Sobre imagens que não podem ser vistas

….mas quando auto descritas, revelam-se para todas as pessoas

Bia Ferrer
Hub de Design TOTVS
5 min readJul 1, 2022

--

Fotografia de um recorte de rosto de aparência feminina, com as mãos em sua frente e dedos abertos. A figura está pintada com as cores azul, amarelo e rosa.
Insustentáveis: imagem integrante do projeto de arte urbana que realizei em 2019

Descrição da imagem: Fotografia de um rosto com aparência feminina. O enquadramento da imagem está entre a testa e o final do nariz. As mãos estão posicionadas em frente ao rosto, com os dedos abertos, deixando os olhos em evidência. O rosto e as mãos estão inteiramente pintados. As mãos possuem como cor base o azul, com detalhes em roxo e amarelo. No rosto, a predominância é de tons da cor amarela, com pinceladas de rosa e azul. Os cílios são grandes e pretos. A íris (parte colorida) dos olhos é de cor branca com contorno em preto, assim como a pupila. A figura encara de frente a pessoa que a vê. Fim da descrição.

Imagens fazem parte da minha vida

Tudo bem, tô sabendo que elas fazem parte da vida de um montão de gente, mas deixa eu explicar. Sou psicóloga de formação. Aí teve o lance do trabalho de conclusão do curso. Eu optei em falar sobre a morte, e as fases que a antecedem. Meu orientador, sugeriu um estágio em um hospital.

Logo no primeiro dia, acompanhei uma pessoa profissional de psicologia, e sua função era a de comunicar à um paciente o diagnóstico de doença terminal.

Ao sair do quarto, sentei no corredor e chorei. O paciente tinha minha idade na época. Neste dia eu soube que não daria conta desta função.

Todos os dias, no caminho de casa, eu passava em frente ao Cemitério da Consolação. Sugeri ao orientador, um estudo sobre arte tumular. Ele aceitou. Foi ali que passei os próximos 06 meses.

Fotografia em tom azulado de uma escultura de cimento com enquadramento no rosto.
Fotografia que eu fiz mais ou menos nos anos 2000

Descrição da imagem: Fotografia em tom azulado de uma escultura de cimento em forma humana, com cabelos curtos e aparência masculina. O enquadramento está entre a cabeça e ombros. A figura está com seu rosto deitado em um objeto que parece um livro, e seu braço direito o abraça, deixando em primeiro plano a mão. os olhos da figura estão fechados, como se a mesma, estivesse em sono profundo. Fim da descrição.

O estudo se desenvolveu. Para apresentar o trabalho final, tive que fotografar as esculturas expostas nos túmulos. Me apaixonei por fotografia. E pelos próximos 25 anos, foi nessa área que atuei.

Claro que esse período gerou muitas outras histórias, porém elas ficam para outro momento, então segura a onda que outra hora eu conto.

Aí chegou a pandemia (quem imaginaria), e junto veio o isolamento social.

Um pouco antes, eu já não estava tão interessada em só registrar imagens, eu queria saber mais. Foi aí que comecei a estudar sobre Design Thinking, depois sobre UX Design. Entendi que meu lance era pesquisa. Hoje atuo no como UX Researcher, na TOTVS.

Mas isso aí é outra história e esse papo todo é só uma introdução, bora voltar para o foco que é falar sobre imagem.

O time de pesquisa, atualmente composto por Jéssica Gonçalves, Caio de Mendonça e eu, foi designado para apoiar na conclusão do Guia de Usabilidade, desenvolvido por Francini Martins e Wilson Bizon.

Nossa função: tornar real a acessibilidade para todas as imagens do Guia.

De cara, achei que seria fácil, pois imagens fazem parte da minha vida. Mas senta que lá vem história…

Caio e eu ficamos responsáveis por descrever as imagens e a Jess, por verificar nossas descrições (tipo, se não tinha erro de digitação e tals).

Minha primeira imagem, foi uma nuvem de palavras. Facinho de descrever. Aí Caio me manda uma mensagem, com uma das primeiras imagens dele: um enorrrrme fluxograma, com várias opções de caminhos!

Bug no sistema

Peraí, deixa eu voltar um pouco. Quando o Bizon nos passou a tarefa, não foi assim do nada, junto ele nos indicou uma série de links para estudarmos como isso deveria ser feito.

Em resumo, a parada funciona assim:

  • Descreva o que você vê na imagem, sem julgamentos ou opiniões;
  • Evitar o excesso de informações e apontamentos desnecessários;
  • Se possível, descrever características físicas e vestimentas, desde que o texto não fique extenso;
  • Seja objetivo na descrição. Diga o suficiente para que a ideia geral seja transmitida;
  • Em caso de memes, cujo intuito é, na maioria das vezes, cômico, a descrição também pode ser cômica, contanto que não confunda o leitor;
  • Sinalize, antes da descrição, com alguma palavra ou expressão que mostre que a imagem será descrita. Assim, além de ser acessível, esta atitude será educativa para quem nunca pensou sobre o assunto: #descricaodaimagem
  • Evite o uso de figuras de linguagem (facilita também a interpretação do avatar de Libras);
  • Identificar os elementos relevantes;
  • Mencionar cores e detalhes;
  • Usar verbos no presente;

Optamos por inserir no ALT, uma descrição geral sobre a imagem, e a descrevermos detalhadamente no corpo do documento, sendo o parágrafo iniciado por #DescricaodaImagem.

Após iniciar, passei por um montão de questionamentos.

Comecei a pensar sobre as imagens que produzo e sobre como as imagens em geral não são acessíveis.

Voltando ao Guia de Usabilidade da TOTVS. A cada imagem que eu precisava descrever, rolava na minha cabeça, uma gama de questionamentos.

Pensa só, tem imagem em que levei cerca de 30 minutos ou mais, para idealizar a melhor forma de contar o que estava sendo apresentado.

Gente… foi muito trabalhoso, e por este motivo, tive certeza de que esta é uma ação que devemos considerar essencialmente necessária.

Me questionei sobre como nunca tinha pensado nisso ao produzir uma imagem como fotógrafa. Real/oficial, essa experiência mudou a forma que eu fotografo, para melhor.

Foi um desafio enorme, mas como equipe, finalizamos o trabalho.

Nosso próximo passo é fazer uma validação dessas descrições realizadas no Guia de Usabilidade. No meu coração, fica o questionamento: isso tudo que fizemos realmente irá apoiar uma pessoa cega no entendimento de uma imagem? Estamos abertos para receber mais dicas sobre como tornarmos real a descrição de uma imagem complexa para uma pessoa cega.

Sendo assim, deixe aí seu joínha, siga nosso canal blablabla..brinks. #ajudanoix ?

E foi assim, agora falando como fotógrafa, que tive contato com uma imagem de uma forma jamais imaginada: transformando uma informação visual, em auditiva.

With love

Bia Ferrer

Fontes:

Guia da Prefeitura de São Paulo

Centro Tecnológico de Acessibilidade

Capacitismo: O que é, onde vive, como se reproduz?

Por que a tag #ParaCegoVer é ruim e deveria ser abandonada (na minha opinião)

Como tornar suas timelines mais acessíveis para pessoas cegas

--

--

Bia Ferrer
Hub de Design TOTVS

Pesquisadora muito interessada em comportamento e artista visual desde sempre.