Trilha Hip Hop entrevista: MC Rafa (Rafuagi)

Trilha Hip Hop
Trilha Hip Hop
Published in
5 min readMay 15, 2017

O ano era 2002 quando Rafael Diogo dos Santos, então com 13 anos, entrelaçou-se com o movimento Hip Hop. Dessa relação, o jovem ganhou nova identidade: MC Rafa; e juntamente com o colega Gilmar, deu início, nas dependências da Escola Luiza Silvestre de Fraga, em Esteio, ao Rafuagi, considerado um dos grandes grupos de rap do Rio Grande do Sul.

Hoje, ao lado de Ricky e DJ Croko — componentes que completam a atual formação do Rafuagi –, o rapper gaúcho segue deixando suas contribuições para o fortalecimento do rap enquanto movimento cultural no país — seja pelas composições musicais, ações integradas nas comunidades ou dedicação depositada no processo de construção da Casa da Cultura Hip Hop de Esteio, a primeira desse segmento no Estado.

Em entrevista ao Trilha Hip Hop, Rafa traz seus pontos de vista diante do Hip Hop, ressaltando a importância dela no âmbito de sua formação de vida. Ele também fala sobre os projetos e planos que reserva para o movimento, bem como para o Rafuagi.

Leonardo Ozório: de que forma o rap influenciou em sua formação de vida?

MC Rafa: desde o início percebia que (o rap) se tratava de uma linha de raciocínio libertária, pela qual eu poderia me expressar e, portanto, falar tudo aquilo que viesse a resultar em algo bom para a sociedade. Além do mais, posso dizer que foi muito importante na minha formação de caráter.

LO: e quais foram as oportunidades que o Hip Hop, enquanto cidadão, já lhe proporcionou?

MR: sempre costumo dizer que o Hip Hop tem um quinto elemento: o conhecimento — suas outras quatro vertentes são o Grafite, o MC, o DJ e a Dança. Por meio dele, o Hip Hop transpassa a palavra e, cada vez mais, cria uma geração de novos cidadãos, detentores de conhecimento e conhecedores dos seus direitos. Dessa maneira, temos buscado contribuir ao Hip Hop como um todo. Digamos que foi importante para que eu pudesse me politizar para a vida e saber como me portar quando as coisas acontecem.

LO: você acha que uma possível implementação dessa cultura em nosso sistema educacional não seria capaz, digamos, de potencializar uma mudança, tendo em vista que o Hip Hop pode colocar uma pessoa no caminho correto?

MR: Sim, claro. Mas também precisamos partir de uma questão do que é considerado o “caminho correto”. Acho que, hoje em dia, existem vários pormenores nesses meios, pois “caminho correto”, supondo, para quem fala de maconha: tem quem seja a favor e contra. O que precisamos é formar as pessoas porque elas estão se propondo a entender o que é bom e ruim. Na Colômbia, por exemplo, o Hip Hop está inserido dentro das universidades, com 80% dos jovens adeptos a essa cultura. Lá, o entendimento da pasta da Cultura no governo é muito importante, algo que não se repete no Brasil. Primeiramente, acho que vale a pena esta compreensão para que tenhamos condições de pensar em uma melhora significativa para o mundo nos próximos anos.

LO: você acha que o rap, na condição de vertente cultural, é mal visto pela sociedade?

MR: não acho que se trate de uma questão de ser mal visto. Existem pessoas para todos os segmentos que são preconceituosos. Não somente o rap como várias expressões populares, infelizmente, acabam não sendo ressaltadas da maneira que deveriam e mereciam.

LO: no ano em que o Rafuagi completa 15 anos, quais momentos você destaca ao olhar para esta linha do tempo?

MR: Vários, com certeza. Gosto de lembrar da vez em que ganhamos nosso primeiro Hutúz — o maior prêmio de Hip Hop da América Latina –, em 2006, na categoria Melhor Demo, pelo EP Todos Iguais. Digamos que, além de todo o valor que representa para nós, foi uma conquista que contribuiu de forma muito efetiva no processo de estruturação do Rafuagi.

LO: naquela época de formação, vocês já traçavam expectativa para alcançar o nível nacional?

MR: digamos que, em 2002, não tínhamos muita noção de planejamento, bem como de mainstream ou bussiness. Era uma época que trazia outro contexto quanto comparada a atual: a internet era discada e as redes sociais não existiam. Em contrapartida, somos de uma geração intermediária e acho que, por isso, tivemos vantagens em relação àqueles que estão iniciando seus trabalhos, justamente por termos desfrutados das experiências da nossa época. Hoje, mais do que nunca, entendo de planejamento, pois sou formado em Publicidade e Propaganda e, como grandes empreendedores que somos, estamos tocando tudo conforme planejado.

LO: vocês estabelecem algum critério no momento das composições?

RR: o que cabe a nós é ser livre para escrever o que quiser. Porém, a gente sabe que o Hip Hop é uma cultura que parte da Jamaica, dos guetos dos Estados Unidos; surgiu de um ideal no qual muitos não seguem.

LO: elas (as composições) se preocupam, por exemplo, com o aspecto educativo como é o Manifesto Porongos, que contesta a cultura tradicionalista do Rio Grande do Sul?

MR: nós cantamos o que nos incomoda. O Manifesto Porongos, por exemplo, segue exatamente esta linha. É um projeto que surgiu justamente para suprir a falta de materiais pedagógicos que sirvam como subsídio para educandos e educadores pautarem e debaterem a história do povo negro brasileiro e gaúcho, a fim de que conheçamos nossa verdadeira história, da maneira que possamos reconhecer os verdadeiros heróis e heroínas deste povo. O Rio Grande do Sul é um estado muito racista. Sua cultura tradicionalista dá espaço para festas alemãs e italianas, enquanto a cultura afro, negra e periférica é sempre excluída.

LO: quais são seus projetos para os próximos anos no Hip Hop?

MR: queremos muito propor um museu do Hip Hop nos moldes interativos do Museu da PUCRS e inseri-lo no calendário escolar do Rio Grande do Sul, com todas as escolas tendo a oportunidade de contextualizar-se cada vez mais dessa cultura. Também pretendemos levar o Hip Hop para dentro das universidades como disciplina ou, até mesmo, curso. Além do mais, estamos tentando articular um foro latino-americano do Hip Hop para começar a sitiar espaços de poder e, a partir disso, mudar algo em benefício àqueles que precisam do alcance das políticas públicas.

LO: e em relação ao Rafuagi?

RR: estamos produzindo dois discos. Um deles é o próprio, com musicas autorais. No outro, participaremos como interprete a convite de Lupinho Rodrigues para regravar o disco de Lupicínio Rodrigues em rap.

Você pode acompanhar o trabalho de Rafa à frente do Rafuagi e da Casa de Cultura pelo Facebook.

Um dos fundadores do Rafuagi, MC Rafa (centro) segue espalhando a cultura Hip Hop, por meio do rap, RS afora — Foto/Divulgação

--

--

Trilha Hip Hop
Trilha Hip Hop

Textos do projeto digital com o objetivo de mostrar artistas na região metropolitana de Porto Alegre. Confira a página: https://medium.com/trilha-hip-hop