Maconha é coisa do FHC

Fabricio Pamplona
Tudo Sobre Cannabis
4 min readMar 10, 2020

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Quem acompanha os eventos de Cannabis no Brasil certamente se deparou com o evento "Cannabis thinking", que teve como propósito trazer ideias e soluções com um viés inovador envolvendo aplicações da Cannabis. É baseado em metodologias de "StartupWeekend" e "Design Thinking", típicas do ambiente de startups.

Pra palestra de abertura, foi chamado ninguém menos do que o ex-presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, o FHC, que foi uma das primeiras figuras públicas de grande influência política a se declarar a favor da legalização da maconha. Pena que ele não tinha essa postura quando foi presidente, senão as mudanças poderiam ter sido bem mais rápidas e certeiras em nosso país.

A primeira aparição notória do FHC nesse cenário foi no documentário "Quebrando o Tabu", onde aparece junto com outras personalidades como o médico Drauzio Varela, Paulo Coelho e outros, defendendo a ideia de que o mundo poderia ser melhor se mudássemos radicalmente a maneira como encaramos a maconha, as drogas, e principalmente, como lidamos com os usuários.

Esse filme abriu a porteira para outros como o Cortina de Fumaça e o Ilegal, que consolidaram a questão no país, e ajudaram a "virar a página" sobre assunto na opinião pública e mídia de massa.

E como está o pensamento do FHC sobre o tema em 2020? Nele mesmo.

Hein? Sim.

FHC, mais velho, descobriu que a planta pode ter um efeito incrível para pessoas na sua idade.

Foto do Fernando Henrique tirada durante o evento, republiquei do Sechat.

Essa ideia não é mais tão nova no meio científico, eu mesmo tenho pesquisas na área linkando o declínio do sistema endocanabinoide com vulnerabilidade, que apresentei no SxSw em 2019. Mas o que é novo, é a percepção das pessoas de que isso é uma realidade tangível.

Os efeitos da planta caem como uma luva para aliviar os diversos sintomas que os idosos sentem ao "entardecer da vida", como problemas para dormir, problemas articulares, transtornos emocionais e nos casos mais tristes, uma perda sensível de qualidade de vida pelas dores crônicas.

Um estudo recente publicado no JAMA, importante periódico da Associação Americana de Medicina, demonstra que houve um aumento crescente do número de idosos que passaram a experimentar e se envolver com a Cannabis espontaneamente, nos estados que a legalizaram.

Muitos deles não tinham tido nenhum contato com a planta ao longo da vida, e tiveram essa, digamos, "descoberta tardia". Em um período de 3 anos, o número de indivíduos acima dos 65 anos que relatou ter usado Cannabis cresceu de 2.4% em 2015 para 4.2% em 2018. Um aumento de 75% nesse índice, se não foi um erro de digitação que inverteu os valores — hehe.

A tendências é bastante relevante, e já havia tido um salto de quase 400% desde 2006–2007 quando o número de indivíduos idosos que se declaravam usuários era de meros 0.4%. Ou seja, estamos na verdade falando de um aumento de 10x em 10 anos.

Claro que a mudança no status legal da Cannabis tem uma importante participação nisso. É por esse motivo que os idosos acabam cogitando essa possibilidade, legal, de alívio do seu sofrimento. Mas se não entregasse valor concreto, a maioria iria parar, e não veríamos essa curva de crescimento no número de usuários. Um aumento tão expressivo é certamente fruto de uma adoção continuada.

O número de usuários idosos (acima de 65 anos) cresceu praticamente 10x na última década nos Estados Unidos, de acordo com o National Survey on Drug Use and Health. O "novo usuário" idoso tem um perfil bem diferente do esperado. São em geral senhoras, com alta escolaridade e renda superior à média, que buscam o hábito para melhorar a qualidade de vida. Não é surpreendente?

Essa pesquisa envolveu uma amostra de aproximadamente 15.000 pessoas que responderam a pesquisa nacional sobre uso de drogas — o National Survey on Drug Use and Health. É só uma amostra da população, mas certamente representativa. Interessante saber que esse aumento já havia sido notado em outros estudos com estados particulares, como o Colorado e Oregon. Há relatos semelhantes também vindo do Uruguai.

Abordei um pouquinho desse tema na palestra online que dei na câmara dos deputados, por ocasião da discussão do PL0399/15 — veja abaixo.

O perfil do "novo" usuário idoso também surpreende quem acha que esse hábito é coisa do maconheiro típico "adolescente que curte Bob Marley" que habita o imaginário coletivo. Houve um aumento significativo em mulheres, indivíduos com alta escolaridade e maior renda mensal. Ou seja, estamos falando de vovós ricas, com boa escolaridade e gorda aposentadoria. Não era o que você esperava, era?

O estudo mostra que o "novo usuário" idoso são mulheres, indivíduos com alta escolaridade e maior renda mensal. Ou seja, estamos falando de vovós ricas, com boa escolaridade e gorda aposentadoria. Que tal?

Alguns números também surpreendem, e nos fazem pensar sobre possíveis links com os efeitos conhecidos da planta.

O uso entre idosos com Doenças Crônicas aumentou 96%.

O uso entre idosos com problemas de Saúde Mental aumentou 150%.

O uso entre idosos com Diabetes aumentou 180%.

Seria muito interessante acompanhar se os índices que avaliam a gravidade destas doenças está de fato regredindo na população, ou pelo menos nestes indivíduos em particular. Certamente não foi o objetivo dessa pesquisa em si, mas vale a pena dar uma olhada. Temos pesquisas de larga escala em Israel mostrando um cenário muito, muito parecido.

Cenas para os próximos capítulos!

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Fabricio Pamplona
Tudo Sobre Cannabis

Neurocientista. Empreendedor. Muita história pra contar.