O ‘problema’ do excesso de brasileiros na Irlanda

Leonardo Pereira
Uma Pera
Published in
4 min readNov 24, 2015

Hoje, durante a aula, meu professor começou a perguntar a cada um dos alunos que tipo de palavrões costumamos usar em inglês. Estava na cara que ele sabia o que estava procurando, e o momento veio quando um de nós mostrou que usa o “fuck” do jeito errado.

Isso me fez refletir sobre a comunidade brasileira na Irlanda. Quando comecei a contar aos amigos que viria pra cá estudar inglês, ouvi mais de uma pessoa criticar a escolha pelo excesso de brasileiros presentes aqui. Por mais que eu ainda discorde que isso seja um problema, agora eu de fato vejo um problema dentro dessa situação — dá pra entender? Vou explicar:

A questão é que a maioria dos brasileiros vive em comunidade aqui, pelo menos em Dublin. Moramos juntos, saímos juntos, comemos em restaurantes brasileiros. Tem lugares aqui — tipo a Dicey’s — que são points típicos dos brasileiros. Assim, uma parte enorme de nós só fala inglês dentro da escola (muitos, pior ainda, só dentro da sala de aula), então sempre que precisam usar o segundo idioma na vida real as pessoas acabam soltando expressões equivocadas. Coisas como um “fuck”, ditas fora do contexto, perdem completamente o sentido — neste caso é um problema curioso, porque palavrões são universalmente uma das primeiras coisas a se aprender num idioma novo.

Isso não é uma crítica vazia ou leviana, eu ouço as pessoas conversando por aí fluentemente, mas com um inglês todo torto. Veja bem, por um lado isso é ótimo, porque na maioria das vezes o que importa mesmo é se comunicar e se tem algo que nós fazemos bem é se comunicar; mas às vezes a questão foge do entendimento simples. Seu inglês avançado, conquistado após um ano, dois, três de Irlanda, pode ser insuficiente para usar no trabalho, ou mesmo se você quiser estudar alguma coisa fora do Brasil.

De novo, não acho que a quantidade enorme de brasileiros morando aqui seja um problema pra quem quer aprender inglês, até porque quem está afim consegue proficiência mesmo estudando do Brasil. Só que é muito mais fácil viver em comunidade. É a primeira vez que eu entendo por que existem pessoas que nascem no Brasil e têm o japonês como primeiro idioma: gente da sua gente cuida de você como ninguém, se entender com alguém numa terra estranha é extremamente reconfortante, e os brasileiros… olha, parece que não, mas os brasileiros gostam uns dos outros, viu? Pelo menos em Dublin, dá pra passar a vida tranquilamente sem falar inglês, o que é uma droga se a sua intenção é aprender a usá-lo.

Escola pra quê?

Indo além do tópico principal, outra coisa que atrapalha o aprendizado é a ideia de que a escola é irrelevante porque moramos num país onde todo mundo fala inglês. A lógica é: “Vou aprender com o uso quando for ao mercado, pub, farmácia.” Em tese, isso funcionaria bem se você morasse aqui por uns dez anos, porque você vai arrumando amigos com paciência pra te corrigir ao longo do tempo, mas na vida real não é bem assim. Um exemplo bem besta: na semana passada aprendi na aula que pão, em inglês, é incontável, o que significa que se você pedir “dois pães” talvez o atendente não te entenda. Como eu poderia adivinhar uma coisa dessas?

Rola também uma falsa ilusão de que é mais fácil aprender o idioma no trabalho, por isso muita gente deixa de se importar com os estudos quando arruma emprego. Só que, como eu já ressaltei neste texto, a maioria de nós trabalha no chamado subemprego aqui, em funções mecânicas, o que significa que geralmente o sujeito passa o tempo todo sozinho fazendo uma única coisa, como limpar e ajeitar quartos e escritórios, lavar louça, segurar placa na rua etc. Quando tem de falar com alguém, a pessoa usa um vocabulário limitado de McDonald’s, loja de roupas ou coisa parecida. Tem aprendizado? Claro que sim, mas não é a mesma coisa.

Talvez isso tudo aí de cima soe arrogante, mas note que em momento algum eu me excluo. Meu inglês também não é perfeito e todos os meus amigos aqui são brasileiros; já almocei em dois restaurantes brasileiros, fui a mercadinhos brasileiros, fizemos pão de queijo e feijoada em casa — e estive na Dicey’s mais vezes do que eu gostaria de admitir. Das nove pessoas que moram no meu apartamento, seis são brasileiras…

Nem são coisas que eu me preocupo em mudar, mas de uns tempos pra cá comecei a dar mais atenção ao que vem da escola pra não correr o risco de voltar ao Brasil sem o que eu vim buscar na Irlanda. Séries sem legendas, vídeos do YouTube, podcasts e muita leitura são as coisas que eu uso pra estudar nas horas vagas, e eu preciso estudar muito. Afinal, se gastei uma fortuna e me afastei de amigos e família pra vir aqui em busca desse diacho de inglês, o mínimo que eu posso fazer é domar o bicho e levar ele pra minha terra.

--

--