A transformação nasce do sonho

Polliana Zocche
Trabalho Que Reconecta (TQR Brasil)
3 min readDec 30, 2017

Cada vez que falamos que os animais não tem consciência ou tem determinado comportamento por “instinto” um filhote de boto cor de rosa, um lambari, uma arara azul e uma onça parda caem mortos. Principalmente se essa frase for dita por biólogos, aí são 10 mortes por espécie.

Já existe uma infinidade de artigos científicos que demonstram as semelhanças entre a consciência humana e a de outras espécies de animais. Estudos que descortinam a complexidade do raciocínio animal, as qualidades que eles, assim como nós, também demonstram. Qualidades estas que não são exclusivamente humanas, como se grita aos quatro ventos. Empatia (e por que não compaixão, generosidade?), senso de justiça, altruísmo… Nada disso está presente apenas nos seres humanos.

Somos produto da evolução de uma teia de seres, carregamos similaridades por toda nossa anatomia e fisiologia. Por que a mente seria diferente? O quanto dessa separação tão clara que fazemos entre os seres é proveniente da nossa ignorância de como a mente realmente funciona? Quanto da pirâmide dos seres vivos de Aristóteles ainda está embutido em nossas argumentações?

Carregamos argumentos que se baseiam apenas na ideia de alguém.

Muito de nossa vontade de tapar o sol com a peneira em relação à consciência dos animais vem de não querer lidar com o fato de termos que admitir para nós mesmos que não somos pessoas tão boas e compassivas assim como gostaríamos de ser. Afinal, é horrível entender que uma vaca, um porco ou uma galinha tem uma vida (e morte) de sofrimento e mesmo assim seguir comendo o churrasco de domingo (e fomentando o aquecimento global a cada garfada ainda por cima). Esse desconforto não é diferente do desconforto que sentimos quando compramos algo que vem da China, provavelmente feito por uma pessoa em uma vida de péssimas condições, ou o mal estar em saber dos vários tipos de sofrimento que existem no mundo e não estamos fazendo algo que esteja dentro do nosso alcance para diminuí-los.

Então o caminho para dissolver este obstáculo nada mais é do que a própria conscientização. Inicialmente de forma intelectual, racional, ao entrar em contato cada vez mais com informações sobre a natureza de todos os seres; depois de forma emocional, sentindo essa conexão com todas as vidas que dividem esse palco chamado terra conosco.

Não é fácil para muitas pessoas entender que os seres não-humanos não precisariam sequer ter uma consciência para serem respeitados. Deixar de comer carne é tão difícil quanto. Assim como também é parar de comprar coisas que vem da China ou se importar com a desigualdade social. Eu ainda não faço bem nada disso pelo menos. Todas essas mudanças tomam tempo porque temos muitos hábitos, causas e condições que ajudam tudo a continuar como está.

Só que cada uma dessas coisas não foi assim desde o início dos tempos e nem precisa continuar sendo. Nosso papel nesse teatro é se perguntar se realmente queremos que as coisas continuem como estão. Se a resposta for sim, bem, olhe de novo e de novo, analise com lupa as situações e veja se continua com a mesma opinião. Se for não, então é a oportunidade de entrar em contato consigo e com todos os seres para gerar aspiração que leva a mudança e motivação de tomar decisões diferentes das que tomaria se não tivesse compreendido, mesmo que superficialmente, que estamos conectados com todos os seres. Por mais que a gente não perceba, as transformações nascem de um sonho de fazer diferente e se estruturam em cada atitude que tomamos rumo a esse novo cenário em que queremos viver e a quem queremos ser. Um não é melhor ou pior do que o outro, apenas leva a outra paisagem onde mais seres vivem em melhores condições que as atuais.

Se sabemos que todos os confortos e direitos que temos são fruto de quem aspirou e agiu por melhores condições para todos, como viver sem seguir essa corrente?

Quem tiver interesse em saber mais sobre esses temas, busque as pesquisas do Frans de Waal; da Jane Goodall; o livro Em defesa dos animais, de Matthieu Ricard; Interconnected, de Ogyen Trinley Dorje.

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