Essa interface é minha ou sua?

Um artigo sobre perspectiva

Glaucia Lopes
TradUX
6 min readNov 20, 2020

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Este texto foi publicado originalmente em inglês. A tradução foi autorizada pelo autor John Saito.

A evolução do Meu Computador

Lembra da época em que o Windows tinha o ícone Meu Computador? Era um pequeno e glorioso ícone que representava todas as coisas que você tinha no seu computador — todos os seus programas, todo o seu trabalho, todas as suas peças digitais.

Em versões posteriores do Windows, a Microsoft mudou o rótulo desse item para Computador, e então mudou de novo para Este Computador. Eles mudaram porque “meu” era confuso? Inconsistente? Desnecessário?

Essa pequena mudança me fez pensar sobre uma questão maior: Por que produtos às vezes rotulam coisas como minhas coisas e outras vezes como suas coisas?

Como você chama suas coisas?

Ao pular de aplicativo em aplicativo, você vai notar que não existe um jeito padronizado de se referir às coisas que pertencem a você dentro de uma interface. Alguns dizem “minhas” coisas. Alguns dizem “suas” coisas.

YouTube e Google Drive chamam de “minhas” coisas. Spotify e Amazon chamam de “suas” coisas.

Se você está desenhando uma interface, vai importar se as palavras são escritas do ponto de vista do usuário ou do ponto de vista do produto? Eu acho que existe uma diferença sutil, e tudo depende de como você quer que seus usuários se sintam enquanto usam seu produto.

“Meu” ponto de vista

Usar “meu” em uma interface sugere que o produto é uma extensão do usuário. É como se o produto estivesse rotulando as coisas em nome de quem usa. “Meu” parece pessoal. Parece algo que você pode customizar e controlar.

Por essa lógica, “meu” talvez seja mais apropriado para quando você queira enfatizar privacidade, personalização ou propriedade de algo. E talvez seja por isso que Meu Computador funcionou tão bem anos atrás. Naquela época, um computador era quase sempre uma experiência para um só jogador. As pessoas normalmente não compartilhavam arquivos, e todas as suas coisas pareciam estar seguras dentro daquele pequeno ícone.

Meu. Tudo meu.

“Seu” ponto de vista

Usar “seu” em uma interface sugere que o produto está falando com você. É quase como se o produto fosse seu assistente pessoal, te ajudando a fazer algo. “Aqui está sua música. Aqui estão seus pedidos.”.

Por essa lógica, “seu” talvez seja mais apropriado para quando você queira que seu produto soe conversacional — como se estivesse te guiando por meio de uma tarefa. Seja para pagar contas, agendar um compromisso ou preencher formulários fiscais, muitos produtos ajudam as pessoas a fazer as coisas de forma mais rápida, inteligente e fácil.

Hoje em dia, computadores e aplicativos estão até assumindo a persona de um assistente pessoal. Eles têm nomes como Siri, Alexa e Cortana. Eles te ajudam a tomar notas, te lembram de comprar leite e leem e-mails em voz alta para você.

Ei, Siri, você pode trocar a fralda suja do meu bebê?

Muitos aplicativos diferentes, incluindo o Medium, te dão recomendações. Na minha cabeça, eu penso nisso como um assistente pessoal escolhendo a dedo histórias para eu ler hoje. Eu acho que essa tendência deve se espalhar ainda mais, e nós provavelmente veremos mais e mais aplicativos usando “seu” em vez de “meu”.

Sem ponto de vista

Como a maior parte das coisas no design, não existe uma solução que funciona em todos os casos. Mas uma coisa que muitos produtos fazem hoje em dia é cortar palavras como “meu” e “seu” ao rotular coisas que pertencem ao usuário.

Sem menção de “meu” ou “seu” aqui.

E talvez a tática de deixar o “meu” de lado seja exatamente a mesma que o Windows usou quando decidiu trocar Meu Computador por Computador.

Infelizmente, cortar o “meu” ou o “seu” não funciona 100% das vezes. Às vezes você realmente precisa diferenciar as coisas do usuário das de outra pessoa. Por exemplo, no YouTube, você não pode dizer só “Canal”, porque não fica claro se a palavra está se referindo ao seu canal, aos canais em que você se inscreveu ou aos canais que o YouTube está te recomendando.

Usar só “Canal” não funciona nesse contexto.

E talvez, só talvez, seja por isso que o Windows eventualmente mudou Computador para Este Computador. Porque Computador era ambíguo demais sozinho e eles precisavam deixar claro que estavam se referindo a este computador.

Colocando tudo em perspectiva

Até agora, eu falei principalmente sobre coisas que pertencem a você em uma interface. Essa é só uma pequena fração das palavras que você vai encontrar como usuário. E coisas como rótulos de botões, instruções, telas de configurações e por aí vai?

Existem opiniões muito diferentes com relação a isso, mas aqui estão as diretrizes gerais que eu gosto de seguir:

- Quando usar eu: Use eu, mim, meu ou minha quando o usuário estiver interagindo com o produto, como ao clicar em um botão ou selecionar uma caixa de seleção (checkbox). Mas só coloque essas palavras se você realmente precisar por questão de clareza.

- Quando usar você: Use você ou seu quando seu produto estiver fazendo perguntas, passando instruções ou descrevendo coisas para o usuário. É só imaginar o que um assistente pessoal diria.

“Nosso” ponto de vista

Antes de encerrar, eu queria mencionar mais um ponto de vista que é bastante comum por aí: nosso ponto de vista. Acontece quando produtos usam “nós” ou “nosso” dentro de uma interface.

Da página inicial do Chase Bank

Ao usar “nós” ou “nosso”, eles estão incluindo um terceiro participante na mistura — as pessoas por trás do produto. Isso sugere que existem seres humanos de verdade fazendo o trabalho, e não apenas uma máquina sem mente.

Se seu produto está vendendo serviços movidos a pessoas, como cozinhar, desenhar ou limpar, “nós” acrescenta um toque humano. “Nós estamos aqui para ajudar.” “Veja nossos serviços.” Saber que humanos de verdade estão ali, por trás de todas aquelas janelas e caixas, pode ajudar o usuário a se sentir um pouco mais à vontade.

Por outro lado, se seu produto é uma ferramenta automatizada como a ferramenta de busca do Google, “nós” pode parecer falso, já que não existem seres humanos processando sua busca. Na verdade, as diretrizes de escrita para UI do Google recomendam não dizer “nós” para a maior parte das coisas na interface.

Qual é o seu ponto de vista?

Eu escrevi essa história porque vi essa pergunta surgir, uma vez atrás da outra, vinda de designers, desenvolvedores e redatores. Por que nós usamos “meu” aqui? Por que nós usamos “seu” ali? E, ainda assim, eu vi muito pouco disso documentado em guias de estilo.

Você tem suas próprias diretrizes para lidar com a perspectiva em uma interface? Se tiver, eu adoraria ouvir seu ponto de vista.

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Glaucia Lopes
TradUX

Content Designer no Nubank | Tradutora e revisora no UX Collective