Como é trabalhar como Full Stack Designer, por Livia Gabos
Esse post é parte de uma série de entrevistas para o Training Center sobre o que um(a) profissional pode dizer a respeito da sua área de atuação visando mostrar para outras pessoas como é trabalhar no que fazem, esclarecendo para algumas pessoas se elas se dariam bem trabalhando na área ou mesmo só para mostrar para outras pessoas como é trabalhar com isso.
A entrevistada desta vez é mestra em ciências da computação, professora, consultora de experiência do usuário e acessibilidade. Uma mulher porreta que faz jus a metamorfose ambulante de Raul Seixas. Estou falando de Livia Gabos ❤.
Quem é Livia Gabos?
Sou de Bauru, interior de São Paulo. Morei grande parte da minha vida lá, até fazer o mestrado em Presidente Prudente e agora vim pra São José dos Campos pra ficar perto de São Paulo.
Estou passando por uma transição de carreira então definir é complicado. Atualmente me defino como full stack designer, mas atuo também como professora em alguns cursos.
Nunca tinha sido frontend, então estou aprendendo muito. Trabalhava só com UX, mas mudanças são necessárias.
Amo hqs e tenho uma gata sem vergonha malhada. Andava de bike 5 dias na semana, mas agora ando no máximo duas vezes, infelizmente. Paçoca e queijo são duas coisas maravilhosas da vida.
Woow! Mestrado, qual foi sua área de estudo e o que te levou a fazer um mestrado?
Então, lá em Bauru estava complicado o trabalho. Não crescia nunca na empresa. Fiz estágio de 6 meses e depois fui efetivada em jan/2010. Na época eu trabalhava como analista de testes de usabilidade e acessibilidade.
Mas como teste não, era algo tão importante na empresa, dificilmente atuava no começo dos projetos. Eu participava pouco dos projetos e minha atuação gerava mais retrabalho na maioria dos casos. A empresa, crescia muito mas nem sempre tudo são flores.
Eu pensei em fazer o mestrado para ter uma segunda opção, para atuar no interior mesmo. Com o tempo fui vendo que ia precisar de mais dedicação pro mestrado. Até que em 2014 sai do trabalho e fiquei só no mestrado.
Tempos depois a empresa começou uma série de demissões em massa (Me antecipei e me livrei de um momento de desespero). Fiquei de 2014 a 2017 no mestrado em ciências da computação, com foco na aplicação de visualização de informação na engenharia de software. Eu criei uma visualização que apresentava a estrutura de uma interface web, com um crawler eu lia a interface, gerava a estrutura para a leitura do software que apresentava a visualização. Usei javascript, php e a d3.js para o meu projeto. Atualmente, preciso reviver meu projeto e aprender python para melhorar a performance de tudo e disponibilizar o código.
Durante o mestrado dei aulas porque não tinha bolsa de estudos. Quando terminei o mestrado já vim pra São José dos Campos, comecei a estudar pra voltar a atuar no mercado.
Em janeiro comecei um trabalho voluntário na Adeva e hoje sou professora lá.
Adeva? Não conheço, o que é?
Adeva é Associação de Deficientes Visuais e Amigos. É uma instituição sem fins lucrativos com vários cursos para cegos e baixa visão e com serviços de consultoria de acessibilidade.Ela fica na Vila Mariana em São Paulo e atualmente dando aulas de lógica e programação para os alunos de lá.
Analista de Testes de usabilidade, professora, mestra. O que levou Livia Gabos a escolher full stack designer como profissão?
Necessidade define melhor hehehe.
Como analista de testes tinha conhecimento prático de muitas coisas, como planejamento, mvp, métricas entre outras coisas. Mas para ser ux designer ainda faltava experiência.
Quando tentava vagas de UX designer, não ia muito pra nos processos seletivos porque não tinha experiência antes do desenvolvimento, apenas no que acontece depois. E não tinha experiência em front-end. Então fui correndo atrás disso.
O trabalho voluntário na Adeva era principalmente para isso, ir ganhando portfólio e experiência.
Apesar de muitos anos na área de desenvolvimento, não era o suficiente. E ainda tinha um período que não trabalhei no mercado por causa do mestrado. Então tive que correr atrás.
Meu marido me ajudou muito porque ele é full stack, mais voltado para frontend. Então ele me ajudava muito com as minhas dúvidas. Ele tem uma agência de marketing digital e é full stack developer.
Você tem um perfil bem acadêmico. Hoje a gente tá vivendo um momento onde as pessoas que trabalham com TI estão questionando muito a academia, você poderia opinar sobre isso?
Eu na verdade sempre fui uma dessas pessoas. Principalmente depois de terminada a graduação (terminei em dez/2009), tanto que levei quase 5 anos para entrar no mestrado.
Eu sempre pensei que meus professores estavam longe de saber o que a indústria de software precisava. Sempre achei necessário ter uma experiência de mercado para falar pros meus alunos o que era importante e porque eles tinham que aprender isso ou porque deveria ser daquela maneira.
Quando terminei o mestrado e comecei a voltar a ir em eventos de TI percebi o quanto de coisas que eu já tinha visto no mestrado e que era passado em eventos. Coisas que o povo da academia sabia sobre, mas que o povo da indústria ainda estava , como code smells.
Daí comecei a entender que a academia é importante para explicar aspectos e descobrir melhores aplicações, estudos comparativos, estudos de caso e etc.
Porque a academia tem tempo para isso. Resta o pessoal da indústria ver os resultados da academia, aprender e aplicar no seu cotidiano. Pegar o que a academia descobriu e apresentou mastigado.
Eu não acho que mestrado e doutorado seja para todos, principalmente aqui no Brasil, porque eles são voltados para a formação de professores. O que não significa que você tem que sair do mestrado e abandonar a indústria e viver “apenas” dando aula… Porém, poucas empresas valorizam ou incentivam a realização de um mestrado em determinadas áreas. Se você não quer dar aula, mas quiser pesquisar sobre um assunto, você pode fazer isso sem ir para a academia. Pode-se fazer um curso de pós ou algo assim.
Fazer um mestrado dá trabalho e a pessoa tem que ter certeza dos objetivos para não abandonar o mestrado no meio do caminho porque tem que decidir entre o trabalho e o mestrado (quando o mestrado não paga contas). E quando alunos regulares desistem do curso no meio do caminho, isso prejudica o professor e o programa de ensino da instituição.
Por isso falo que tem que fazer com vontade, eu tinha muita vontade de desistir pelo trabalho e falta de grana, mas consegui terminar e fico muito feliz com isso.
E como é que foi o seu primeiro trabalho? Aquele lá como estagiária até ser efetivada como analista de testes de usabilidade e acessibilidade?
Eu tive outros estágios antes. Como fiz colégio técnico entrei na faculdade sabendo o básico de programação. Meu curso era noturno então sempre trabalhava para aprender e ter uma grana.
Esse estágio foi algo curioso, porque era o último semestre da faculdade. No primeiro semestre tive a matéria de ihc, que já estava estudando por conta. Conversei com o professor da disciplina e falei sobre meu interesse no assunto. Ele conversou com o professor do mestrado de design que tinha a linha de pesquisa em ihc e ele, por sua vez comentou com sua orientada. Essa orientada que pediu meu contato e veio falar comigo sobre o estágio.
Era exatamente para a parte de usabilidade que eu tinha interesse. Nossa eu pulava com o telefone na mão, de felicidade com a oportunidade. A empresa produzia software voltados para educação. Então a parte de acessibilidade e usabilidade era importante.
Logo depois comecei a estudar e trabalhar com acessibilidade e continuo desde essa época. Era tudo novo para as pessoas, então eu estudava muito e fazia todos os cursos gratuitos possíveis para entender.
Isso era 2010, então tinha muita coisa mudando. Ainda nem se falava de acessibilidade no Android direito.
Quando comecei, era tudo mato hauhauah.
Eu tive coordenadores que me ajudaram muito. Sempre confiaram nas avaliações e nos meus estudos. Sou muito grata a eles: Bruno Penteado e Lucimara Maiorali.
Mas como eu falei, com o tempo eu fui perdendo o encantamento com a empresa. Nunca conseguia o resultado desejado com o meu trabalho, por sempre atuar no final… Testes nunca eram a primeira coisa.
Com o tempo, tentava atuar com os analistas de requisitos e gerentes. Mas até que entendi que não ia dar certo naquela empresa naquele momento. Daí fui procurar meu caminho com o mestrado.
To achando bem massa todo esse lance de full stack designer e acessibilidade, porque não sei nada sobre isso. Geralmente fico longe de tudo que envolve usuário final. Mas quais seriam as skills de quem trabalha nesta área?
Estava em uma conversa sobre o assunto outro dia. Eu posso falar que pela minha formação mais voltada para área da computação, a análise de padrões e desenvolvimento são mais fáceis para mim. Eu sou criativa até certo ponto e por isso quando me pedem redesign de algo eu acabo chamando quem entende.
Temos que entender conceitos de design, marketing, ihc e pesquisa. Existem muitas pessoas que trabalham com requisitos pela demanda de algumas áreas.
A diferença de um full stack dev pra um full stack designer é que no planejamento tem muito mais a pessoa final do seu produto envolvida. Para pesquisa, testar ideias, entender necessidades etc etc.
Fora que aquele problema de você não ser bom em tudo, permanece verdade.
Das hard skills ao meu ver é conhecer um pouco de design, ux (principalmente pesquisa), ihc, um pouco de marketing e a parte de frontend.
Das softs skills acho que seria paciência, ser tolerante, empático, organização e pensamento analítico. Não achar o usuário é culpado de tudo, pois não é.
Acho que mais isso.
O que é IHC para leigos como eu?
IHC a abreviatura é Interação Humano Computador… Quando tudo era mato (rsrs), essa matéria era o início do assunto da usabilidade na área da computação.
Experiência do Usuário é um guarda-chuva que abrange desde o processo de comunicação da marca até a parte do pós venda.
Mas a parte relacionada a tecnologia, usabilidade, padrões de interface, entre outras coisas, da interação da pessoa com software, sistema, tecnologia é a parte de IHC.
Uma delas pelo menos ^^
Nós pessoas desenvolvedoras temos o hábito muito ruim de dizer que a culpa é do usuário, como full stack designer você costuma validar e tentar entender o seu usuário, ou isso fica a cargo de outra pessoa?
Não, é uma das nossas responsabilidades. Mas lembrar do usuário, que ele existe e que estamos criando algo para ele (e não para nós) é da responsabilidade de todos os participantes do projeto.
O problema dos full stack é a dificuldade em vestir o chapéu certo na hora certa. Principalmente, o full stack designer que tem a responsabilidade de conversar e entender o usuário, mas como ele também vai desenvolver o frontend ele não pode ter a preguiça de implementar o melhor pro outro ou pular etapas de esclarecimento do planejamento e briefing.
Como existe a parte de experiência do usuário e de briefing no nosso processo, grande parte do nosso trabalho é voltado pro usuário e entender sua perspectiva.
Mas principalmente, fazer com que outras pessoas (até mesmo o cliente) entenda quem são essas pessoas que estamos criando algo.
Esses seriam os principais desafios da área?
Acho que os desafios dependem da formação e de como você se especializa. Eu me formei em sistemas mas sempre trabalhei com ihc. Depois fui estudando experiência do usuário e por último frontend (estou melhorando ainda).
Tenho um mentorado que está no inverso. É frontend, está vendo ihc, mas não quer expandir para experiência do usuário ainda.
Quando não tem ninguém pra te direcionar é complicado… Porque você não sabe o que falta aprender de determinados conteúdos ou se o que você está fazendo é bom o suficiente.
No começo de carreira eu não recomendo ser full stack freelancer. Precisar as vezes é necessário, mas você amadurece e melhora muito o trabalho quando envolve outras pessoas.
Quais são as principais recompensas da área?
Hoje em dia, para a parte de frontend é fácil você começar. Tem vários cursos e vários conteúdos sobre o assunto — de gratuitos a pagos.
Mas estou vendo com meu cunhado (ele é físico indo pra área de data science) que o maior problema é criar um plano de estudo. Porque a parte de UX e a parte de UI é mais difícil encontrar cursos e conteúdos gratuitos ou um guia ou como começar (Pretendo fazer pro TC no futuro).
Compensa muito começar nessa área porque tem trabalho… Você pode começar fazendo os freelas de algumas empresas ou ir fazendo para estudos.
O maior problema é a vulgarização com os sobrinhos. “Falei com pessoa X e ela faz por metade”, mas daí ela não aplica conceitos de UX ou IHC no trabalho… Cobrar o preço justo é mais complicado, mas daí aos poucos você vai se valorizando.
Quando estava procurando vagas para UX Designer a maioria pedia para saber frontend também. E tinha algumas que pediam a parte de designer, criar materiais de marketing etc.
Nem sempre o salário era tão bom… Mas daí vai da necessidade de conhecimento para cada um. Pode começar a trabalhar sozinha e remoto. Isso é muito bom. Mas tem aquelas questões de trabalhar com equipe te ajuda a aprender mais rápido sem bater cabeça.
A Comunidade é fluida. Dependendo de onde você começa, existem comunidades muito ativas. O TC para frontend é muito bom. Mas tem uma comunidade de ux-ui muito boa também. (https://uxui-br.slack.com/).
Eu recomendo pensar em ser full stack principalmente para trabalhar em startup e em empresas no interior, que você tem a possibilidade de fazer mil e uma coisas. No futuro, com mais experiência, você pode ir direcionando seus conhecimentos e ir buscando outras coisas. Mas conhecer várias frentes te ajuda a ter um leque maior de possibilidades e não depender tanto de outros profissionais.
Você não tem que olhar pra algo e pensar “isso não tá bom” e alguém te falar “isso é achismo e gosto pessoal” você tem uma base para falar os argumentos para melhorar determinado ponto.
Hoje você pensa em mudar de área? Ou a Lívia se encontrou trabalhando como full stack designer?
Eu estou dando aulas para deficientes visuais de lógica e programação e estou melhorando meus conhecimentos de didática e acessibilidade. Por enquanto estou trabalhando mais como professora do que dev. Mas não me vejo apenas dando aulas no futuro.
Trabalho como full stack em alguns trabalhos voltados para a parte de acessibilidade, mas estou meiando a minha dedicação. Eu penso em me especializar um pouco mais em UX e aprender mais Front.
Por conta do meu mestrado, eu gosto muito de trabalhar com dados… Eu não quero ser mais uma cientista de dados. Das coisas que quero estudar já não tão cabendo numa vida só hehehe.
Eu penso no futuro voltar a trabalhar com Visualização de Dados. Estou voltando um pouco com um curso que darei no Coletividad. Mas penso no futuro trabalhar um pouco mais e contribuir mais com a comunidade, codando mesmo.
Ainda falta um doutorado daqui uns 8 anos, então tenho tempo pra trabalhar nas outras coisas heheh. Apesar de me colocar como full stack eu não consigo me colocar como dev no futuro. Eu me vejo como uma dev mediana. Não crio animações ou coisas maravilhosas.
Mas penso que para o que eu faço, isso é o suficiente, porque aquilo né, não dá pra ser 100% em tudo como full stack… Acho que estou uns 60% ux, 15% ui e 25% fronted +-.
Mudar de área?
Não consigo me encaixar em apenas um… Para mim a pergunta dificil é você me perguntar como eu gostaria de me aposentar porque hoje em dia, não tenho certeza de mais nada e isso não me deixa mais assustada.
Tenho 31 anos. Desde os 15 anos estou na área de TI. Já vi tantas linguagens serem moda… Tantas tecnologias e frameworks, já vi tanta coisa morrer e nascer que eu acho que a pergunta certa seria porque eu não gostaria de mudar…
Eu acho que preciso me fixar em algumas bases para o futuro e por isso nos próximos 2 a 5 anos quero me especializar mais, para me considerar uma profissional menos mediana, por isso nesse tempo pretendo não mudar. Mas depois disso… Só o tempo dirá.
Tudo que você contou aqui, foi muito interessante. Porque novos problemas estão nascendo na área e para isso novos modelos de carreira precisam existir, na sua visão por que alguém deveria olhar com carinho a possibilidade de seguir carreira como um(a) full stack designer?
Pelas possibilidades que a carreira dá. Temos muitas pessoas que são dev frontend, mas apenas isso.
Temos UX Designer que também são apenas isso. Não há nada de errado em ser apenas uma coisa na vida.
Mas acho que quando se começa, saber um pouco mais que seu quadrado acaba fazendo diferença pro mercado.
Finalizando…
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