Não, o mundo não vai melhorar: O problema com safe spaces e alertas de gatilhos

Thiago Holanda Dantas
vanitas
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8 min readJul 26, 2022

Esse título poderia ser de qualquer livro de autoajuda, com a moda de colocar palavrões e palavras duras, mas essas palavras tem de ser ditas: A vida não é um mar de rosas e as coisas tendem à piorar.

Em uma cena do filme Os Simpsons, Bart esta triste e diz a Homer que este é o pior dia de sua vida, mas Homer, como excelente pai, o corrigi imediatamente acrescentando “até agora”. Homer dá muitos conselhos, nada ortodoxos aos seus filhos, a maioria hilários, mas nesse caso queria ensinar a Bart que o dia em que ele estava achando ser o pior, poderia não ser “o pior”, mas apenas um “dia ruim”, dentre tantos outros que teria. Um simples conselho desses não é muito bem visto hoje em dia. Homer seria acusado de insensível ou por falta de empatia, por não deixar seu filho ter seu sentimento valorizado e ser calado ao expressá-lo e tantas outras opiniões que vemos circulando pela internet. Porém, apesar de tantas indignações seletivas, o mundo não é responsável por seus sentimentos. Não é possível mensurar como você ou eu iremos nos sentir com qualquer coisa que possa acontecer. Somos nós os únicos responsáveis por nossos próprios sentimentos e devemos saber lidar com eles.

Esse movimento começa a algum tempo atrás (leia esse texto como introdução a esse tema), mas nos debruçaremos sobre o novo movimento de fuga de qualquer tipo de sofrimento ou o menor desagrado com a fala do outro.

SAFE SPACES e TRIGGER WARNINGS

A ideia de que palavras, ideias ou opiniões são perigosas, e que os jovens devem ter “safe spaces” (lugares seguros) e a literatura tenha “trigger warnings” (alertas de gatilho mentais) segundo Jean Twenge, “começaram a se espalhar apenas quando os iGen começaram a chegar ao campus, por volta de 2013”[1]. Twenge denomina de iGen a primeira geração a crescer totalmente imersa em um mundo de alta tecnologia e usuários de smartphones desde o nascimento. Os “iGen”, são as crianças, adolescentes e jovens adultos nascidos em meados da década de 1990 até o início de 2010.

Segundo Twenge, devido os iGen serem a primeira geração a passar toda a adolescência com um smartphone, isso afetou muitas áreas de suas vidas. Dois fatores se destacam, o primeiro é que são menos independentes, por terem uma criação mais protegida e estarem mais isolados que outras gerações, chegam à idade adulta menos preparados para lidar com situações da maioridade. Como por exemplo, dirigir, trabalhar, beber álcool, namorar, fazer sexo ou sair sem os pais [2]. Obviamente isso faz com que cheguem a maturidade mais tardiamente. O segundo é o aumento de ansiedade e depressão. Twenge entende que isso é devido ao uso maciço dos smartphones e das mídias sociais(HAIDT, 2018) (para saber mais a respeito).

Chloé Combi[3], escritora e ex-professora do ensino médio que entrevistou 2.000 adolescentes para seu livro Generation Z de 2015, também relata como os smartphones contribuíram para, o que ela chama de, “socialização isolada”. Com os smartphones os jovens se tornaram mais preocupados com sua aparência e uma paranoia social foi intensificada. Seus amigos, são “um enxame potencial de paparazzi adolescentes, com piores do que os profissionais”. Além disso, diferentemente de outras gerações, eles são mais preocupados com o futuro. “Não há luxo de tempo — tudo é pressurizado; é focado em resultados e no que você vai fazer com sua vida”.

Haidt [4], baseado nos estudos de Twenge, diz que quando os primeiros iGen chegaram à universidade em 2013, os mais velhos começaram a se formar por volta de 2017, ele chega a conclusão que: “Estes são precisamente os anos em que a nova cultura do safetyismo parecia surgir do nada”. Safetyismo (neologismo criado da palavra safety, segurança em inglês) é, segundo Haidt, “um culto à segurança”, uma a ideia de que a segurança, incluindo “segurança emocional”, deve ser priorizada em uma cultura. Como Ele explica: “uma obsessão em eliminar ameaças (tanto reais quanto imaginárias) a ponto de as pessoas se tornarem relutantes em fazer concessões razoáveis exigidas por outras preocupações práticas e morais”. Essa preocupação exagerada com segurança, que começou nos Campi universitários, se espalhou para a sociedade (ou foi o contrário?). Sendo assim, a segurança passa a ser um dos valores mais caros à essa geração e deste modo, os riscos devem ser evitados a todo custo, mesmo que isso traga mais malefícios que beneficios.

A cultura do safetyismo, para Haidt, faz com que os jovens sejam privados das experiências necessárias para atingir o amadurecimento saudável, os fazendo cada vez “mais frágeis, ansiosos e propensos a se verem como vítimas”.[5] Ou seja, quanto mais se tenta proteger alguém, na realidade, o que esta promovendo é sua fraqueza e dependência. Haidt comprova isso observando os números de estudantes que começaram a procurar ajuda com problemas de ansiedade. 37% dos estudantes que procuravam aconselhamento entre 2009 e em anos anteriores tinham problemas com ansiedade quase do mesmo grau que outros problemas como depressão e relacionamentos. Mas desde 2010, os percentuais de alunos com ansiedade começou a aumentar. 46% em 2013 e 51% em 2016. Fora o aumento de automutilações e suicídio nas universidades.

Haidt deixa claro que não são as universidades que estão tornando seus estudantes mais ansiosos, os jovens já estavam se sentindo assim, mas elas estão respondendo a nova demanda de forma inadequada. Não é a criação de “safe spaces”(lugares seguros), nem fazer um index com as palavras que devem ser ditas e evitar as outras consideradas violentas; ou ainda, ensinar à (má)interpretar ideias e pensamentos com avisos de gatilhos mentais, para dar uma falsa sensação de segurança, que fará com que os jovens estejam, de fato, mais seguros. Pelo contrário, isso tem um custo de saúde mental muito maior do que lidar com a agressão em si. Pensar que palavras ou pensamentos são maléficos e, por isso, devem ser banidos, produz mais ansiedade e a propensão à doenças mentais. Portanto, para Haidt, “a obsessão moderna em proteger os jovens de ‘sentir-se inseguro’ é, acreditamos, uma das (várias) causas do rápido aumento nas taxas de depressão, ansiedade e suicídio na adolescência”[6].

A ideia por traz dos avisos de gatilhos mentais, está em avisar previamente àqueles que sofrem de transtorno de estresse pós-traumático, TEPT, para que estejam preparados para ver uma cena ou um assunto que possa trazer à memoria o evento traumático. O que era voltado para quem sofre com traumas ou distúrbios, foi alargado para abarcar qualquer tipo de sentimento indesejado. Haidt diz que em 2014, uma universidade norteamericana instruiu seus professores à avisar sobre os gatilhos de suas aulas e material didático para mostrar aos alunos que os professores “se preocupavam com a segurança deles”[7].

É POSSÍVEL UMA PROTEÇÃO TOTAL?

A falsa ideia de proteção total tem afetado até como produtos tem sido comercializados. O famoso sabonete que promete matar 99,9% de bactérias, é, na realidade, um grande perigo para a saúde. O FDA, órgão norte-americano, parecido com a ANVISA no Brasil, proibiu esse tipo de sabonete por exatamente matar 99,9% das bactérias[8]. A logica é simples, se o sabão antibacteriano, mata 99,9%, aquele 0,01% será resistente ao princípio ativo do germicida. Ou seja, a bactéria irá se reproduzir com mais força e criará outras super-resistentes. Em outras palavras, você não estará se protegendo dos 99,9%, mas estará se expondo à 0,01% tão poderoso que poderá matá-lo. O antigo rei Mitrídates V do Ponto, atual Turquia, utilizou o método de tomar pequenas doses dos venenos mais comuns, para adquirir imunidade. Seu plano deu tão certo que, quando perdeu uma batalha humilhante, não conseguiu se matar com veneno, pela força da imunidade adquirida. O mesmo processo acontece com vacinas e outros remédios.

Não quero defender uma exposição desvairada à riscos, mas que possuímos mecanismos para lidar com eles. Por isso, podemos aplicar o mesmo pensamento aos eventos pós traumáticos. De acordo com Richard McNally, diretor de treinamento clínico do Departamento de Psicologia de Harvard, em uma entrevista para o The New Yorker [9], diz que “evitar gatilhos é um sintoma de TEPT, não um tratamento para ele”. Ele continua “Os avisos de gatilho são contra-terapêuticos porque encorajam a evitar lembranças de traumas, e evita-los mantém o TEPT”. As terapias cognitivo-comportamentais(TCC) ajudam o paciente expondo-o gradual e sistematicamente à memórias traumáticas até que adquira imunidade para superar o sofrimento desencadeado pelo evento traumático. Portanto, avisar de gatilho mental ou evitá-los não melhora a saúde mental, isso é, na realidade, um sinal de que o paciente ainda está sofrendo com o evento traumático. Por isso a terapia é fundamental para encontrar mecanismos para não se ferir novamente e saber lidar com esse sentimento. Payton Jones, outro psicólogo entrevistado diz que é uma “falsa garantia pensar que uma lista de gatilhos de ações identificados por administradores, professores ou alunos reflete as sensibilidades de sobreviventes de traumas individuais”. Ele esclarece que “uma pessoa que sofre de TEPT pode ser desencadeado não por discussões de eventos semelhantes à sua experiência, mas sim por um cheiro ou um som”. Portanto, cientificamente vemos que toda essa preocupação exagerada com a violência de palavras é inútil.

Como vimos, não é possível construir uma bolha de proteção ao redor dos jovens e faze-los passar pela vida sem sofrimentos ou sentimentos ruins. Isso tem o efeito contrário de faze-los serem cada vez mais dependentes e fracos para lidar com as situações cotidianas. A frase de Nietzsche “Aquilo que não me mata, só me fortalece” continua mais verdadeira que nunca. Haidt complementa que:

Graças à higiene, antibióticos e poucas brincadeiras ao ar livre, as crianças não são expostas a micróbios como antes. Isso pode levá-los a desenvolver sistemas imunológicos que reagem exageradamente a substâncias que não são realmente ameaçadoras — causando alergias. Da mesma forma, protegendo as crianças de todos os riscos possíveis, podemos levá-las a reagir com medo exagerado a situações que não são nada arriscadas e isolá-las das habilidades adultas que um dia terão que dominar[10]

A inútil tentativa de fugir de todo e qualquer sofrimento desencadeou uma paranoia que extrapola riscos naturais da vida e chega às opiniões e ideias que são consideradas danosas e o exagero acaba por verdadeiramente se pensar que elas farão algum tipo de mal. Continuar com essa paranoia por segurança a todo custo não irá fazer com que o mundo fique melhor, não, não vai!

Em vez de utilizar essa força para bloquear qualquer opinião ou emoção adversa, devemos aprender a lidar com ideias e situações incomodas para sermos uma sociedade meramente civilizada.

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Thiago Holanda Dantas
vanitas

Teólogo, professor, licenciatura em filosofia, missionário e escritor de blog. instagram.com/vanitasblog . Segundo colocado da 3ª Chamada Ensaios do Radar abc2