Sobre o casal ‘quebrado’ de viajantes que esfrega privadas para sobreviver

Leonardo Pereira
Uma Pera

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Não era bem sobre isso que eu queria escrever no meu primeiro post como intercambista, mas me vi meio que na obrigação de tocar no assunto do casal que largou empregos estáveis para viajar pelo mundo e “acabou” pobre e esfregando privadas.

A recapitulação: em maio, Chanel Cartell e Stevo Dirnberger decidiram trocar suas experiências de mais de uma década em agências de publicidade por uma jornada de autodescobrimento que duraria um ano. Eles criaram um blog e contas nas redes sociais para contar quão longe conseguiriam ir em relação à África do Sul — local de onde partiram.

Pois eis que, tendo alcançado quase metade do tempo previsto, eles resolveram falar a respeito da parte penosa do plano em um texto intitulado “Por que largamos nossos empregos em publicidade para esfregar banheiros”. Nele, Chanel revela o óbvio para qualquer intercambista: quem quer viajar precisa se sujar (acabei de criar um bordão, olha só), porque só quem é milionário consegue fazer um rolê tão longo sem a necessidade de entrar no tal subemprego.

Aqui em Dublin, por exemplo, você encontra brasileiros em cafeterias, cozinhas, pubs, hotéis, segurando placas na rua (num lugar onde chove de 20 em 20 minutos), cuidando de crianças, limpando a casa dos outros… A maioria das pessoas que estão aqui para estudar acaba caindo no subemprego, que exige mais e paga menos mas lhes permite sobreviver relativamente bem enquanto aprendem inglês. É raro encontrar um brasileiro aqui que tenha escapado desse esquema; boa parte dos que conseguiram trabalha para empresas de tecnologia ou design — e os brasileiros precisam ser muito bons nessas áreas, já que na disputa pela vaga é preciso vencer os irlandeses e, depois, qualquer europeu que a queira.

Voltarei em outro texto pra explicar por que não acho isso nada negativo, por ora queria apenas expressar meu desapontamento com a cobertura que a mídia em geral fez sobre a revelação do casal sul-africano. No Adweek, o título foi: “The Couple Who Quit Their Ad Jobs to Travel the World Ended Up Poor and Scrubbing Toilets”; no BuzzFeed, “Casal que abandonou empregos para viajar está quebrado e agora limpa banheiros para sobreviver”; na RedeTV, “Casal larga tudo para viajar o mundo e acaba lavando banheiros para se sustentar”.

Expressões fortes como “quebrado”, “acaba”, “scrubbing toilets” passam uma ideia falsa do que diz o texto. Chanel fez questão de ressaltar que mesmo com as adversidades eles agora têm tempo para explorar lugares diferentes e ter suas próprias ideias. “Isso é como o paraíso para nós”, escreveu ela.

“Você trabalha dentro da sua própria programação, usando (muito) tempo livre para correr em volta de lagos espelhados, criar coisas artesanais inspiradoras e respirar o ar do Ártico.”

Traduzindo: limpamos banheiro, sim, mas depois podemos dar uma paradinha para descansar num ambiente que é inimaginável pra quem passa oito horas em frente a um computador.

Chanel também acrescentou que, para ela, nada melhor do que trocar os orçamentos milionários do mundo publicitário pela esfregação de privada para aprender sobre “humildade, a vida e a importância de viver cada dia como se fosse o último”. Este é o ponto. Esta era a proposta deles e é a de boa parte dos intercambistas: você viaja para um lugar completamente diferente, vai viver com pessoas estranhas em condições provavelmente inferiores às da sua casa familiar, mas em contrapartida faz um monte de outras coisas que te ajudam a descobrir que há muito mais em você do que se imaginava.

A foto lá de cima mostra minha primeira residência em Dublin. Nada glamourosa, né?

Sobre a música: veja o clipe.

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