as mais comuns a nós aqui do lado oeste do globo as de origem ocidental, derivadas do Judaísmo, como o Cristianismo (com suas vertentes) e o Islamismo, pois foram as que sobreviveram (ou foram impostas por impérios à base da força).

Além destas temos as orientais, como o Hinduísmo na Índia, o Budismo no Tibet, o Taoismo na China e várias outras na história da humanidade. Cada uma com a sua visão sobre os Mistérios da Criação, seus Deuses (ou seriam símbolos?) e a sua “receita de bolo”, através de seus Mitos (muito mal compreendidos diga-se de passagem), de como como um ser humano pode tornar-se essencial, se tornando um ser humano melhor a cada dia e consequentemente voltar-se ao Criador, ou Paraíso, ou se iluminar, seja lá o que isso queira dizer.

Porém, para além das religiões exotéricas, existia (e existe) um conhecimento espiritual esotérico (note a diferença do exotérico para esoterico) ou oculto, ou seja, uma “receita de bolo” que era transmitida oralmente, ou através de uma linguagem simbólica que somente quem conhecia ou era “iniciado” neste conhecimento entendia. Este é o cerne do que hoje se conhece comumente como Ocultismo e a sua prática, de forma estruturada: a Magia.

Eu, como um profundo estudante de espiritualidade, incluindo aí a filosofia oculta (e não tão praticante assim), ou seja de Magia, fiquei encantado de como o Homem Cabeça de Aquário, ou Fish Bowl Man, entevistado por Clancy o conduz pelo mundo Astral ou etério, que é realmente onde a mágicka acontece, assim como nossos sonhos, nossas formas pensamentos, egrégoras e todo o arcabouço de influencias que nosso mundo material físico sofre.

Detalhes como o círculo de proteção, tão importante para demilitar a área de operação do mago e as conversas sobre nomes de peso nesta escola como Alester Crowler e Dion Fortune, somando-se o desenrolar chocante e bizzarro da animação, culminando na briga final entre o budista deitado e o cabeça de peixe, quando a expectativa era de um final feliz e “iluminado” fez meu cérebro fundir, então naquela madrugada só me restou dormir.

“Porque a briga entre o budista e o cabeça de peixe??”

Essa pergunta ecoava na minha mente, tanto que cheguei a sonhar com isso.

Mas a resposta desta pergunta só veio depois que eu procurei entender melhor quem é este cabeça de peixe.

Damien Echols, hoje em dia ensina magia (ou magick) por todo canto dos EUA. Mas durante quase 19 anos ele esteve preso, com a sombra do corredor da morte à seu encalço, por ser injustamente sentenciado por assassinato quando tinha 18 anos. Até um documentário foi produzido com o caso da sua prisão. Em 2011 foi provada a sua inocência e ele foi solto.

O confinamento solitário é como viver em um vácuo no qual não existem confortos. Você passa cada momento sozinho, sem nada para distraí-lo do horror da sua situação e sem contato com qualquer coisa ou alguém que possa lhe proporcionar um pingo de esperança. O tempo deixa de existir, pois não há como marcar sua passagem. Meio-dia é o mesmo que meia-noite. O Natal é o mesmo do quatro de julho. Tudo o que você pode fazer é sentar com seus medos, esperando pela próxima vez que os guardas decidirem machucá-lo.*

* Retirado deste texto

Damien escreveu alguns livros que contam como a prática da Magia e ensinamentos Budistas o ajudaram a não enlouquecer durante a prisão.

Eu ainda não ouvi o podcast de Drussel com Damien na íntegra, mas ao saber desta história eu entendi o porque da briga do budista com o cabeça de peixe no final do episódio 3.

Uma das obras sagradas que mais influenciaram e influenciam a minha vida, é Baghavad Gita, que faz parte do Mahabharata, um épico Hindu, mas talvez você a conheça pela voz de Raul Seixas.

Ela narra o diálogo entre Arjuna e Krishna. Arjuna se ve diante de uma guerra em que ele não vê sentido, pois os dois lados são membros da mesma família. Durante os versos Krishna apresenta varios princípios espirituais a Arjuna para que este entenda o seu papel nesta guerra.

O ensinamento mais importante pra mim, não é nem a de que Krishna representa nossa essência divina e pura guiando nosso Ego, representado por Arjuna, mas sim a metáfora da guerra.

A Guerra Interna, a que travamos contra nós mesmos, nossos medos e angústias. A guerra que devemos travar para viver o Dharma ou, em termos Crowleanos, a Verdadeira Vontade, ou o “Propósito”, termo que virou modinha entre os Coaches da Nova Era.

À luz deste ensinamento, ficou claro pra mim que o cabeça de peixe representando a magia, ou seja, a “receita de bolo ocidental” e o budista representando a “receita de bolo budista” travaram uma guerra dentro do Damien na qual predominou a Magia, como vemos hoje.

Em algum momento das nossas vidas, precisamos realmente abrir mão de algo em detrimento de outro.

É com essa reflexão que termino esta primeira parte das minhas piras e insights sobre Midnight Gospel. Até a próxima que será recheada de simbolismos e filosofia 😀

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