Algoritmo: o novo deus

Thiago Holanda Dantas
vanitas
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6 min readSep 21, 2021

Temos livre arbítrio ou somos controlados por um poder superior? Marionetes das divindades ou senhores de nossa própria existência? Se esse questionamento não foi respondido até hoje, com um mundo cada vez mais tecnológico, onde algoritmos que, com poder de determinar e limitar nossas ações, começam a colocar a questão sobre qual o limite ou até onde chegarão sua capacidade para determinar o que acontecerá no futuro e ajudar(ou atrapalhar) nossas ações.

Os gregos tinham uma expressão chamada Deus ex machina, que pode ser traduzido como Deus surgido da máquina, era um recurso usado no teatro, que utilizava um deus qualquer para solucionar, de forma mágica e autoritária, qualquer problema vivido pelos personagens. No momento atual, nosso salvador milagroso, não virá do alto, mas sim, entre nossas mãos. Não esperamos mais uma salvação divina, mas esperamos a solução para nossos problemas através de um deslizar de dedos sobre uma tela preta.

Para que essa salvação chegue, preferimos dar aquilo que de mais precioso foi conquistado por nossos antepassado — a liberdade de escolha. O algoritmo, agora, pode realizar nossas decisões com uma performance muito maior do que qualquer um de nós. Vivemos a era da big data, os dados que comprimem tempo e espaço, buscando a forma mais eficaz de realizar nossas tarefas. Mas a máquina não tem a capacidade de pensar, ela somente coleta e calcula. Somente mentes humanas podem pensar para além dos dados recebidos. A máquina consegue encontrar o caminho mais rápido para o destino desejado, mas não consegue saber se é o mais perigoso ou caminho mais bonito. Não consegue saber qual o filme ver quarta à noite depois de um dia cansativo. Se algum programador nunca pensou nisso, ela não conseguirá. Isso é subjetivo, tem relação a um sujeito, máquina não é sujeito, somente sujeitável.

Surge a pergunta: Quem está por trás do algoritmo? A quantidade de dados acumulado chega a casa de bilhões. Diz Andrew Moore, reitor de ciência da computação da Carnegie Mellon University, que:

“‘Você pode querer dizer: ‘Por que você recomendou este filme?’ Quando você usa modelos de aprendizado de máquina, o modelo se auto-treina usando uma grande quantidade de informações de pessoas anteriores’,(…) ‘Tudo, desde a cor dos pixels no pôster do filme até talvez a proximidade física de outras pessoas que gostaram do filme. É o efeito médio de todas essas coisas.’”

Esses dados estão disponíveis às grandes corporações e nem elas mesmas sabem como eles funcionam. Ele diz que se você perguntar o porquê de escolher esse filme, ou a escolha entre um caminho e outro, elas não saberão responder, pois é somente uma resposta ao cálculo da máquina. Portanto, a manipulação de dados, que influencia cada decisão diária, nós (nem eles) ainda não conseguem saber.

Mas, na maior parte do tempo , não há como saber por que as informações são filtradas da maneira como são online. Por que a atualização de status de uma pessoa no Facebook é priorizada em seu Feed de notícias em relação à de outra? Por que o Google retorna uma ordem diferente de resultados de pesquisa para você e para a pessoa sentada ao seu lado, pesquisando a mesma coisa no Google? Esses são os mistérios dos algoritmos que governam a web. E o estranho é que eles não são apenas inescrutáveis ​​para as pessoas que clicam e navegam pela Internet. Mesmo os engenheiros que desenvolvem algoritmos não podem dizer exatamente como eles funcionam.

O que será feito dos nossos dados? o místico do séc.XXI responderia: “Os caminhos dos algoritmos são misteriosos”, mas será que essa divindade é melhor do que a antiga? Quais serão as ofertas e sacrifícios que deverão ser entregues em seu altar? O homem que quis ficar liberto da religião e de Deus, por esses serem opressivos e não deixarem que fossem livres, se entrega, agora, à tecnologia como seu novo deus. Immanuel Kant, o filósofo do iluminismo, preconizava, como principal meta de sua filosofia, a saída do homem de sua infantilidade, para atingir a maturidade do pensamento e tornar-se autônomo. Com o dataismo, pelo contrário,

“O ser humano agora tem que obedecer aos dados. Não é mais o produtor de conhecimento, o ser humano cede sua soberania aos dados. O dataísmo põe fim ao idealismo e humanismo do Iluminismo. O ser humano não é mais o sujeito soberano do conhecimento, o originador do conhecimento. O conhecimento agora é produzido mecanicamente”.(HAN,2019, p.81)

Sem um Deus para adorar, escolhemos adorar os algoritmos, que nos fazem obter o que desejamos em um piscar de olhos. Mas eles cobram, como oferta, o tempo e atenção.(conferir mais nesse outro texto) Nosso sacrifício é o tempo que gastamos em frente à uma tela. Mas continuamos com a pergunta: Será que a tecnologia se tornou um deus melhor do que o Deus anterior? Também questiona Helena Bassil-Morozow,

No passado, as pessoas perguntavam às divindades sobre padrões climáticos, amor, sorte e tudo mais. Suas previsões funcionaram, na melhor das hipóteses, 50% por cento do tempo. Agora temos previsões do tempo entregues em nossos celulares, aplicativos de namoro preditivo e rastreadores GPS. Não queremos todos viver em um mundo em que nossa agência falível seja substituída pela perfeição tecnológica?

Queremos isso? Entregar nossa pretensa liberdade de escolha, para uma maquina impessoal? Já somos dominados por máquinas, a questão é se queremos ser seus escravos ou senhores? Utilizá-las dentro de seus limites ou deixar que suas escolhas ditem quem iremos namorar, onde morar, qual restaurante visitar ou qualquer outra mínima escolha. Queremos um deus que seja a nossa imagem e semelhança, que nos compreenda e que nos dê o que desejamos. Aquilo que Feuerbach pensava sobre o Deus judaico-cristão, se completa na era dos dados: Deus é apenas uma projeção do homem, sua natureza aumentada, colocada pra fora.

Por isso, assim como os antigos ídolos, que os homens achavam estar sob seu controle, na realidade, são eles que o dominam. Diz Han: “A transparência, imperativo do dataismo, é a fonte da compulsão de transformar tudo em dados e informações, ou seja, torná-los visíveis. É uma compulsão de produção. A transparência não declara o ser humano livre; declara dados e informações livres”(2019, p.82). Eles acabam dominando através da pretensa transparência de conhecimento, achamos que somos livres por sua comodidades ou em linguagem religiosa, bênçãos. Porém acabamos escravizados pelos dados, “É uma forma eficiente de dominação em que a comunicação total e a vigilância total coincidem. Essa forma de dominação se apresenta como liberdade”(2019, p.82). O que no final, faz como que “o imperativo de transparência do dataismo representa não uma continuação, mas o fim do Iluminismo”(2019, p.82).

O dataismo decreta o fim da liberdade do homem. Voltamos para antes do iluminismo ou foi o iluminismo que nos jogou no colo dos dados. Não sabemos, mas as palavras de Jesus de Nazaré ainda são valiosíssimas: “Ninguém pode servir a dois senhores; pois odiará um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro”(Mt.6.24). Ou seja, o senhor que você servir, definirá quem você é.

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Thiago Holanda Dantas
vanitas

Teólogo, professor, licenciatura em filosofia, missionário e escritor de blog. instagram.com/vanitasblog . Segundo colocado da 3ª Chamada Ensaios do Radar abc2