Usando sapatos apertados

Cartas de um Flaneur — #005

Yves Hermínio
Unifei Finance Itabira
5 min readApr 30, 2020

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Sou apaixonado por esportes. Acompanho vários e já tive a oportunidade de praticar alguns. Meu sonho sempre foi ser atleta, mas devido ao meu físico pouco atlético no momento, me contento em ser um exímio levantador de copos aos finais de semana. Mesmo sem ter muito preparo físico, ultimamente tenho praticado tênis, com alguma habilidade, se me permite ser pretensioso.

A prática desse esporte exige alguns equipamentos, entre eles estão as raquetes, bolinhas e bonés, mas um dos itens mais importantes do tênis são justamente os tênis. Recentemente comprei um tênis para jogar. Era a coisa mais linda e parecia ser perfeito para me ajudar a evoluir.

Fui acometido com uma promoção online e os comprei com um excelente desconto. A surpresa veio quando fui calçá-los pela primeira vez. Um tanto quanto apertados. Fui jogar mesmo assim e pode ter sido uma decisão pior do que a compra dos tênis. Meu pé ficou todo arrebentado.

Após algumas semanas de recuperação resolvi dar uma segunda chance aos tênis, sem sucesso nenhum. Não poderia deixar esses tênis caríssimos encalhados no fundo do armário. Fiz mais algumas outras tentativas, mas só se mostraram igualmente ruins e dolorosas. Entra aí alguns questionamentos. Quantas vezes eu vou tentar calçá-los antes de desistir? E depois que eu desistir, por quanto tempo ficarão no fundo do armário antes de eu doá-los?

Dando continuidade à última carta e aos estudos de vieses cognitivos, Richard Thaler (mais um expert do assunto e vencedor do prêmio Nobel de economia) diria que tudo depende de quanto eu paguei nos tênis. Quanto maior o custo dos tênis, mais dor eu estaria disposto a suportar até abandoná-los e mais tempo eles ocuparão espaço no meu armário. Para isso ele apresenta o viés do custo afundado.

Nada mais é do que a tendência que temos de ser excessivamente resistentes a abandonar um projeto ou ideia (ou tênis) após dedicar tempo ou recursos financeiros nele. Temos o instinto de continuar investindo esses recursos mesmo sabendo que isso não levará a lugar nenhum, tendo um apego irracional e persistindo num projeto que não poderemos recuperar o investimento feito.

Esse viés é muito presente no mundo das finanças, principalmente se tratando de investimentos financeiros. É muito difícil para nós abrir mão de uma posição perdedora, por pior que ela seja, a tendência de continuar investido ou até mesmo aportar mais dinheiro nela é um claro indício que estamos sofrendo desse viés. Nesses momentos a emoção toma conta e as decisões não são as mais racionais possíveis.

Ainda sobre investimentos e tomada de decisões, há um viés que, na minha opinião, é um dos mais importantes nesse quesito e está intimamente ligado ao próprio ato de investir. Falo aqui do viés da ancoragem, que faz com que uma exposição prévia a uma informação nos leve a considerá-la fortemente em uma tomada de decisão futura. E isso acontece o tempo todo!

Ao comprar um ativo por determinado preço, você está ancorado a ele. Muitas vezes a sua decisão de comprar mais cotas desse ativo, ou se desfazer de todo o investimento, está ligado ao preço que pagou por ele. Mas, sinceramente, o mercado não se importa com o preço que você pagou por esse ativo, é só mais um número como qualquer outro.

Obviamente que o seu lucro ou prejuízo está ligado ao valor que pagou por ele, decerto é perfeitamente compreensível. Mas o que torna isso um viés cognitivo é que nós nos utilizamos exatamente dessa âncora para a tomada de decisões e isso é completamente irracional.

Não devemos vender um ativo apenas porque está sendo negociado acima do preço que você pagou por ele no passado, ou até mesmo comprar porque o preço está abaixo do valor pago, reduzindo assim seu preço médio. Devemos nos pautar nos fundamentos da escolha desse investimento, isso sim é uma informação muito mais confiável e menos enviesada para decidir comprar ou vender.

Levando isso em consideração, temos que tomar cuidado para não sermos surpreendidos em momentos de euforia ou de medo, pois são exatamente nesses períodos que nossos vieses comportamentais se manifestam. O mercado tem algumas palavrinhas para descrever esses dois sentimentos tão presentes. FOMO (Fear Of Missing Out) e FUD (Fear, Uncertainty and Doubt).

O FOMO se trata da euforia, o medo de ficar de fora de algum investimento mágico que fará seu capital multiplicar várias vezes. Já o FUD é o sentimento que é amplamente disseminado em momentos de medo, incerteza e dúvida, quando o mercado está em seu momento de capitulação, onde todos estão vendendo seus ativos por um valor muito baixo.

Esses conceitos se referem ao efeito manada, que pode ser definido como a tendência de que todos os indivíduos se comportem da mesma forma, independentemente de suas próprias crenças. Assim esse efeito é responsável pelas maiores bolhas especulativas e pelos piores crashes do mercado.

Para não ser seduzido pelo canto da sereia, podemos fazer como Ulisses, e nos amarrarmos ao mastro, ou como seus marinheiros, colocando cera nos ouvidos. De forma análoga, podemos lembrar das nossas mães quando elas dizem que não somos todo mundo. Esteja ciente das suas escolhas e não as faça porque outros estão fazendo ou dizendo.

Quanto aos tênis que comprei, cabe a mim me libertar da âncora que foi o preço que paguei por eles e aceitar que é um custo afundado. Por mais que eu tente, eles não serão confortáveis. Então, fica aqui um conselho, liberte-se dos seus sapatos apertados e libere um precioso espaço no armário. Tendo isso em mente, suas decisões de investimento serão mais assertivas.

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Yves Hermínio
Unifei Finance Itabira

Estudante de Engenharia de Controle e Automação e membro da UNIFEI Finance Itabira. https://medium.com/unifei-finance-itabira