Filho é semente

Gabi Bertoni
Uma vida heliotrópica
5 min readApr 19, 2023
Gael, 12 de março de 2023

De um pedacinho milimétrico, faz-se algo grandioso. Nunca me acostumo com as magnitudes que advêm de miudezas. “Dá para imaginar que essa criança de um ano já teve menos de um centímetro?” Repito isso incansáveis vezes na minha cabeça toda vez que olho para o meu filho e lembro que, assim como as árvores, que também passam de um mero grãozinho para algo colossal com o passar dos anos, o mesmo vai acontecer com ele. Mas a questão é: plantas saudáveis crescem em terrenos favoráveis. Vira e mexe penso em como tem sido a terra que estou plantando a semente mais valiosa da minha vida e como pretendo adubá-la por todos os anos que vêm pela frente.

Plantar — v. t.
1. pôr na terra para crescer; fazer o cultivo; introduzir na terra para que enraíze e se desenvolva.

Dos infinitos pontos e questionamentos que a maternidade me trouxe ao longo dos últimos anos, a máxima que me acompanha desde então envolve muito sobre a divergência entre expectativa e realidade — e não somente as minhas, mas as dos outros também. Diariamente busco o meio termo entre essas duas margens e noto que a única maneira de ter uma relação saudável com as expecativas que crio é entendendo que, dentro de todas as minhas capacidades e possibilidades, estou sempre fazendo o que posso — e isso basta, acredite.

Eu faço o que eu posso quando Gael decide que não quer dormir de jeito nenhum durante a madrugada, quando ele esperneia copiosamente porque quer ir lá fora em dias de chuva ou porque quer comer a ração da Filó. Eu faço o que eu posso quando ele fica doente, quando ele chega da escolinha com três mordidas pela corpo ou simplesmente quando eu não consigo entender o motivo do choro dele. Estou 100% do meu tempo fazendo o que posso e, por mais que eu me questione se tem sido o bastante por conta do patamar da régua que criei em relação às minhas expectativas, no fundo, sei que o que eu posso é o suficiente pelo simples fato de que estou sempre tentando lembrar de duas palavrinhas muito importantes: respeito e afeto.

Antes mesmo de engravidar, eu já sabia que esse era o caminho que eu escolheria para criar meus filhos. Tive a sorte — ou privilégio — de entender cedo que é com gentileza que a gente muda o mundo. Lembro que ficava pensando e estudando sobre parto, amamentação, puerpério, e algumas pessoas me falavam: difícil mesmo é educar. Gael ainda é um bebê, então vivi muito pouco isso na prática, mas sei que o principal adubo para a terra que estou plantando minha sementinha é o tipo de relação que vou construir com ele ao longo dos anos. E a única certeza que tenho é que essa relação estará sempre ancorada na gentileza, ainda que vez ou outra eu perca as estribeiras.

Muito vejo por aí nessa internet de meu Deus sobre a famigerada disciplina positiva, educação humanizada ou qualquer que seja o termo utilizado para falar sobre o assunto. Vira e mexe vejo uma coisa ou outra em perfis de Instagram, comprei um livro — que ainda não terminei de ler, mas falta pouco — , e já fiz até alguns workshops por conta da ONG que sou voluntária e segue o mesmo princípio. A questão é aquela famosa frase que diz: na prática, a teoria é outra. “Tenha calma para lidar com os momentos de pura insanidade que a maternidade traz.” Aham, beleza. Noites em claro, filho descobrindo o mundo, casa pra limpar, casamento pra cultivar, vida social pra cuidar, cachorro pra passear, trabalho pra manter, amigos pra socializar, atividade física pra fazer, a terapia tem que estar em dia e não posso deixar de rezar e nem de ir à missa também. Risos. Porém, é aí que eu me pergunto: o que a criança tem a ver com tudo isso? Pois é, nada. Absolutamente nada. Ela é só uma criança que está crescendo e se desenvolvendo às custas de nossos esforços. E quais esforços tenho feito em nome dela?

Tenho plena consciência em relação à dificuldade que envolve equalizar esses dois pontos, mas lembrar que o ser humano que eu quero que meu filho se torne tem muito mais a ver com quem sou e como ajo com ele do que o contrário, me faz repensar duas ou três vezes antes de tomar qualquer atitude que diga respeito a ele.

No relato que fiz sobre meu parto, muito falei sobre como a informação me libertou de diversas amarras do sistema e acho que essa máxima funciona para absolutamente todo e qualquer tema na vida. O desenvolvimento de um mini serzinho carrega consigo um montão de questões relacionadas ao cérebro, corpo, ambiente, emoções, e toda vez que lembro que sou uma das principais responsáveis pelo “resultado” desse emaranhado de pontos, me preocupo e me empolgo na mesma proporção. Me preocupo porque 1. Não sou a única pessoa que convive com ele 24 horas por dia e 2. Sou falha. Por outro lado, me empolgo porque sei do potencial de transformação que esse processo carrega — tanto para mim, quanto para o mundo.

Um dia de cada vez. Se a maternidade tivesse um lema, com certeza seria esse. Dias tranquilos, dias maravilhosos, dias agitados, dias complicados, dias inertes, dias meuDeusdocéuquerofugirprabemlonge… são tantas nuances que é difícil (leia-se impossível) manter uma linearidade na maneira de encarar cada fato que esse universo arremessa, sem dó nem piedade, bem no meio da nossa fuça. Quando me sinto naufragar em um mar de impaciência, cansaço, questionamentos e embaraços, a única coisa capaz de me fazer emergir e respirar em paz novamente é a consciência da escolha do caminho que escolhi seguir.

Aos poucos, vou aprendendo a atribuir a cada coisa o peso que ela realmente deve ter, na busca incessante de alinhar meus valores aos meus pensamentos e ações.

No fundo, o raciocício é simples, e com certeza todo mundo já ouviu falar: tratar o outro como eu gostaria de ser tratado — e pouco importa se o outro é um bebê, uma criança, um adulto, um idoso, pobre, rico, preto ou branco. Tem um cara muito famoso que há mais de dois mil anos pediu para que a gente amasse ao próximo como a nós mesmos. E como é difícil fazer isso, não é? Mas quando, entre um surto aqui e outro acolá, lembro que tudo se trata de uma sementinha que estou plantando nesse mundão, automaticamente volto para o eixo do adubo que jogo nessa terra dia após dia, e penso como é a raiz que eu espero que ele esteja criando: forte, profunda e amável.

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