Buttfaces

Cartas de um Flaneur — #014

Yves Hermínio
Unifei Finance Itabira
9 min readJul 9, 2020

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Já faz alguns anos que li a autobiografia do fundador da Nike, Phil Knight, e me fascino toda vez que lembro da história. É uma lição de empreendedorismo, competição, inovação e vontade de vencer. Por mais que já conheça o final da história (todos usamos algum acessório da Nike no nosso dia a dia), você fica se questionando se isso realmente vai dar certo ao longo da narrativa.

Uma passagem do livro que me chama a atenção é quando ele fala do Buttface. Nada mais era que um retiro anual que os principais colaboradores da empresa faziam como forma de renovar as energias e criar novas estratégias e ideias para o crescimento da Nike. Esses caras nunca se levaram a sério, sempre brincavam uns com os outros e criavam apelidos, o mais comum, Buttface, ou cara de bunda.

Posso afirmar que a UNIFEI Finance Itabira não é muito diferente nesse quesito, somos bem brincalhões uns com os outros. As provocações, memes e discussões são parte fundamental da nossa rotina e, sinceramente, adoramos isso!

Inspirados no retiro anual da Nike decidimos fazer nosso próprio Buttface, mesmo que de maneira informal e por vídeo chamada, como manda o protocolo. A ideia era ter uma conversa descontraída sobre o mercado financeiro nesses últimos seis meses e o que estamos vendo daqui pra frente.

Se por algum acaso você não está vivendo no planeta Terra, neste ano tivemos:

i) Conflito entre EUA e Irã, que muitos imaginaram ser uma 3ª Guerra Mundial;

ii) Um vírus que se originou na China e se espalhou pelo mundo, causando mais de meio milhão de mortes até o momento;

iii) Um lockdown global como forma de conter a expansão do vírus, diminuir a curva de contágio e não sobrecarregar o sistema de saúde;

iv) Um impacto econômico, num primeiro momento, decorrente das políticas de quarentena e seu reflexo na bolsa de valores com o acionamento de 6 circuit breakers apenas em março;

v) Crise do petróleo entre Rússia e Arábia Saudita, tendo seu preço sido negociado em patamares negativos em alguns contratos futuros;

vi) Uma ou outra crise política, tanto no Brasil como em decorrência da guerra comercial entre EUA e China.

E tudo isso apenas na primeira metade do ano. Sinceramente, meus parabéns se você está aqui comigo e, principalmente, se seus investimentos sobreviveram a esses momentos.

O principal tema de discussão em relação ao último semestre não tinha como ser diferente, foi o corona vírus e seus impactos na economia e nos nossos investimentos pessoais. Vou tentar resumir quase 3 horas de discussões nos próximos parágrafos para que você entenda o que estamos pensando e como estamos agindo diante do cenário apresentado.

Fica aqui o disclaimer que não somos analistas de valores mobiliários, tudo retratado aqui reflete única e exclusivamente nossas opiniões pessoais e não se caracteriza como recomendação de investimentos. Dito isso, vamos ao que interessa.

É inegável que os acontecimentos do ano nos pegaram com as calças curtas, mas fomos felizes nas decisões tomadas, por mais que tenham sido bem diferentes. A visão construtivista com o Brasil era unanimidade no grupo antes da crise do corona vírus. Apesar da confiança elevada, alguns membros já possuíam uma parcela da carteira dolarizada, enquanto outros possuíam caixa ou ativos líquidos para movimentações mais rápidas.

Todos sofremos, uns mais, outros menos. Mas, o mais importante foi o comportamento de cada um no olho do furacão. A grande maioria foi às compras. Aproveitando que o preço caiu rapidamente, quem possuía alguma liquidez conseguiu comprar excelentes ativos e surfar a rápida recuperação. Outros se preservaram ainda mais, temendo o pior, e utilizaram da diversificação geográfica para isso.

Apesar dos arranhões, das noites sem dormir e do custo financeiro do aprendizado, o cenário agora é outro. Os bancos centrais dos principais países do mundo foram os grandes heróis dos mercados, e quem confiou na capacidade infinita desses agentes se deu muito bem. No final das contas o saldo foi positivo e alguns pontos valem a pena ser ressaltados.

Toda decisão deve ser julgada com base nas informações disponíveis no momento em que essa decisão foi tomada. Ao olhar em retrospecto, parece óbvio que o mercado reagiu de maneira extrema, criando oportunidades há muito tempo não vistas, mas não se deixe enganar pelo viés de retrospectiva.

Outro ponto é que a história só narra o que aconteceu, não o que poderia ter acontecido. Se o FED (Federal Reserve, o banco central americano) e os outros bancos centrais tivessem demorado um pouco mais para socorrer a economia, tudo poderia ser diferente, ou não. Nunca saberemos. O fato é que não há a necessidade de se especular quais seriam as consequências se não fizéssemos um lockdown ou se as decisões do governo foram acertadas ou não. No fim temos apenas uma realidade e devemos lidar com ela daqui para frente.

Por último, não fazer nada também é uma decisão. Não podemos negligenciar os efeitos da inação. Sempre achamos que temos duas opções, vender ou comprar, mas também temos a opção de sentar na mão e não fazer nada. E se for parar pra pensar, não fazer nada muitas vezes é a decisão mais acertada.

E daqui para frente, como fica?

Num exercício de futurologia, tentamos visualizar o que pode acontecer daqui pra frente. Sinceramente, não tome isso como uma previsão. Acho que já deixei bem claro, em cartas anteriores, que previsões são as piores coisas que você pode se pautar para tomar uma decisão de investimento. Não seja um iludido pelo acaso e não acredite em qualquer previsão que ler. Permaneça cético, pondere os cenários apresentados e como eles podem afetar seu portfólio de investimentos. Lembre-se sempre, X não é F(X).

Dado o segundo disclaimer, vamos às nossas ponderações.

Aqui o cenário fica bem dividido. Uma parte da equipe tem uma visão otimista para o mercado e os ativos de risco. A visão de uma segunda pernada de queda ou uma recuperação mais lenta se mostrou equivocada por parte dos mercados e estão todos querendo correr atrás para recuperar os prejuízos. A outra parte acredita que o impacto na economia real ainda não chegou e o mercado especulou o tamanho da queda, da mesma forma que o fez na retomada.

Desta forma, algumas teses se destacam. Alguns setores serão bem menos afetados que a economia de uma forma geral, muitos deles até se beneficiando da situação atual. Abaixo listo alguns cases que são unanimidade pela equipe:

i) O e-commerce é uma realidade e as empresas que estão no seguimento estão capturando os resultados disso;

ii) O setor de construção civil tem se mostrado atrativo. Com a adesão do home office as pessoas tem passado mais tempo em casa e a necessidade de reparos nas instalações ou procura por espaços maiores e melhores tem feito o setor de incorporação parecer bem interessante. Soma-se a isso as baixas taxas de juros, desta forma vemos que a necessidade de projetos rentáveis é mais atrativa que deixar o dinheiro parado;

iii) O setor de bancos tem sido bastante penalizado, mas pode ver seu valor destravado. O governo discute um aumento na CSLL, o que aumentaria a contribuição tributária dos bancos e o mercado, com receio de que o pior aconteça, não tem investido no setor. Ao ter alguma previsibilidade sobre o assunto e, talvez, com os resultados do segundo trimestre, os bancos podem ser uma grande surpresa.

De um ponto de vista mais macro a coisa fica bem mais dividida. O lado dos otimistas tem bons argumentos que corroboram com o cenário desenhado, destaco:

i) A cada dia que passa a vacina fica mais perto. Uma vez que tenha uma vacina em mãos, o principal problema acaba e o mundo pode voltar ao “normal” (seja lá o que isso quer dizer);

ii) O panorama político parece mais estável, depois de muita turbulência nos últimos meses, o que ajuda a elevar os ânimos do mercado. É bem capaz de termos a retomada de uma agenda de reformas, começando pela tributária.

Já do lado dos cautelosos, alguns pontos devem ser levados em consideração e ficar no radar dos investidores:

i) No início da pandemia o mercado se posicionava muito em relação ao número de casos, toda vez que aumentava as bolsas caiam e vice-versa. Hoje o mercado está acompanhando as falas do FED. Qualquer anúncio que o FED irá injetar mais dinheiro na economia, as bolsas disparam e, quando o FED fica muito calado, as bolsas realizam esperando novos estímulos. Fica a dúvida, até quando o FED vai continuar imprimindo dólares?

ii) Uma segunda onda de contágio começa a ser vista nos EUA, justamente no momento de maior abertura econômica. Não tenho ideia do que acontecerá, mas é algo para se ficar de olho;

iii) É bem capaz que a deterioração do PIB seja absurda, e o olhar cético com relação a uma recuperação forte prevalece. É bem capaz de demorar alguns anos para alcançarmos o patamar de PIB pré-crise. A preocupação com a trajetória da dívida pública também é um ponto de bastante atenção;

iv) As eleições americanas podem mexer bastante com os mercados. É um assunto que não vemos sendo falado com a frequência e a importância que merece. Não vai ser um pleito fácil entre o candidato Joe Biden e o atual presidente Donald Trump, e qualquer decisão lá impacta diretamente nossa situação aqui.

No fim das contas, e diante de todos os cenários e variáveis que nossas limitadas cabeças conseguiram visualizar, como estão alocados nossos próprios investimentos?

Falarei brevemente sobre isso, até porque a ideia aqui não é dar dicas de investimento. Estamos longe de ser capacitados nesta área e todos possuímos nossos próprios vieses e círculos de competência. Sabemos da nossa humanidade e da nossa capacidade de erro. Dito isso, vamos às alocações de forma geral.

Dá pra perceber que o que aconteceu no primeiro semestre foi importante do ponto de vista do aprendizado. Nossas carteiras estão bem menos concentradas e mais diversificadas em diferentes classes de ativos, como já propus em uma série de cartas anteriores.

O caixa mais elevado na maioria dos portfólios já diz muita coisa. Estamos preparados para qualquer correção que venha ou qualquer manobra que precise de uma rápida alocação. Se manter líquido diante de um cenário de bastante incerteza é uma atitude responsável.

Mesmo assim a parte de risco ainda existe, porém mais focada em empresas de maior qualidade ou pequenas apostas nos setores descritos anteriormente. Outra forma eficiente de lidar com nossa parcela de renda variável é a migração para bons fundos de ações, onde a confiança em um gestor qualificado diminui a probabilidade de erros que podem custar caro.

Ainda sobre bolsa, estamos buscando operações mais sofisticadas, migrando parte do nosso capital para o exterior. O investimento em nomes dominantes no setor de tecnologia global prevalece nas carteiras e tem se mostrado uma decisão acertada.

Como forma de diversificação e de proteção, as commodities são uma grata surpresa. Temos desde algumas posições pequenas em petróleo e café, até posições maiores em ouro e prata, tendo em vista a massiva impressão de dólares nos últimos meses. E por falar em dólares, nossas carteiras estão cheias deles e aguardando um momento para aumentar aos poucos.

Enfim, os desafios pela frente são inúmeros, e com certeza terão outros que nem imaginamos. Diante de tudo isso, a melhor abordagem é a expansão dos nossos horizontes de investimentos, e nisso estamos todos alinhados. A redução do risco dos portfólios e eventuais proteções, sejam com caixa ou com ativos dolarizados, é algo que fiquei particularmente feliz de encontrar.

O que esses Buttfaces fizeram por seus investimentos deveria ser levado em consideração, por isso os fiz de tema para essa carta. O trabalho tem sido muito grande, mas a vontade de aprender é ainda maior. Sabemos na nossa insignificância, mas mesmo assim continuamos a debater sobre a melhor forma de investir.

Aproveito o espaço para me desculpar pelos inúmeros áudios de quinze minutos, que parecem verdadeiros podcasts, com minhas teorias mirabolantes. Da mesma forma, gostaria de agradecer por ouvi-los, pois assim consigo colocar as ideias para fora e podemos discutir da melhor maneira, seja alfinetando ou brincando uns com os outros. Esse é o espírito da UNIFEI Finance Itabira e nós somos grandes Buttfaces.

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Yves Hermínio
Unifei Finance Itabira

Estudante de Engenharia de Controle e Automação e membro da UNIFEI Finance Itabira. https://medium.com/unifei-finance-itabira