O UX Writing de Mãos Dadas com a Acessibilidade Digital
Escrevendo experiências acessíveis a cada microtexto.
Havia uma lacuna importante na minha formação como professora por não ter aprendido como ensinar pessoas com necessidades especiais. Logo, quando pude participar do curso de Acessibilidade Digital da Mergo User Experience em parceria com a iniciativa UX para Minas Pretas, agarrei a oportunidade prontamente. Como UX Writer, quero conhecer e aplicar as boas práticas de acessibilidade para alcançar um público maior com os produtos digitais que vou ajudar a desenvolver.
Experiências Equivalentes
Marcelo Sales, UX Designer e professor do curso, compartilhou seu conhecimento na área e falou sobre a responsabilidade que o designer tem em criar experiências equivalentes para pessoas com necessidades especiais. Isto se baseia na premissa de que as experiências nunca serão absolutamente iguais para todos. É preciso, portanto, garantir a acessibilidade em todos os pontos de interação: na organização dos conteúdos, na leitura da página por leitores de tela, na navegação pelo teclado, no contraste de imagens e textos, etc.
No entanto, pensar em acessibilidade não é simplesmente algo legal de se fazer. É também um direito civil e está previsto na Lei nº 13.146 de 6 de julho de 2015 da LBI:
Art. 63. “É obrigatória a acessibilidade nos sítios da internet mantidos por empresas com sede ou representação comercial no País ou por órgãos de governo, para uso da pessoa com deficiência, garantindo-lhe acesso às informações disponíveis, conforme as melhores práticas e diretrizes de acessibilidade adotadas internacionalmente.”
Neste contexto, a UX Writer responsável pelo desenvolvimento do conteúdo precisa consultar a WCAG — Web Content Accessibility Guidelines (Diretrizes de Acessibilidade para o Conteúdo da Web). A WCAG é um conjunto de orientações e boas práticas para que o conteúdo encontrado na Internet esteja acessível a mais pessoas, principalmente aquelas com algum tipo de deficiência. Tais orientações são produzidas e publicadas pela W3C, comunidade internacional que cuida da padronização e de protocolos para a web. A propósito, o diretor da W3C é o Tim Berners-Lee, o paizão da Internet.
O guia da WCAG é bem robusto, detalhado e complexo. Para o designer que se propõe a seguir suas diretrizes, a tarefa pode parecer gigantesca a princípio. Para facilitar a compreensão e aplicação da WCAG, o Marcelo desenvolveu um conjunto de cartões (figura 1) nos quais as diretrizes de acessibilidade são mostradas de maneira simples e com melhor visualização. É um jeito mais prático — e acessível — de aprender sobre os “critérios de sucesso” da WCAG e conseguir implementá-los no seu trabalho.
Zelando pelo conteúdo
Como toda designer da experiência do usuário, a UX Writer é aquela que defende a implementação de funcionalidades que vão contribuir para uma boa experiência de uso dos produtos digitais. Ao aumentar o escopo do público-alvo aplicando a acessibilidade, o conteúdo produzido pode atingir milhões de pessoas no país que têm algum tipo de deficiência.
A exclusão dessas pessoas fica mais latente quando constatamos que menos de 1% dos sites no Brasil são acessíveis, o que demonstra a urgência em investir em acessibilidade. Sem esse cuidado, é possível que estas pessoas não consigam fazer tarefas cotidianas como pagar uma conta pelo celular, pedir comida no aplicativo, assistir uma série, ter acesso a notícias na web e aproveitar todas as facilidades que a tecnologia tem oferecido. Além disso, as empresas deixam de ganhar milhões de reais com a perda destes clientes em potencial.
Mas como o UX Writing e a WCAG podem ser aliados neste processo? Vou dar três exemplos. Vem comigo.
Utilização de Links
Dentre os exemplos mostrados pelo Marcelo, um dos mais interessantes e marcantes para mim foi sobre a utilização de links com o termo “Clique aqui”. Não há nada mais comum e corriqueiro em sites e aplicativos do que essa expressão. A questão é que ela é, por si só, esvaziada de contexto. A navegação por itens clicáveis faria o leitor de tela dizer apenas “Clique aqui link”. Vê-se, portanto, a importância do UX Writing em trabalhar frases deste tipo e preenchê-las de sentido para facilitar a leitura das pessoas usuárias, sejam deficientes ou que estão fazendo leitura dinâmica.
Para exemplificar, perceba nas frases abaixo que a expressão “Clique aqui” tem seu significado localizado fora dela: “para assinar a newsletter”, “ler mais artigos sobre este tema” e “para recuperá-la”.
Com a navegação pelos links ou em uma leitura dinâmica, visualizamos os itens destacados claramente esvaziados de significado. Clicar aqui para quê? Por quê?
No entanto, quando a UX Writer entra em ação e reescreve as frases com a funcionalidade dentro do link, tem-se mais clareza e entendimento:
Mesmo quando eliminamos as outras palavras, os significados permanecem:
Vale a pena lembrar que a elaboração do “Clique aqui” é uma técnica eficiente de SEO e indexa melhor o site nas páginas de mecanismos de busca. Na WCAG, esta atenção com o que se escreve nos links atende ao critério de sucesso 2.4.9 (figura 2).
O critério acima tem três A e representa o cenário ideal quando ele é atendido. Se houver alguma restrição para aplicá-lo, a WCAG também prevê que a finalidade do link possa estar no contexto ao redor dele. Este é o critério 2.4.4 - Finalidade do link (em contexto), com um A, e acomoda situações nas quais a frase poderia dizer algo como:
Para assinar a newsletter, clique aqui.
Perceba que a simples mudança de ordem das orações consegue minimizar o esforço para entender aonde o “clique aqui” vai te levar.
Escrita Sem Complicação
Um dos pontos fortes do UX Writing é promover uma escrita clara, concisa e objetiva. O próprio microcopy (microtexto) tem o propósito de comunicar, explicar e/ou promover a interação por meio de fragmentos de texto. Muitas vezes, é uma única palavra que vai carregar significado, personalidade e ajudar a pessoa usuária a alcançar o seu objetivo na interface.
Portanto, é essencial que se possa entender o que está escrito sem erros ortográficos e sem qualquer rebuscamento que prejudique a compreensão ou crie um carga cognitiva desnecessária. Esta clareza também está prevista na WCAG com o critério 3.1.5 (figura 3).
Descrição de Imagens
É comum que as pessoas descrevam imagens em postagens nas redes sociais. Normalmente, são usadas as hashtags #paracegover e #paratodosverem. Esta medida também faz parte da WCAG que, além de encorajar descrições claras, também pede que se evite o uso de textos em imagens sempre que possível, já que o leitor de telas não conseguiria identificá-los (figura 4).
Ao fazer descrições de imagens, não se deve incluir juízo de valor com adjetivos tais como “bonito”, “feio”, “interessante”, etc. A descrição precisa ser objetiva e comunicar apenas o que a imagem mostra. Além disso, é bem vinda a descrição de texturas, estilos e cores se elas forem relevantes para o contexto. Afinal de contas, uma pessoa usuária que tenha deficiência visual pode ter adquirido esta condição mais tarde na vida e, portanto, ainda conseguir entender referências a cores.
O Marcelo também afirmou que o contexto é fundamental para o processo de descrição. A quantidade de caracteres utilizados pode variar dependendo da plataforma de publicação ou por coerções do código. Similarmente, o tipo da imagem e o contexto de sua publicação podem modificar detalhes na descrição: a imagem de uma refeição no cardápio de um restaurante será mais exaustivamente explicada do que se ela estiver em um post de uma rede social.
Por fim, deixar o texto descansar por um tempo e voltar a ele mais tarde é uma estratégia eficiente para enxergá-lo com novos olhos. Assim, a descrição pode ser refinada e melhorada com o tempo.
A WCAG contém diversas outras diretrizes importantes para o trabalho de UX Writing e de todos envolvidos em criar experiências incríveis para os usuários: UX Designers, pessoas desenvolvedoras, UI Designers, Product Managers, Product Owners, entre tantos outros. Como pontuou o Marcelo Sales, todos são responsáveis por aplicar a acessibilidade desde a primeira fase do projeto e devem, juntos, reforçar a implementação destas diretrizes. Deste modo, a participação de muito mais usuários será possível e o acesso a experiências equivalentes estará garantido.
Referências Importantes:
- O Acessibilidade Toolkit criado pelo Marcelo Sales:
- O guia da WCAG para consulta rápida online: