Orgulho de quem?

Vale.jo
Vale.jo
Published in
9 min readJun 18, 2021

--

Por que temos tanta dificuldade em abraçar a arte LGBTQIA+?

Esse texto faz parte da série “Qual seu orgulho?” composta por três artigos com temáticas relacionadas à diversidade e ao mês do orgulho LGBTQIA+.

Portanto, sente-se, relaxe e orgulhe-se com a gente.

Arte: Magui

A linguagem é o principal meio de interação entre as pessoas e é justamente isso que nos difere dos outros seres vivos. A humanidade tem a necessidade da linguagem e da interação cotidianamente. E a arte é uma das formas que o ser humano encontrou para interagir.

Quando pensamos em arte LGBTQIA+ são poucas as referências que vem à mente. No entanto, um fenômeno interessante acontece todo ano no mês de junho: as páginas de redes sociais e as vitrines de lojas e estabelecimentos se enchem de bandeiras do arco-íris.

De repente, descobrimos milhares de artistas LGBTQIA+, acontece que eles sempre estiveram trabalhando e não apenas no mês de junho. As pessoas LGBTQIA+ não são protagonistas dessa celebração, ou seja, quem mais precisa vender sua arte não é valorizade e não monetiza.

Através do Diagnóstico LGBT na pandemia, é possível verificar que há uma grande necessidade de uma maior inclusão das pessoas LGBTQIA+ em todos os níveis da sociedade como mercado de trabalho, educação e, até mesmo, na arte.

Ao voltarmos a atenção para a questão do empreendedorismo e da arte é possível verificar que não é apenas o mês de junho que está imerso no lucro através do pink money, mas há inúmeras outras campanhas que ao longo dos 365 dias do ano lucram a partir da população LGBTQIA+.

Mas o que é esse dinheiro rosa?

De acordo com a Rockcontent, o pink money nada mais é do que um consumo utilizado para alcançar a comunidade LGBTQIA+.

Esse nicho de comércio e consumo já existe há algum tempo e começou a ser mais abordado e questionado recentemente. A principal questão em debate é que a monetização através do pink money não dá retorno para população LGBTQIA+.

No artigo escrito por Rita Von Hunty para a Carta Capital, ela explica que o mês do orgulho está mais em um patamar comercial do que qualquer outra coisa e, que a inclusão e o reconhecimento para as pessoas LGBTQIA+ talvez seja o último requisito de celebração.

“Hoje é possível ver de forma muito nítida como uma data de celebração e luta é apropriada pelo sistema sob a forma de mercadoria ao estilo “feriado-lucrativo”. Escreve Rita Von Hunty para Carta Capital.

Eu não sou audiência para solidão…

Durante a pandemia de Covid-19 — que parece nunca ter fim — para muitos artistas LGBTQIA+ vivenciar o isolamento é uma dor que foi intensificada. Nesse contexto, a arte acaba surgindo como um refúgio.

No entanto, para muitas pessoas as expressões artísticas ainda são vistas como algo sem utilidade; apenas uma coisa estética que pode ser descartada de forma rápida e trocada por qualquer outro produto que pareça mais atrativo.

Mas não é bem assim, a arte tem o poder de modificar e nos fazer pessoas melhores.

Em uma definição simples e ampla podemos dizer que a arte nada mais é que a manifestação humana universal que envolve sentimentos, emoções, ideias, técnica e muito mais.

Mas por que não abraçamos as nossas manifestações? A nossa arte?

Vamos pegar o banquinho e refletir um pouco…

Há muitos séculos, a arte era entendida como formas de representações de muitos aspectos da sociedade. Quase como um reflexo no espelho.

O rococó, por exemplo, representava uma vertente artística que dialogava a vivência da nobreza europeia no século XVIII e, que tinha como prerrogativa se opor ao barroco trazendo o tom ocre e uma escuridão, o oposto das luzes do iluminismo.

Atualmente, as representações artísticas são muito diferentes do rococó e outras vertentes, e a explicação pode ser muito simples: conforme a sociedade muda, a arte muda também.

As vivências, dificuldades e transformações sociais trazem novas perspectivas sobre fazer e entender a arte. Com a pandemia da Covid-19 não foi diferente. Os avanços que pareciam vir rápido de repente ficaram estagnados devido a pandemia e todas as dinâmicas de sociedade se modificaram.

Quando enfrentamos problemas sociais, geralmente ficamos focados em uma melhora da qualidade de diversos setores à nossa volta e não percebemos que a arte pode agir como um dos condutores de vários avanços e mudanças.

A arte educa, salva e transforma.

Arte: Magui

Conversei com artistas e criatives LGBTQIA+ para entender como é ser artista dessa comunidade em um país como o Brasil.

Uma coisa foi consenso nas falas: a cada dia é mais difícil viver de arte.

Somos nós quem fazemos história

Para cada pessoa a arte é entendida de uma maneira, assim representada de um jeito único e especial. É o caso de artistas como Giorgia Prates, Carlos Savzyn, Laysa Machado e Nathallya Faria.

Cada uma dessas pessoas entende a arte e trabalha artisticamente de formas diferentes, no entanto estão conectadas pelo mesmo recorte: são pessoas LGBTQIA+.

Mas como é se orgulhar de ser artista no Brasil?

“Ser artista no Brasil é um ponto a mais na necessidade de reinvenção de si mesmo e de sua própria arte.” Explica Giorgia Prates, mulher preta e lésbica que trabalha com fotografia em Curitiba, Paraná.

É importante ressaltar que a vivência artística é diferente para cada pessoa, e ela permite adentrar lugares e espaços diferentes a partir das produções.

A urgência em emancipar o trabalho de pessoas LGBTQIA+ no cenário brasileiro é fato, mas basta olhar um pouco para os lados e notar que ter orgulho é mais uma necessidade de reconhecimento do que qualquer outra coisa.

A sensação de viver de arte no contexto nacional é como remar contra a maré. Além da falta de incentivo, há um analfabetismo cultural dentro da sociedade, fruto de um desconhecimento sobre produções artísticas, já que não há incentivo educacional nesse aspecto.

Para Laysa Machado, de São José dos Pinhais, especialista em teoria do conhecimento histórico; educação e diversidade, ser artista e ser artista trans é ser resistência e existência. É olhar pra cara do ódio e afirmar: “ Sou amor e ainda estou aqui”.

A arte é uma extensão do ser e há um orgulho em ser artista, mas há também muita preocupação. Ao escolher viver de arte em um cenário que não é acolhedor, a pessoa se coloca em uma posição de vulnerabilidade que leva a questionamentos de aceitação.

Para Nathallya Faria, artista e estudante de pedagogia da cidade de Ribeirão Preto, ser artista no Brasil é como estar em um limbo entre viver de arte ou desistir.

Mas como assim viver de arte?

Monetizar através de arte não é fácil — e não só no Brasil, diversos outros países enfrentam a mesma realidade. Sem incentivo, apoio, reconhecimento e valorização artistas brasileiros acabam tendo a arte como um hobbie ou uma forma de fazer um dinheiro extra.

Viver exclusivamente de arte é uma realidade para pouquíssimos artistas brasileires. Além disso, é importante ressaltar que para criar uma arte há um processo longo e que, muitas vezes, pode ser muito caro.

“As pessoas não entendem que envolve estudos, técnicas, equipamentos, entre outras diversas coisas, para fazer o que fazemos. É possível monetizar sim sendo artista, mas é preciso lutar 10 vezes mais que qualquer outra profissão. Comenta o fotógrafo curitibano Carlos Savzyn .

O trabalho do artista vai muito além do produto final que vemos e tocamos. Existe muita técnica, tempo, dinheiro investido, conhecimento e muito mais, assim como toda e qualquer profissão.

Tanto Carlos, como Nathallya, Giorgia e Laysa apontam o quão difícil e precário é monetizar suas artes, já que muitas vezes seus trabalhos artísticos precisam ser realizados em paralelo com outros empregos.

Imagem de Nathallya Faria

“Com a arte, tem meses que tenho entrada suficiente de dinheiro pra me sustentar e meses em que não tenho nem 1/3 do que preciso. Tem sempre que ter uma ‘segurança’ a mais e viver financeiramente com a arte em segundo plano”. Destaca Nathallya Faria.

Além disso, vender artes que representam corpos, crenças, gêneros, sexualidades e relações diversas é bastante difícil em um país conservador. A arte também passa por um processo de romantização e há um imaginário social do que seria aceitável e belo em uma produção artística, o que define também a visibilidade e, consequentemente, a monetização.

Outra questão colocada em pauta por Giorgia Prates é a realidade de pessoas pretas e periféricas, que o caminho que decidem seguir e traçar ao longo da vida na maioria das vezes será mais árduo.

“A arte do povo preto, do povo periférico acaba não ganhando visibilidade merecida porque não traz esse ‘olhar romantizado do colonizador’ sobre os corpos que vivem à margem, marginalizados também por essas criações imagéticas.” Explica Giorgia Prates.

Vai embora coronavírus, tá chatão ein…

Segundo o Diagnóstico LGBT na pandemia, o impacto do coronavírus no Brasil não foi só apenas prejudicial na questão social, mas também em inúmeras questões que auxiliam ainda mais para que a população LGBTQIA+ esteja à margem da sociedade.

10,62% a mais das pessoas LGBTQIA+ apontaram a falta de dinheiro e 7% a mais colocaram também a falta de emprego.

O trabalho na pandemia tem sido uma grande problemática para toda a população, porém, para as pessoas pretas, periféricas e LGBTQIA+ essa realidade é ainda mais intensa, pois normalmente essas pessoas não têm os mesmos subsídios que o resto da população.

Laysa Machado aponta que a pandemia fechou os espaços para arte e a cultura, que são majoritariamente presenciais. Mesmo com os novos adventos tecnológicos que auxiliam para novos contatos artísticos para todes, esses espaços continuam necessitando de visitação presencial. Isso agrava a desvalorização da arte, afinal, quem está acessando as produções?

Carlos Savzyn também afirma que o cenário da arte sofreu um grande impacto socioeconômico e que os questionamentos sempre são voltados a como viver de arte, mesmo que seja em segundo plano. Também é preciso encontrar quais são as possibilidades de fazer os trabalhos com segurança.

“A pandemia vai passar. Porém o espaço artístico para artistas travestis e trans precisa existir. Não somos uma efêmera lacração. Somos arte em ação. (…) Ser artista trans é gritar tão tão alto que quiçá alguém te escute.Destaca Laysa Machado.

Essa reflexão feita por Laysa vai de encontro ainda mais com a realidade brasileira, que com a pandemia ficou ainda mais intensificada: o espaço de pessoas trans e travestis na sociedade.

Antes das problemáticas da Covid-19 existia uma rede de apoio um pouco maior para as pessoas LGBTQIA+, contudo isso foi diminuindo conforme os meses passaram, é o que mostra mais uma vez a pesquisa do Diagnóstico LGBT na pandemia.

Parafraseando uma reflexão de Nathallya Faria, a pandemia mudou tudo e trouxe uma nova realidade para as pessoas, em que o contato humano foi trocado por uma imensidão de telas. Todas as produções parecem ser feitas para um grande mar de máquinas.

Ser artista LGBTQIA+ é diferente?

Sim. É bem diferente. Mas tem gente que acha que é frescura.

Imagine a realidade de viver em um grande oceano cheio de correntezas e tubarões te cercando, não parece aterrorizante? Essa é uma reflexão feita pelo fotógrafo Carlos Savzyn sobre como é ser um artista LGBTQIA+ no Brasil.

Imagem de Giorgia Prates

“Existe bem direcionadamente uma grande falta de respeito, isso é evidente. E a estrutura para uma artista negra e LGBTQIA+ é ainda mais árdua.” Aponta Giorgia Prates sobre a sua vivência como pessoa e artista.

Mas é claro que existem alguns momentos mais tranquilos e sem tantas emoções turbulentas.

É como Nathallya Faria aponta: “ (…) por ser LGBTQIA+ acredito que me traga uma sensibilidade e empatia maior pra enxergar o outro e para representar na minha arte.”

Ser artista LGBTQIA+ transcende várias questões que vão para além da arte e do social.

Só para deixar registrado…

As profissões artísticas são notoriamente deixadas de lado há décadas, e só recebem visibilidade através de migalhas ou em grandes eventos, quase como na entrega do Oscar ou do Emmy.

Arte: Magui

Mas ao invés disso, podemos apoiar artistas LGBTQIA+ com feitos simples como publicar um story no Instagram divulgando artistes, pois eles geram inclusão, interação, visibilidade e auxiliam a emancipar artistas que precisam viver de arte e fazem dela um meio de transformar a sociedade.

Dica simples e rápida para você ajudar seu migles artiste LGBTQIA+: Divulgue o trabalho de artistas LGBTQIA+.

Escrito por: Giulia Pietra

Gostou desse texto? Aplauda! Clique em quantos aplausos (de 1 a 50) você acha que ele merece e deixe seu comentário.

Quer saber mais? Nos acompanhe em nossas redes: Instagram | Site | Linkedin

--

--

Vale.jo
Vale.jo

Somos uma comunidade que valoriza e reúne trabalhos de pessoas LGBTQIA+. Acompanhe nossa publicação pelo link: https://medium.com/vale-jo