O UX Writing de Mãos Dadas com a Acessibilidade Digital

Beatriz Carneiro
UXMP
Published in
7 min readJan 22, 2021

Escrevendo experiências acessíveis a cada microtexto.

Fonte: https://tenon.io/

Havia uma lacuna importante na minha formação como professora por não ter aprendido como ensinar pessoas com necessidades especiais. Logo, quando pude participar do curso de Acessibilidade Digital da Mergo User Experience em parceria com a iniciativa UX para Minas Pretas, agarrei a oportunidade prontamente. Como UX Writer, quero conhecer e aplicar as boas práticas de acessibilidade para alcançar um público maior com os produtos digitais que vou ajudar a desenvolver.

Experiências Equivalentes

Marcelo Sales, UX Designer e professor do curso, compartilhou seu conhecimento na área e falou sobre a responsabilidade que o designer tem em criar experiências equivalentes para pessoas com necessidades especiais. Isto se baseia na premissa de que as experiências nunca serão absolutamente iguais para todos. É preciso, portanto, garantir a acessibilidade em todos os pontos de interação: na organização dos conteúdos, na leitura da página por leitores de tela, na navegação pelo teclado, no contraste de imagens e textos, etc.

No entanto, pensar em acessibilidade não é simplesmente algo legal de se fazer. É também um direito civil e está previsto na Lei nº 13.146 de 6 de julho de 2015 da LBI:

Art. 63. “É obrigatória a acessibilidade nos sítios da internet mantidos por empresas com sede ou representação comercial no País ou por órgãos de governo, para uso da pessoa com deficiência, garantindo-lhe acesso às informações disponíveis, conforme as melhores práticas e diretrizes de acessibilidade adotadas internacionalmente.”

Neste contexto, a UX Writer responsável pelo desenvolvimento do conteúdo precisa consultar a WCAGWeb Content Accessibility Guidelines (Diretrizes de Acessibilidade para o Conteúdo da Web). A WCAG é um conjunto de orientações e boas práticas para que o conteúdo encontrado na Internet esteja acessível a mais pessoas, principalmente aquelas com algum tipo de deficiência. Tais orientações são produzidas e publicadas pela W3C, comunidade internacional que cuida da padronização e de protocolos para a web. A propósito, o diretor da W3C é o Tim Berners-Lee, o paizão da Internet.

O guia da WCAG é bem robusto, detalhado e complexo. Para o designer que se propõe a seguir suas diretrizes, a tarefa pode parecer gigantesca a princípio. Para facilitar a compreensão e aplicação da WCAG, o Marcelo desenvolveu um conjunto de cartões (figura 1) nos quais as diretrizes de acessibilidade são mostradas de maneira simples e com melhor visualização. É um jeito mais prático — e acessível — de aprender sobre os “critérios de sucesso” da WCAG e conseguir implementá-los no seu trabalho.

Figura 1: Exemplos de alguns dos cartões com as diretrizes da WCAG e os 4 princípios que a regem: o conteúdo deve ser compreensível, operável, robusto e perceptível. A quantidade de letras A em cada critério revela o seu nível de criticidade: quanto mais letras A, o critério chega mais próximo do ideal.

Zelando pelo conteúdo

Como toda designer da experiência do usuário, a UX Writer é aquela que defende a implementação de funcionalidades que vão contribuir para uma boa experiência de uso dos produtos digitais. Ao aumentar o escopo do público-alvo aplicando a acessibilidade, o conteúdo produzido pode atingir milhões de pessoas no país que têm algum tipo de deficiência.

Número de pessoas com deficiência no Brasil. São 20,5 milhões com deficiência visual, 13 milhões com deficiência motora, 10 milhões com deficiência na fala e na audição e 2,5 milhões com deficiência mental, totalizando cerca de 45 milhões de habitantes ou 24% da população brasileira. Informação retirada do Censo 2010 do IBGE. Fonte: https://usemobile.com.br/acessibilidade-digital/

A exclusão dessas pessoas fica mais latente quando constatamos que menos de 1% dos sites no Brasil são acessíveis, o que demonstra a urgência em investir em acessibilidade. Sem esse cuidado, é possível que estas pessoas não consigam fazer tarefas cotidianas como pagar uma conta pelo celular, pedir comida no aplicativo, assistir uma série, ter acesso a notícias na web e aproveitar todas as facilidades que a tecnologia tem oferecido. Além disso, as empresas deixam de ganhar milhões de reais com a perda destes clientes em potencial.

Mas como o UX Writing e a WCAG podem ser aliados neste processo? Vou dar três exemplos. Vem comigo.

Utilização de Links

Dentre os exemplos mostrados pelo Marcelo, um dos mais interessantes e marcantes para mim foi sobre a utilização de links com o termo “Clique aqui”. Não há nada mais comum e corriqueiro em sites e aplicativos do que essa expressão. A questão é que ela é, por si só, esvaziada de contexto. A navegação por itens clicáveis faria o leitor de tela dizer apenas “Clique aqui link”. Vê-se, portanto, a importância do UX Writing em trabalhar frases deste tipo e preenchê-las de sentido para facilitar a leitura das pessoas usuárias, sejam deficientes ou que estão fazendo leitura dinâmica.

Para exemplificar, perceba nas frases abaixo que a expressão “Clique aqui” tem seu significado localizado fora dela: “para assinar a newsletter”, “ler mais artigos sobre este tema” e “para recuperá-la”.

Conjunto de 3 frases: 1. Clique aqui para assinar a newsletter e receber nossas novidades. 2. Gostou? Quer ler mais artigos sobre este tema? Clique aqui e aproveite! 3. Se você não lembra da senha, clique aqui para recuperá-la. Nestas frases, as palavras “Clique aqui” estão em formato de link (azul e sublinhado).

Com a navegação pelos links ou em uma leitura dinâmica, visualizamos os itens destacados claramente esvaziados de significado. Clicar aqui para quê? Por quê?

O conjunto de frases da figura anterior desaparece e apenas permanecem as expressões “Clique aqui”, ainda em formato de link (azul e sublinhado).

No entanto, quando a UX Writer entra em ação e reescreve as frases com a funcionalidade dentro do link, tem-se mais clareza e entendimento:

Conjunto de três frases: 1. Assine a newsletter e receba nossas novidades. 2. Gostou? Leia mais artigos sobre este tema e aproveite! 3. Recupere sua senha.

Mesmo quando eliminamos as outras palavras, os significados permanecem:

Em comparação à figura anterior, algumas palavras desaparecem e apenas “Assine a newsletter”, “Leia mais artigos sobre este tema” e “Recupere sua senha” permanecem em formato de link (azul e sublinhado). Mesmo assim, é perfeitamente possível entender a função de cada um dos links.

Vale a pena lembrar que a elaboração do “Clique aqui” é uma técnica eficiente de SEO e indexa melhor o site nas páginas de mecanismos de busca. Na WCAG, esta atenção com o que se escreve nos links atende ao critério de sucesso 2.4.9 (figura 2).

Figura 2: Critério de sucesso 2.4.9 - Finalidade do Link (apenas link), que explica que a finalidade de cada link deve ser determinada a partir do texto do próprio link.

O critério acima tem três A e representa o cenário ideal quando ele é atendido. Se houver alguma restrição para aplicá-lo, a WCAG também prevê que a finalidade do link possa estar no contexto ao redor dele. Este é o critério 2.4.4 - Finalidade do link (em contexto), com um A, e acomoda situações nas quais a frase poderia dizer algo como:

Para assinar a newsletter, clique aqui.

Perceba que a simples mudança de ordem das orações consegue minimizar o esforço para entender aonde o “clique aqui” vai te levar.

Escrita Sem Complicação

Figura 3: Critério de sucesso 3.1.5 - Nível de leitura, que determina que o texto precisa ser revisado ou que haja conteúdo complementar caso uma pessoa usuária com ensino fundamental completo não seja capaz de entender o que está escrito.

Um dos pontos fortes do UX Writing é promover uma escrita clara, concisa e objetiva. O próprio microcopy (microtexto) tem o propósito de comunicar, explicar e/ou promover a interação por meio de fragmentos de texto. Muitas vezes, é uma única palavra que vai carregar significado, personalidade e ajudar a pessoa usuária a alcançar o seu objetivo na interface.

Portanto, é essencial que se possa entender o que está escrito sem erros ortográficos e sem qualquer rebuscamento que prejudique a compreensão ou crie um carga cognitiva desnecessária. Esta clareza também está prevista na WCAG com o critério 3.1.5 (figura 3).

Descrição de Imagens

É comum que as pessoas descrevam imagens em postagens nas redes sociais. Normalmente, são usadas as hashtags #paracegover e #paratodosverem. Esta medida também faz parte da WCAG que, além de encorajar descrições claras, também pede que se evite o uso de textos em imagens sempre que possível, já que o leitor de telas não conseguiria identificá-los (figura 4).

Figura 4: Cartão à esquerda: critério de sucesso 1.1.1 - Conteúdo não textual, explicando que deve haver uma alternativa em texto para identificar o conteúdo quando ele não for textual, isto é, em imagens. Cartão à direita: critério de sucesso 1.4.9 - Imagens de texto (sem exceção), que pede que se evite o uso de texto em imagens, a não ser que sejam logos e marcas.

Ao fazer descrições de imagens, não se deve incluir juízo de valor com adjetivos tais como “bonito”, “feio”, “interessante”, etc. A descrição precisa ser objetiva e comunicar apenas o que a imagem mostra. Além disso, é bem vinda a descrição de texturas, estilos e cores se elas forem relevantes para o contexto. Afinal de contas, uma pessoa usuária que tenha deficiência visual pode ter adquirido esta condição mais tarde na vida e, portanto, ainda conseguir entender referências a cores.

O Marcelo também afirmou que o contexto é fundamental para o processo de descrição. A quantidade de caracteres utilizados pode variar dependendo da plataforma de publicação ou por coerções do código. Similarmente, o tipo da imagem e o contexto de sua publicação podem modificar detalhes na descrição: a imagem de uma refeição no cardápio de um restaurante será mais exaustivamente explicada do que se ela estiver em um post de uma rede social.

Por fim, deixar o texto descansar por um tempo e voltar a ele mais tarde é uma estratégia eficiente para enxergá-lo com novos olhos. Assim, a descrição pode ser refinada e melhorada com o tempo.

A WCAG contém diversas outras diretrizes importantes para o trabalho de UX Writing e de todos envolvidos em criar experiências incríveis para os usuários: UX Designers, pessoas desenvolvedoras, UI Designers, Product Managers, Product Owners, entre tantos outros. Como pontuou o Marcelo Sales, todos são responsáveis por aplicar a acessibilidade desde a primeira fase do projeto e devem, juntos, reforçar a implementação destas diretrizes. Deste modo, a participação de muito mais usuários será possível e o acesso a experiências equivalentes estará garantido.

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Beatriz Carneiro
UXMP
Writer for

UX Writer, educadora, apaixonada por palavras, doce de leite e canjica.