Estrutura do Parque Olímpico do Rio: ainda em construção (Daniel Ramalho/Trombone)

Por que Rio 2016
(ainda) não empolga

Ou como promover os chamados
grandes eventos virou um grande mico

Giuliander Carpes
Trombone Media
Published in
7 min readAug 5, 2015

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Falem mal da FIFA, mas a verdade é que seu Joseph Blatter e companhia conseguiram causar uma expectativa para a Copa do Mundo — em boa parte, negativa, veja bem. É aquele negócio, "falem mal mas pelo menos falem de mim". E, nas preliminares do evento máximo do futebol, o que não faltou foi reclamação. Um ano antes da bola rolar de verdade, o Brasil pegava fogo em protestos contra Dilma, FIFA, Sérgio Cabral… enfim, vocês lembram, "tudo isso que (ainda) está aí". Hoje falta um ano para o início da Olimpíada no Rio de Janeiro, e a realidade parece bem diferente, não?

Não há sinais de grande expectativa (nem muita indignação) para o maior evento esportivo mundial. Não sou eu que estou dizendo, é a cidade. Segundo reportagem do UOL, a procura de ingressos para a Olimpíada está muito aquém da esperada. A inscrição de voluntários para o evento teve de ser prorrogada pela organização devido à baixa procura de interessados, de acordo com a revista Veja.

No último final de semana, ocorreu um evento-teste na praia de Copacabana. Havia mais gente reclamando do trânsito do que assistindo às provas de triatlon. Nem protesto contra o famigerado campo de golfe construído exclusivamente para o evento tem atraído muita gente. Os sinais estão aí, só não vê quem não quer.

A lista de motivos que explica essa falta de interesse é relativamente robusta:

Realidade do país

Se há dois anos o país navegava razoavelmente sem sobressaltos no campo econômico, a realidade atual é diferente. A inflação subiu, o produto interno bruto (PIB) estagnou, e a taxa de crescimento prevista para o Brasil em 2015 é negativa. O desemprego tem subido e, em geral, o setor privado deu uma pisada no freio para ver o que vai acontecer mais adiante.

A economia não é ajudada pela crise política em que o país se encontra. A Operação Lava Jato enquadrou altos executivos das principais empreiteiras do país — entre elas, as parceiras do governo na construção das obras olímpicas. E alguns deles estão entregando boa parte do esquema que se mantém pelo menos desde 1997 e envolveria políticos de vários calibres. Figuras como o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, consideram o envolvimento de seus nomes nas investigações uma provocação e se armam contra o cambaleante governo de Dilma Rousseff, que não agrada nem aos que votaram nela depois de anunciar um pacote econômico de austeridade de fazer inveja a qualquer neoliberal convicto.

Os envolvidos no esquema parecem dispostos a morrer atirando e nessas sempre sobra umas balas perdidas que atingem toda a população pelo menos de raspão. Enfim, a ideia aqui era apenas mostrar que há coisas bem mais importantes com o que nos preocuparmos no momento do que com uma Olimpíada que só vai ocorrer daqui um ano. Adiante.

Grandes eventos viraram mico

As cifras bilionárias que envolvem eventos gigantescos como Olimpíada e Copa do Mundo e o seu legado questionável têm levado cada vez mais pessoas a serem contra a realização deles em suas cidades. Alemães, suecos, suíços e, recentemente, americanos rejeitaram as candidaturas de Munique, Estocolmo, Saint Moritz e Boston para os Jogos Olímpicos (de verão e inverno). Um sinal claro de que, em tempos de desaquecimento econômico mundial, existem outras prioridades para os cidadãos que gastar boladas para construir estádios que serão usados mesmo por apenas 15, 20 dias.

"Os grandes eventos viraram um grande mico. Além dos gastos, as pessoas estão se dando conta também que os benefícios deles são muito pequenos em relação ao transtorno que eles dão à população das cidades envolvidas ", diz Amanda Romanelli, jornalista que cobriu a Olimpíada de Londres/2012 pelo jornal O Estado de S. Paulo . "E isso não é viralatismo. Cheguei a Londres duas semanas antes da última edição dos Jogos e também ainda não havia clima de empolgação nenhum."

Não é coincidência que esses eventos começaram a ser realizados em países "fora do eixo", digamos assim. Na falta de interesse de grandes potências — que já tinham boa parte das instalações prontas — , FIFA e COI passaram a levar suas competições para mercados de países em desenvolvimento e ainda deslumbrados com a oportunidade.

Evento-teste de triatlon na praia de Copacabana: ainda não foi o suficiente para empolgar (Daniel Ramalho/Trombone)

O problema é que o deslumbramento está passando rápido demais. Muito se explica pelo número altíssimo de intervenções urbanísticas necessárias para deixar a cidade pronta para sediar o evento. Hoje há obras de mobilidade espalhadas pelos quatro cantos do Rio de Janeiro. E elas têm causado transtornos enormes no deslocamento da população. O carioca já está de saco cheio de perder o seu tempo no trânsito, a verdade é essa.

Para completar, há o descrédito. Fizeram os Jogos Pan-Americanos e muito poucas instalações esportivas daquele evento poderão ser reutilizadas na Olimpíada sem passar por uma grande transformação — o Engenhão tem a cobertura totalmente reformada, o velódromo teve de ser destruído… Também prometeram limpar a Baía de Guanabara e não vão cumprir. Ninguém acredita muito mais nesse papo de legado, convenhamos.

Nenhum estádio pronto

Em 2011, um ano antes dos Jogos de Londres, meu colega aqui de Trombone Daniel Ramalho já estava por lá acompanhando a inauguração das instalações olímpicas. Sim, inauguração. Lembro de ter escrito via agências internacionais uma matéria para o jornal O Estado de S. Paulo que fazia essa constatação: estava praticamente tudo pronto.

O estádio olímpico de Londres foi inaugurado 365 dias antes da Olimpíada com uma corridinha de Oscar Pistorius. Um ano depois ele entraria para a história do evento por se tornar o primeiro corredor paraolímpico a competir nos Jogos Olímpicos. No Dia dos Namorados do ano seguinte ele ficou conhecido também por ter assassinado sua noiva, mas essa é outra história.

A realidade no Rio de Janeiro é diferente. Não tem como comparar Londres e Rio em termos de infraestrutura, por exemplo. A capital britânica tem uma malha de metrô que cobre toda a cidade. A capital carioca, bem, você sabe. Então aqui era preciso desenvolver mais a infra ao mesmo tempo em que se construía as instalações esportivas propriamente ditas — e obras como a extensão do metrô até a Barra, a ampliação do Elevado do Joá ou o corredor de ônibus que passará por Deodoro ainda correm o risco de não ficarem totalmente prontas a tempo dos Jogos.

Então falta uma certa tangibilidade da próxima Olimpíada (nossa, que tucanada!). Ainda não há um palco olímpico para que o povo possa olhar embasbacado — e nem sei se vai ser o caso, na verdade, porque em termos arquitetônicos os estádios de Rio 2016 são bem mais ou menos (minha opinião pessoal).

Em outubro de 2011, obras do Parque Olímpico de Londres já estavam prontas. Sobrou tempo para construir a torre de observação que virou atração (Daniel Ramalho/Trombone)

Obras ficam em locais isolados

Como bem colocou nossa colaboradora Julia Michaels em artigo recente aqui no Trombone, a opção de fazer os Jogos na Barra da Tijuca desbancou a possibilidade de realizá-los na região portuária do Rio — mais próxima do centro. Para completar, o Parque e a Vila Olímpicos não estão sendo construídos na região mais antiga da Barra, nas proximidades do Jardim Oceânico — até porque não haveria espaço — , mas sim para os lados do Riocentro.

Se Jacarepaguá é longe pra caramba, as instalações principais da Olimpíada ficam pra lá de onde Judas perdeu as botas. Aí fica difícil ter a percepção de que os Jogos Olímpicos estão nascendo ao lado da sua casa — a não ser pela poeira das obras de mobilidade e pelos engarrafamentos.

A monocultura esportiva

Pra fechar, uma obviedade: o brasileiro, em geral, não tem muito interesse por modalidades olímpicas. O esporte número 1 do país é e sempre vai ser o futebol. Algumas pessoas se interessam por voleibol. Outras por basquete. E o resto gosta de ver quando tem algum brasileiro ganhando — daí o interesse por Ayrton Senna, Gustavo Kuerten, Cesar Cielo e, mais recentemente, Gabriel Medina.

Tem também a pancadaria do UFC que encontra muitos adeptos no Brasil e, principalmente, no Rio. Mas pouca gente sabe quais são os resultados de Fabiana Murer na temporada. Todo mundo só lembra dela quanto a moça perde uma vara ou tem uma atuação aquém da imaginada nos Jogos. E o atletismo é a grande atração de qualquer Olimpíada.

A boa notícia é que a empolgação deve surgir em algum momento — mesmo que seja somente quando os Jogos começarem a rolar e os meios de comunicação nos bombardearem com o assunto. Também não havia muita empolgação com Londres — Tim Vickery, da BBC, disse que os britânicos só reclamavam na véspera do evento de três anos atrás. E todo mundo sabe que foi uma das edições mais incríveis dos Jogos Olímpicos, com Usain Bolt, Michel Phelps, Yelena Ysinbayeva e companhia chamando muita atenção. Portanto, aguardemos.

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