As três equações da jornada da startup: equipe, produto e distribuição

Bruno Peroni
VC sem ego

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Trabalho com startups e negócios inovadores há quase 10 anos e de tanto absorver conteúdo sobre o tema e comparar essas teorias com a prática de mais de 300 negócios que apoiei diretamente (por meio da Semente, WOW Aceleradora ou como advisor e investidor), desenvolvi uma maneira própria de enxergar quais são os três grandes desafios de uma startup.

Resumo do Caminho Empreendedor da Semente Negócios

Essa vivência inclusive culminou com o desenvolvimento da metodologia Caminho Empreendedor na Semente em 2016. É uma metodologia excelente que combina ferramentas das principais teorias de desenvolvimento de startups e produtos (Design Thinking e Service Design, Lean Startup, Customer Development, Business Model Canvas, Lean Canvas, etc.), simplificando e adaptando ao Brasil e dando uma bússola para os primeiros passos do empreendedor.

Mas, nos últimos anos, passei a desenvolver a minha própria visão dos três grandes desafios de toda startup, que me ajuda a entender o estágio de cada startup que interajo de forma mais profunda.

E vou apresentá-la abaixo.

Chamo este framework de as três equações: equipe, produto e distribuição.

Mas primeiro, vamos aos conceitos básicos.

Primeiro: para quem é o framework ou como definir uma startup

O framework é destinado a entender como startups se desenvolvem.
Deixo abaixo o meu conceito de startup:

Startup é um estágio inicial de uma organização focada em entregar um produto inovador no mercado com um modelo de negócio viável e repetível.

A minha definição de startup mistura as definições do Steve Blank e Eric Ries, dois dos principais autores sobre desenvolvimento de startups.

Minha definição deixa claro três pontos principais:

  • Startup é um estágio inicial e temporário, focado na experimentação de produto e modelo de negócio.
  • Apenas empresas lançando produtos inovadores podem ser consideradas startups, pois estão em um ambiente de incerteza.
  • O objetivo final de uma startup é encontrar um modelo de negócio viável e repetível.

Encontrado o modelo de negócio a startup se torna uma empresa, focada em eficiência e repetição ao invés de experimentação. E nesse momento ela pode ser avaliada e comparada com todas as outras empresas.

Claro que em um mundo em rápida evolução, uma empresa inovadora terá diversas startups rodando dentro de casa.

O framework que vou apresentar é sobre como avaliar o grau de desenvolvimento de uma startup nessa missão. E serve para ajudar a entender quais devem ser as prioridades de toda startup.

O framework não é uma metodologia de avaliação de empresas para investimento mas serve para entender o grau de maturidade de uma startup, uma das peças fundamentais para avaliar o nível de risco envolvido com o investimento.

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Na minha visão, uma startup precisa ir além do simples product-market fit.

A jornada de toda startup passa por 3 grandes equações: equipe (founder-market fit), produto (product-market fit) e distribuição (product-channel fit).

1) Equipe: Founder-Market Fit (FMF)

O primeiro grande desafio de toda empresa é ter uma equipe de fundadores sólida. A pergunta que gosto de fazer é:

A startup possui na equipe todos os elementos necessários para construir esse negócio?

Como diz Steve Blank, uma startup geralmente começa dividindo sua equipe em apenas duas áreas: Produto e Mercado. A área de produto está focada em desenvolver o produto certo e mínimo (MVP) que atenda os clientes. E a de mercado focada em entender os problemas e trazer o primeiros clientes.

Estas são as duas áreas fundamentais que a startup precisa executar com excelência.

Para avaliar o FMF, penso: as pessoas possuem a experiência e a capacidade técnica para desenvolver o produto? E para ir atrás dos clientes e do mercado?

Gosto de analisar se a empresa possui uma equipe executiva mínima, quase um minimum viable team, capaz de executar essa fase de experimentação com sucesso.

De maneira mais aprofundada, gosto de olhar para um conjunto de 12 competências-chave que considero fundamentais em todos os fundadores ou fundadoras e que devem estar presentes na equipe.

Tenho um roteiro de perguntas que avaliam cada um dos pontos mas existem outros que aparecem apenas com a convivência.

Competências-chave da equipe empreendedora

A equipe é a base que construirá o negócio. Se a equipe for ruim, a startup nunca se tornará uma empresa, pois essa fase de experimentação é extremamente dependente dos fundadores e desta equipe inicial.

Importante: Quando se fala em avaliar empresas na ótica do investidor, também é crucial entender outros elementos da formação da equipe, como alinhamento de valores, de visão, divisão justa das participações, o “porquê” por trás do negócio, etc.

Mas de nada adianta um excelente time sem um bom mercado.

2) Produto: Product-Market Fit (PMF)

Esse é o assunto mais coberto por artigos e teorias com diversas visões. E também o desafio mais complexo vivido por uma startup: entregar um produto que tenha demanda.

Vamos olhar para a definição de quem popularizou o termo, o lendário Marc Andressen:

Product/market fit significa estar em um bom mercado com um produto que possa satisfazer esse mercado.

É uma definição excelente mas não muito clara.

Como definir que você está satisfazendo o mercado? Como de fato saber se você tem ou não tem PMF?

Existe uma frase que diz que se você está em dúvida então você não tem PMF. Faz sentido, mas acho que é pouco mais complexo do que isso.

Na minha visão o PMF é muito mais arte do que ciência. Existem excelentes artigos e empresas tentando traçar métodos e métricas para quantificar o PMF, o que acho muito interessante mas difícil de aplicar na prática, em países diferentes e modelos de negócio diferentes.

Eu gosto de olhar o PMF de forma mais qualitativa, olhando para dois elementos principais: sinais de satisfação e repetibilidade.

2.1 Sinais de satisfação

Divido os sinais de satisfação de acordo com os estágio do funil de crescimento que mais tem relação com a satisfação do cliente, conforme o esquema abaixo:

Importante: A ordem do funil pode variar de acordo com o modelo de negócio. O funil acima é mais voltado a um negócio B2B, ou seja a fase de Engajamento vem após a da Receita.

Ou seja, a aquisição não precisa ser priorizada nesse momento, pois o que está se tentando provar é a demanda pelo produto e não a matemática de volume ou custo de aquisição. E tudo é feito de forma ainda artesanal.

Sinais negativos de satisfação:

  • Receita: a empresa não consegue crescer na velocidade que gostaria, os ciclos de vendas são longos e artesanais e dependem dos fundadores, a empresa parece empurrar o produto.
  • Engajamento: pouco sinais de engajamento dos clientes, usam pouco o produto ou deixam de usar logo depois.
  • Retenção: Baixa retenção de clientes, alto churn, clientes não passam de projetos piloto.
  • Recomendação: poucos ou nenhum caso de indicação de clientes

Sinais positivos de satisfação:

  • Receita: falta capacidade da equipe para dar vazão ao pipeline de vendas e a empresa poderia crescer mais rápido. Outras pessoas que não os fundadores começam a fechar vendas. O mercado parece puxar o produto.
  • Engajamento: alto nível de engajamento no produto, 40% dos clientes estariam muito desapontados caso o seu produto não existisse (técnica criada pelo Sean Ellis, mais aqui).
  • Retenção: baixo churn, clientes não se importam de fechar contratos longos.
  • Recomendação: NPS alto, testemunhos excelentes espontâneos de clientes.

Para empresas que vendem para o consumidor final, Engajamento e Retenção são os sinais mais importantes. Para empresas B2B, os sinais de Receita são fundamentais. E Recomendação é um sinal forte para ambos.

2.2 Repetibilidade:

Além dos sinais de satisfação, é fundamental que a empresa possua repetibilidade sobre os 5 elementos da oferta da empresa, que podem ser chamados de os 5P das startups: persona, problema, proposta de valor, produto e preço.

  1. Persona: também chamado de ICP (ideal customer profile). Quem é o perfil de cliente ideal? Quais são seus comportamentos e como defini-lo? (Excelente artigo sobre o tema para empresas B2B)
  2. Problema: qual é o problema ou necessidade que o seu produto resolve?
  3. Proposta de valor: quais benefícios que o seu produto entrega para o cliente?
  4. Produto: qual é o produto mínimo capaz de entregar a proposta de valor para resolver o problema do cliente?
  5. Preço: quanto e como cobrar pelo meu produto?

Quando a empresa começar a recorrentemente trazer clientes alinhados com os pontos acima E possui sinais fortes de satisfação, é bem provável que ela tenha PMF.

Essa repetibilidade é o que define com clareza um nicho suficiente para a empresa focar. E foco é fundamental para vencer, de acordo com Geoffrey Moore do clássico Crossing the Chasm. Excelente resumo do livro aqui.

Quantos clientes preciso trazer com a mesma oferta?
Isso varia muito de acordo com o modelo de negócios.

Para negócios que vendem para grandes empresas, 5 clientes bastam.
Quem vende para PMEs, o número é mais perto de 20.
E para empresas B2C, o número é mais perto de 1000, os famosos 1000 true fans.

Dica: Vale ler o clássico artigo do Christoph Janz sobre os oito diferentes tipos de clientes para chegar a um faturamento anual de US$100M.

Importante: na busca do PMF NÃO se preocupe com escala. Você precisa fazer coisas que não escalam para entender como gerar satisfação e entregar uma oferta padronizada. Só então faz sentido pensar em como escalar a distribuição.

Lembre-se: você pode perder o PMF. O mercado muda, a necessidade dos clientes muda e o seu encaixe entre os 5Ps pode deixar de fazer sentido e os sinais de satisfação voltarem a se enfraquecer.

3) Distribuição: Product-Channel Fit

Além da ter a equipe certa para tocar o negócio e de ter um produto que satisfaz o mercado, para conseguir ter um modelo de negócios viável a empresa precisa encontrar qual é a melhor maneira de fazer esse produto chegar até os clientes, de forma escalável e rentável.

Este é o estágio da prova de fogo dos números. Você pode ter chegado até aqui com sucesso mas se não conseguir distribuir seu produto de forma viável financeiramente e que tenha capacidade de crescer, seu modelo de negócios não para de pé.

Ou seja, nesse momento a empresa passa a trabalhar o topo do funil de crescimento, buscando repetibilidade na distribuição.

Foco do product-channel fit está no topo do funil, a distribuição

Para encontrar o product-channel fit (PCF) a empresa precisa de 2 elementos: modelo de distribuição padronizado e validação de canal.

3.1 Modelo de distribuição padronizado

Gosto muito da classificação sobre as formas de distribuição trazida pelo Edson Rigonatti da Astella Capital (melhor conteúdo sobre o tema em português na minha opinião) porque resume e classifica bem as alternativas que uma empresa tem de modelo de distribuição:

  1. No-touch: Self-service
  2. Low-touch: Inside sales
  3. High-touch: field sales
  4. Other-people-touch: canais, franqueados, etc.

Nesse estágio a empresa passa a colocar em operação um dos modelos de distribuição acima, dados pelo seu tipo de mercado e ticket médio. Isso envolve entender o processo de vendas e conversão e para de fato transformá-lo em um processo, precisa de um guia (também chamado de playbook), como se fosse um zoom-in detalhando as duas primeiras etapas do funil (Aquisição e Receita).

Essa padronização é passo fundamental para conseguir construir uma máquina de crescimento.

3.2 Validação de canal

Foco importa: 80% do crescimento, de acordo com Brian Balfour, um dos melhores especialistas em growth, no longo prazo virá de apenas 1 canal.

Além do modelo de distribuição, a empresa precisa entender qual ou quais canais de aquisição naquele modelo são os melhores.

Por exemplo: dentro do modelo No-touch, a empresa pode buscar gerar demanda por diversos canais: app-store optimization, mídia paga, conteúdo, influencers, product-led growth, member get member, etc.

E ser o melhor canal significa: ter escalabilidade e eficiência.

Para comprovar escalabilidade, mais de 50% dos novos clientes devem estar vindo deste canal. Além disso e a empresa deve conseguir trazer um volume relevante e recorrente de clientes do canal, pelo menos triplicando os número de clientes do PMF, e chegando a uma receita anual de no mínimo R$1M, gerada pelo mesmo conjunto de 5Ps.

E para comprovar eficiência, a empresa precisa provar que o canal é lucrativo. Ou seja, que o Custo de Aquisição de Clientes (CAC) do canal é inferior ao Lifetime Value (LTV). Quanto mais melhor.

Importante: é sempre melhor buscar o que se chama de canais de distribuição proprietários. Quando a empresa não controla o canal, por exemplo trazendo clientes por mídia paga, seu modelo de crescimento fica mais frágil à entrada de um competidor que vai investir mais em mídia. Rapidamente pode começar um jogo de soma zero, como foi o caso dos aplicativos de táxi e agora nos aplicativos de entrega. Exemplos de canais proprietários: freemium (Slack), comunidade (Strava), indicação (Dropbox) e conteúdo (Hubspot).

Mas como saber se atingi o PCF?

A empresa atinge o PCF quando consegue padronizar um modelo de distribuição e validar com números que o canal escolhido é escalável e lucrativo.

Uma vez encontrado o PCF a empresa agora consegue fazer estimativas de crescimento e de funil com mais precisão.

Lembre-se: assim como o PMF, você também pode perder o PCF. Um canal pode saturar e você deverá buscar novos canais escaláveis e eficientes para continuar crescendo. E também quando você entrar em mercados adjacentes pode ser necessário criar um novo PCF.

O que vem depois das três equações?

O próximo passo é transformar o seu processo de experimentação em uma máquina de crescimento.

Criar a estrutura para continuar desenvolvendo e melhorando o produto, executar em escala o modelo de distribuição e crescer a aquisição.

É deixar de ser uma startup, se tornar uma empresa e colocar o pé no acelerador.

O objetivo do framework: prioridades e foco

Desenvolvi esse framework para me ajudar a entender o estágio de desenvolvimento das startups que interajo com precisão. Com isso, consigo tomar melhor decisões de investimento e também aconselhar os empreendedores sobre os seus principais desafios e prioridades.

Afinal, o recurso mais importante de toda startup é o TEMPO. Por isso, foco é fundamental.

Se o artigo ganhar boa tração vou escrever um guia mais completo com ferramentas e materiais auxiliares de cada uma das etapas que descrevo aqui.

Espero que ajude você também!

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Bruno Peroni
VC sem ego

Venture Capital, Inovação e Startups; VC @ Astella ; Host @ A Virada Podcast