Fazer dinheiro no Medium não é fácil

Os problemas do modelo de remuneração e distribuição de conteúdo dentro do Medium

Valter Nascimento
Blog do Valter
Published in
5 min readNov 25, 2021

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Estou andando pelas bandas do Medium desde 2014. E se continuo escrevendo por aqui é porque não encontrei outra plataforma com a mesma versatilidade e fluência. O Medium ainda é uma rede de criação eficiente, que combina audiência seleta e autores comprometidos.

Mas é fato também que o Medium tem problemas sérios. Este ano a plataforma foi reformulada, com uma interface (em tese) mais limpa e intuitiva. Mas em linhas gerais as mudanças do Medium são maquiagem sobre várias falhas graves, sendo a principal delas a forma como o conteúdo é distribuído, remunerado e consumido. Ou seja, o principal problema do Medium é o mesmo que quase todas as redes: distribuição de conteúdo feita através de algoritmo.

Houve um tempo em que o Medium teve equipes editorais nos principais países atingidos da plataforma — incluindo o Brasil. Esses núcleos serviam como um agregador natural de conteúdo, destacando textos relevantes e engajando o público leitor. Só que pagar pessoas é muito mais caro que rodar um algoritmo e o Medium fechou suas “filiais”, direcionando sua arquitetura de comunicação toda para dentro do modelo algorítmico.

Existem uma ou outra iniciativa feita por humanos, como os desafios de escrita e uma premiação para os melhores textos, mas mesmo esses modelos de aproximação entre plataforma e escritores/leitores é falho, principalmente porque conteúdo para o Medium é apenas conteúdo em inglês. O Medium é dos mesmos criadores do Twitter e parece que o seu grande desafio é alcançar o mesmo nível de pluralidade que a rede do passarinho azul.

O falecido Medium Brasil. Descontinuado em 2017. https://medium.com/@portugues

Só para se ter uma ideia, a tag “Brasil” possui até o momento mais de 20 mil autores. 20 mil pessoas que criam conteúdo em português, algumas através de publicações estruturadas e com alta qualidade e que não são parte do mecanismo de remuneração e distribuição do Medium porque não escrevem em inglês.

Apesar das reclamações dos usuários (basta visitar a página do criador do Medium,

, e ver a enxurrada de gente pistola), o Medium continua a investir em penduricalhos que irão fazer a rede mais atraente para novos usuários, mas não mais eficiente para quem já produz por aqui.

Este mês foram anunciadas as aquisições de uma plataforma de áudio e um site para criação de design, (algo no estilo do Canva). Duas coisas legais, mas que não facilitam em nada a luta de criadores de conteúdo em busca de maior contato com sua audiência. O Medium quer assim ser um canal para futuros podcasts, newsletters, textos e não me surpreenderia em ver em breve um canal de vídeos de dancinhas e trends.

Quem quer ler coisas novas, encontrar conteúdo relevante, principalmente em português, terá que cumprir com uma longa curva de aprendizagem dentro do Medium. Para quem escreve, fazer o seu conteúdo chegar ao leitor ainda é uma tarefa complicada. O Medium vai caindo assim na mesma armadilha que dissolveu o Facebook e está dissolvendo o Instagram e o Twitter: a ideia completamente errada de que é preciso inserir um algoritmo entre o conteúdo e o consumidor de conteúdo.

Costumo resolver esse problema parcialmente inserindo os perfis que gosto em apps/sites como Inoreader ou Feedly. Isso prova que cada vez mais teremos que aprender a fazer gambiarras para poder usar a internet de um modo menos sofrível.

Making Money

Outro problema grave é que o Medium não cumpre a promessa de ser um lugar plausível para se viver de escrita — ou pelo menos ganhar alguns trocados. Todo o marketing do Medium reforça que a plataforma permite que autores participem do sistema de filiação para ganhar alguma grana escrevendo, mas na prática o modelo de remuneração do Medium é ridículo.

Pesquisei como isso funciona nos EUA, uma vez que no Brasil essa funcionalidade está em “stand by” desde 2018. Segundo o texto do J.J. Pryor, apenas 9% dos escritores no Medium ganham mais de 100 dólares por mês. Estamos falando de algo de cerca de 36 mil autores entre cerca de 400 mil escritores dentro do universo de textos em inglês. Mais de 60% dos autores recebe “algum dinheiro” — ou seja, qualquer coisa acima de zero. Só 1% ou menos recebem entre 5 a 30 mil dólares por mês.

É uma distribuição absurda. Qualquer pessoa com um pouco de experiência em escrita consegue ganhar mais em plataformas de serviço freelancer. O cálculo é baseado ainda no tempo total de leitura feito por membros (usuários que pagam pelo serviço do Medium). Quanto mais tempo a pessoa passar lendo um artigo, mais moedinhas caem no seu cofre. Há ainda um bônus (sem valor claro) para quando um leitor que não é membro se torna assinante depois de ler um texto seu.

Segundo o artigo de J J., é preciso ter uma audiência realmente grande, de 10k seguidores para mais, e publicar pelo menos dois textos por dia, durante alguns meses, ou anos, para poder, quem sabe, talvez, fazer 100 dólares ao mês.

Vamos ser sinceros, isso não é remunerar os autores, é apenas criar uma esperança enganosa capaz de manter algumas pessoas interessadas em usar o Medium como modelo de negócios. Me parece mais um jeitinho cool de oferecer esmola.

Outras formas de ganhar dinheiro escrevendo

Enquanto o Medium está trocando os pés pelas mãos, plataformas como Substack estão aprimorando os modelos para a venda de assinaturas entre autores e leitores. No caso do Substack, o Brasil faz parte do modelo de remuneração e alguns nomes importantes da criação de conteúdo já estão migrando para lá.

Você pode ainda abrir um financiamento coletivo em sites como Patreon, ou ainda inserir links de colaboração em sites como Buy me a coffee ou Ko-fi. Ou ainda, usar o Medium como vitrine do seu trabalho (que é o que eu faço), direcionando sua audiência para outros canais. Pode se especializar em escrita e atuar como freelancer, tendo o Medium como portfólio. Ou seja, dá pra ganhar dinheiro como Medium, desde que não seja dentro do Medium.

O que é importante é saber que antes de começar a criar conteúdo para uma rede, seja ela qual for, é preciso entender a forma como o seu trabalho será ou não valorizado. A rede irá distribuir seu conteúdo de modo justo, ou você terá que criar um sistema de compartilhamento para atingir o seu público? No meu caso, mantenho meu blog aqui, mas envio meu conteúdo via newsletter e Telegram.

E o mais importante: escrever é algo que consome tempo, energia e que exige total dedicação. É um trabalho valioso e que precisa ser tratado com respeito. Não devemos entregar um produto tão nobre na mão de qualquer nerd do Vale do Silício em troca de migalhas.

A segunda edição do meu livro de contos, “O coração de um animal assustado” (2023. 112 páginas. Editora Levante), já está disponível. Apoie meu trabalho e garanta sua cópia autografada e com um marcador de páginas exclusivo:

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