Meus aprendizados sobre criptomoedas, tokens e blockchain, 18 meses depois

Bruno Peroni
VC sem ego
Published in
8 min readJul 24, 2018

Depois de meses sem escrever por aqui, resolvi retomar os artigos.

Muita coisa aconteceu no mundo de ICOs, tokens e fundraising desde meu último post sobre o assunto, em agosto do ano passado. Ele veio depois de 6 meses estudando essa tecnologia fascinante e suas aplicações.

Decidi compartilhar nesse artigo alguns aprendizados que tive nesses últimos 18 meses de muito estudo e aprendizado, que têm sido incríveis e me tornado novamente um aprendiz.

Tendo trabalhado com milhares de startups na Semente, aprendi que o primeiro passo para entender um mercado é entender como ele se organiza.

Colocar as coisas em caixinhas facilita o seu entendimento, ainda mais porque o mundo de criptomoedas e blockchain é extremamente técnico e complexo.

E a taxonomia das aplicações de blockchain não é nem um pouco clara. Não existe consenso sobre as nomenclaturas do que chamamos de ativos digitais ou criptoativos.

Abaixo, vou apresentar a definição* que tenho usado para organizar as minhas ideias sobre os três grandes tipos de ativos digitais e o que aprendi sobre cada um deles nesses 18 meses.

*: A minha definição vai muito ao encontro das definições da FINMA, a autoridade do mercado financeiro da Suíça. Leia mais aqui.

1) Tokens de dinheiro / Cash tokens

Tokens de dinheiro são sinônimo de criptomoedas. A gênese e primeira e única realmente funcional utilização da tecnologia blockchain: dinheiro.

Embora eu também use o termo criptomoedas como sinônimo dos tokens de dinheiro, prefiro o uso da palavra dinheiro/cash ao invés de moeda, porque demonstra mais claramente o seu verdadeiro uso, de ser um cash system, segundo o próprio Satoshi.

Foi o Satoshi que disse!

No universo dos tokens de dinheiro, além do Bitcoin, não creio que exista nenhuma outra criptomoeda relevante que ameace seu reinado como o dinheiro descentralizado. Porém, não faltam tentativas.

No site CoinMarketCap, que é um grande diretório de ativos digitais, pode-se acessar a lista completa das 798 “moedas digitais”, embora várias dessas não existem mais ou na minha opinião deveriam ser classificadas na categoria de tokens de serviço (que explico mais abaixo).

Além do Bitcoin, existem algumas outras categorias de tokens de dinheiro que merecem ser monitoradas:

  • As privacy coins, como Monero e Zcash, que são moedas totalmente anônimas e não rastreáveis;
  • E também as várias iniciativas de stablecoins, como Tether e Basis, que são criptomoedas que buscam estabilidade de preço, principal barreira para adoção das criptos como meio de pagamento.

Aprendizados:

Uma coisa é certa: investidores institucionais estão de olho e já fazendo movimentos fortes para entrada nessa nova classe de ativos.

Goldman Sachs, Blackrock e outros players gigantes do mercado financeiro tradicional estão estudando o mercado e já se posicionando.

O que ainda trava a entrada dos grandes, porém, é o tratamento regulatório das criptomoedas.

Se for favorável, pode acelerar a aprovação de um ETF de Bitcoin, o que mudaria completamente o mercado, sendo possível ter acesso ao ativo por meio de qualquer corretora tradicional.

Segue aqui um estudo completo da regulação das criptomoedas em dezenas de países.

E como um investimento, apesar de muito volátil, o Bitcoin ainda é um ativo interessante de manter em todo portfólio, porque ele não é correlacionado com nenhum outro investimento, o que torna um ótimo diversificador.

Para quem quer se aprofundar:

2) Utility Tokens / Tokens de Serviço

Os tokens de serviço são ativos digitais usados para acessar um produto ou serviço, que utiliza a tecnologia blockchain.

Não servem para ser um meio de troca, mas possuem um uso específico fechado em um sistema, para incentivar diversos players a colaborarem.

Criam sistemas de incentivo.

São comparáveis a milhas aéreas ou moedas digitais de um game.

Alguns exemplos de aplicações que utilizam tokens de serviço:

  • Plataformas de desenvolvimento de aplicações descentralizadas e smart contracts, como o Ethereum ou EOS, onde o token é utilizado para rodar as aplicações.
  • Os chamados DApps (Descentralized Applications), como Filecoin (Dropbox descentralizado) e Steemit (Medium descentralizado), que utilizam os tokens para incentivar participantes de suas redes: fornecedores de memória e de conteúdo, respectivamente.
  • Cryptokitties, jogo onde pessoas criam e trocam seus gatinhos virtuais, que são ativos digitais únicos, tokens.
Say hello to a cryptokittie

Aprendizados:

Os tokens de serviço ainda estão em sua infância.

A briga atual é das plataformas de desenvolvimento de aplicações descentralizadas, como Ethereum, EOC, NEM, etc. Ou seja, quem será o provedor dos padrões e infraestrutura dessas novas aplicações.

Nesse contexto de infância surgiram os ICOs (initial coin offerings), em que projetos fazem uma pré-venda desses serviços. É como se um game, antes de ser lançado, fizesse uma pré-venda de suas moedas digitais no Kickstarter ou Catarse.

Problemas começam a acontecer quando investidores/especuladores utilizam tokens de serviço como ativos financeiros, na expectativa de que se valorizem para depois serem vendidos em mercados secundários. Muitas vezes, esse comportamento é incentivado pelos próprios empreendedores de tokens de serviço.

Esse desvio de finalidade viola a lei de valores mobiliários de qualquer país. Em março de 2018, 80 projetos receberam cartas da SEC (a agência reguladora do mercado financeiro americano) por terem infringido as leis.

https://www.bloomberg.com/news/articles/2018-03-01/sec-is-said-to-issue-subpoenas-in-hunt-for-fraudulent-icos

Mesmo assim, os ICOs foram (e são) uma loucura. Tudo motivado por uma corrida especulativa dos tokens. Um efeito colateral do excesso de liquidez.

Gráfico atualizado do meu último post. Estamos chegando em R$20 bi.

Apesar de terem captado mais de US$10 bi em funding apenas em 2018, boa parte dos projetos dão errado.

Estudos falam que 80% dos projetos são golpes, pois tokens não são regulados e não existe nenhuma garantia de que o produto será entregue para os apoiadores utilizarem de fato seus tokens.

Dos 20% que são projetos legítimos, pelo menos metade nunca entrega um produto real.

Na verdade, fica claro que esse os tokens de serviço e aplicações descentralizadas ainda estão em sua infância.

Existem aplicações bastante óbvias de blockchain, como votações, rastreabilidade, validação de documentos, mas ainda não existe uma contrapartida do mercado.

Quais usuários realmente veem valor em uma aplicação descentralizada?

São muitos projetos e tecnologias buscando necessidades, buscando clientes. Quando deveria ser o contrário.

Vejamos os próximos capítulos.

Para quem quer se aprofundar:

3) Asset tokens / Tokens de Ativos

Esse assunto foi o que trouxe para esse mercado e é a minha principal frente de estudos do mundo cripto.

Asset tokens são a representação digital de um bem existente no mundo real, seja ele tangível ou intangível, seja ele um valor mobiliário (security) ou não.

Seguem abaixo exemplos de que já estão sendo tokenizados:

Brickblock: Exemplo de projeto de tokenização de real estate

Os asset tokens trazem hoje uma maneira barata e eficiente de securitizar ativos de forma mais barata e eficiente.

Ou seja, ativos antes ilíquidos se tornam líquidos.

Ficam mais fáceis de serem transferidos, se cria um mercado secundário e aumenta a divisibilidade desses ativos, dando mais acesso a novos e menores investidores.

Dois casos são evidentes para mim:

No caso de imóveis, é possível adquirir com criptomoedas frações de propriedades na Europa, mesmo se estando na China ou Brasil. E ainda tendo a possibilidade de negociar essa parte de imóvel.

No caso de participação em empresas, posso investir diretamente em empresas que qualquer lugar do mundo, uma crowdfunding 2.0.

Aprendizados:

Inicialmente, esses tokens não vão substituir os sistemas tradicionais. Serão uma redundância online, uma representação digital única e imutável.

Os primeiros projetos com captação bem sucedida dessa categoria tokenizaram participação em fundos de Venture Capital, um mercado extremamente fechado e sem liquidez:

Spice.vc (do qual sou investidor) e Blockchain Capital.

A storm is coming: tokenized assets. Fonte: National Geographic

Nesses casos, o investidor assina um contrato tradicional no mundo físico e também se recebe o token, que está atrelado ao contrato. Existe sim uma duplicidade, que acarreta incertezas jurídicas e custos maiores.

Nesse contexto, surgem os STOs (security token offerings), que na minha visão são uma evolução do equity crowdfunding ou crowdfunding de investimento, movimento que acompanho há vários anos.

Ainda existem poucos projetos lançados, mas a infraestrutura está sendo formada:

  • Bolsas de ações de Malta e Gibraltar estão se posicionando para listar esse tipo de ativo.
  • A Open Finance Network é a primeira bolsa exclusiva de security tokens em operação. Ainda com pouca liquidez e acesso, mas no ar.
  • E assim como nos tokens de serviço, existe uma briga por definir o protocolo e plataforma de lançamento de projetos tokenizados. Swarm, Polymath e Securitize são os principais players.

Enquanto os EUA estão perdendo o bonde de serem inovadores em criptomoedas e tokens de serviço, nos quais a inovação vem principalmente da Europa e Ásia, estão se posicionando para se tornar o polo de tokenização de ativos, com interesse forte de Wall Street pelo tema.

Para quem quer se aprofundar:

Estamos ainda longe da era onde 100% do nosso dinheiro, ativos e bens é transacionado e gerenciado digitalmente e sem intermediários. Mas acredito que aos poucos os mecanismos e contratos do mundo físico serão substituídos por equivalentes do mundo digital.

No futuro teremos empresas e fundos de investimento sendo criados de forma autônoma, sem fronteiras, com baixíssimo custo e levantando recursos de investidores em qualquer lugar, tudo regido por contratos inteligentes.

O potencial é de desintermediação, facilidade de estabelecer contratos e acesso global irrestrito a oportunidades de investimento.

Vou focar meus artigos daqui para frente em analisar o movimento fascinante dos asset e security tokens.

Que venham mais 18 meses de aprendizado!

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Bruno Peroni
VC sem ego

Venture Capital, Inovação e Startups; VC @ Astella ; Host @ A Virada Podcast