O grande ajuste das empresas de tecnologia

Bruno Peroni
VC sem ego
Published in
8 min readJun 23, 2022

Depois de mais de um ano sem escrever aqui, resolvi dar os meus centavos sobre a grande queda nas ações das empresas de tecnologia globais e no Brasil.

Chame do que quiser: correção, ajuste ou mesmo estouro da bolha.

Nos últimos 12 meses, a Nasdaq caiu 23,6% versus 13% do S&P, mas se olharmos com mais profundidade, as empresas de tecnologia de maior crescimento, excluindo as big techs, perderam ainda mais valor. O Emerging Cloud Index, que mede desempenho de empresas listadas de software, caiu exatos 50,8% nos últimos 6 meses. Mais da metade do valor. É muita coisa!

Emerging Cloud Index versus benchmarks, jun/22
Emerging Cloud Index versus benchmarks, jun/22

Se olharmos os valor das empresas comparados com as suas receitas, o múltiplo mediano de empresas de SaaS chegou a quase 20x receita anual projetada e agora está em 5,5x, abaixo da média histórica.

Múltiplos de Receita de empresas de SaaS
Múltiplos de Receita de empresas de SaaS

Uma mesma empresa hoje vale ¼ do que valia no final de 2020. O gráfico acima também mostra os múltiplos das top 5 empresas, que chegaram a astronômicos 80x receita e estão em 14x agora, o que representa uma queda de mais de 80% de valor desde as máximas.

Que porrada!

O queridinho Nubank caiu 70% desde o IPO. Aqui no Brasil, todas as techs caíram bastante, mesmo as mais sólidas: Locaweb caiu 81% e TOTVS 36% no mesmo período. Temos casos bem extremos, como o caso da GetNinjas, que está precificada abaixo do valor que tem em caixa.

Porém, no mundo das empresas privadas e startups, os down rounds (captações com valuation abaixo da última rodada) ainda não aumentaram e os valuations ainda seguem em patamares elevados no primeiro trimestre de 2022.

Mas em conversas e corredores do mercado já vemos uma clara mudança de tom e os números piores devem aparecer no segundo trimestre.

Como chegamos até aqui?

Vou tentar resumir aqui em linhas gerais o contexto macroeconômico que nos trouxe até este momento. Claro que não cobri todos os detalhes e nem sou um economista. Me esforcei para deixar o mais claro possível.

Tudo isso partiu dos estímulos excessivos que foram feitos durante o auge da quarentena. Os governos tinham um dilema.

Emitir mais dinheiro e baixar os juros agressivamente para mitigar os efeitos de curto prazo da pandemia, como desemprego e fome, a um custo de médio prazo de inflação, que acaba também penalizando os mais pobres.

Todos os governos tomaram a mesma decisão: emitiram MUITO dinheiro. O Brasil colocou mais de 12% do PIB em estímulos variados, incluindo o Auxílio Emergencial. Os Estados Unidos colocaram absurdos 26% do PIB, algo como US$5 trilhões que serão alocados nos próximos anos.

E, como esperado, esse cenário todo gerou uma inflação dos ativos. A conta chegou, especialmente depois da retomada pós-vacina, da demanda reprimida de vários setores e de uma guerra impactando as cadeias de distribuição de alimentos e combustíveis.

Agora, com uma inflação generalizada no mundo todo, já conhecida de nós brasileiros mas que há décadas não aparecia nos EUA e Europa, os bancos centrais só tem uma alternativa: aumentar os juros.

Aqui no Brasil, os juros saíram de artificiais 2% em 2020 para 13,25% (junho de 2022), com expectativa de talvez chegar a 14%. Faz sentido para segurar uma inflação que chegou a 20% em 2 anos!

Só que esse aumento repentino nos juros tem um efeito colateral: acaba desaquecendo a economia e gerando uma recessão. É o que provavelmente irá acontecer nos EUA e que aconteceu no Brasil no final do ano passado.

Índice do medo, 20/06/2022
Índice do medo, 20/06/2022

E as ações são precificadas com base em expectativas.

É um ciclo vicioso. Os investidores reduzem as perspectivas de lucro e crescimento das empresas, aumentando a exposição em empresas mais sólidas e reduzindo em empresas de tecnologia que queimam caixa. Também reduzem exposição à bolsa e aumentam em renda fixa, que fica mais atrativa com os juros mais altos e é menos volátil. Isso faz o mercado cair. Aí começa uma espiral de medo e de redução de perdas e liquidações.

Como isso tem impactado as empresas privadas e startups?

Todo esse cenário macroeconômico vai espalhando seus efeitos em todos os setores. Todos nós já sentimos no preço da gasolina, do tomate e do café. E também no vermelho dos nossos portfolios de ações. Agora chegou até as startups.

Os fundos de Venture Capital estão com muito capital disponível para investir, o chamado dry powder (pólvora seca) pois boa parte deles captou durante 2020 e 2021.

Esse número chegou a recordes US$496 bilhões em maio de 2022 (Preqin).

Só juntando três dos melhores gestores internacionais que acompanho de perto (a16z, Greylock e nfx), temos mais de US$1 bi disponíveis apenas para estágio Seed recém-captados. Aqui no Brasil não é diferente. Diversos fundos captaram nos últimos anos ou estão fechando captações de centenas de milhões no início de 2022.

Evolução do capital disponível em Private Equity e Venture Capital
Evolução do capital disponível em Private Equity e Venture Capital

Ou seja, não falta dinheiro.

O que muda é a expectativa de retorno.

E o impacto acontece de trás para frente. Ou seja, primeiro sofrem as empresas listadas e as empresas privadas em estágio pré-IPO. Isso já bateu forte nos investidores que ajudaram a criar uma verdadeira bolha no late stage VC, como Tiger e Softbank, que já marcaram perdas de dezenas de bilhões de dólares em 2022.

Essa sim pode se chamar de bolha.

Devido à onda absurda de IPOs e SPACs dos últimos 3 anos, foi fácil ganhar dinheiro. Bastava investir em uma empresa privada de alto crescimento que com certeza ela se tornaria pública em breve, trazendo um retorno médio de 50–100% em dois anos ou menos. Essa era a tese.

Isso levou os valuations de late stage a mais do que dobrarem de 2020 para 2021 (Pitchbook). Foi um exagero que está sendo compensado.

Esse ajuste que já ocorreu na bolsa e no late stage agora começa a aparecer também nas contas e nos cenários de valuation do Early Stage (Series A e B) e do Seed.

Porque se existe menos capital no late stage e menor probabilidade de saída por um IPO ou mesmo por uma saída secundária em um megaround isso tem que entrar na conta.

Como consequência, os valuations de rodadas mais iniciais já estão sendo mais pragmáticos e principalmente a barra das captações irá aumentar. Ou seja, pelo mesmo cheque e valuation os investidores agora querem uma empresa mais madura.

Também começaremos a ver cada vez mais cedo um questionamento sobre lucratividade. Como o capital ficou muito mais caro, não dá para depender totalmente da próxima rodada. Ficamos todos viciados em capital. Esse texto de 2016 já dizia: venture capital é droga pesada.

Essa era a realidade de boa parte das startups e mesmo da maioria dos fundos.

Por isso, diversas empresas de alto crescimento já têm segurado contratações ou mesmo feito demissões, para ajustar as contas e reduzir a queima de caixa.

No Brasil, o site Layoffsbrasil.com está contabilizando as maiores demissões, que já somam 2.000 pessoas demitidas. Você verá vários dos unicórnios brasileiros nessa lista.

É um movimento esperado. Como executivo ou fundador dessas empresas, não resta outra opção.

Imagine: você tem 6 meses de caixa, mas ficou menos claro quando será possível abrir capital ou captar uma nova rodada. E mesmo assim, o valuation da última rodada já foi bem esticado.

Você precisa reduzir a queima de caixa ou mesmo buscar a lucratividade o mais rápido possível para evitar ter que fazer um down round, que manda um péssimo sinal ao mercado, ou mesmo correr o risco de quebrar.

Lembre-se que isso impacta bastante também as stock options. Talvez o valor da ação que você esteja contando no seu plano agora vale a metade, ou menos, se compararmos com os mercados listados.

Nos grupos de Whatsapp de VC tem rodado uma planilha que compara qual seria o novo valuation de empresas privadas da América Latina se tivessem o mesmo ajuste de preço que os seus pares listados.

Vários unicórnios deixariam de ser unicórnios.

Descobri a autoria do post, abaixo

E o que esperar daqui para frente?

Em um momento de incerteza extrema todos aumentam muito a cautela. Vimos isso em 2020. Diversos fundos estão em compasso de espera ou investindo em um ritmo menor e de forma mais conservadora porque ainda está pouco claro o que vai acontecer.

Ao mesmo tempo, grandes empresas são criadas em crises. Temos os casos icônicos de Airbnb e Uber, mas até o Facebook teve que fazer um down round durante a crise de 2008.

Teremos certamente companhias excelentes que crescerão e se beneficiarão desse momento de fragilidade de concorrentes para ganhar mercado.

Como investidor também existirão muitas oportunidades de investir em excelentes empresas sendo reprecificadas ou mesmo poder pagar um preço muito mais baixo do que há alguns meses atrás por uma empresa do mesmo estágio.

Também veremos contratos mais equilibrados depois de termos, na minha opinião, pendido até demais para o lado dos empreendedores, com pouca governança e proteções em rodadas mais hot.

Acredito que Venture Capital é uma classe de ativos anti-frágil e anti-cíclica. Mesmo que impactada, os horizontes de investimento são de longo prazo, de 7 a 10 anos, e as empresas investidas continuam a crescer 50%, 100% ou mesmo 200% apesar de todo o barulho.

O que realmente mudou é o apetite a risco e o custo de capital e isso está criando um ajuste no modelo mental dos negócios de alto crescimento. O crescimento a qualquer custo não vende mais.

Como empreendedor, é fundamental olhar para o caixa e se possível estender ao máximo o runway e buscar uma captação apenas em 2023. Melhor ainda se você conseguir colocar a sua empresa em ponto de equilíbrio, ficando viva (default alive) nesse momento. Sobrevivência é a prioridade.

E se estiver com caixa, talvez seja a hora de olhar para oportunidades de consolidação e de atrair talentos que antes não estavam disponíveis.

Esse artigo que escrevi em 2020 ainda vale! Cash is still king.

Bom surfe nesse mar agitado!

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Bruno Peroni
VC sem ego

Venture Capital, Inovação e Startups; VC @ Astella ; Host @ A Virada Podcast