A mudança da embaixada americana e suas consequências para a paz entre Israel e Palestina

O que está em jogo além do reconhecimento de Jerusalém como capital do Estado de Israel?

Lucas Mendes
Vinte&Um
4 min readDec 6, 2017

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Donald Trump em sua primeira viagem internacional como Presidente dos Estados Unidos e o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu (22/05/2017, Associated Press)

Para aqueles que não estão acompanhando a política americana, Trump já anunciava sua intenção de transferir a Embaixada dos Estados Unidos em Telavive para Jerusalém desde a campanha presidencial de 2016. Em meio a tantas outras prioridades, como a revogação do Affordable Care Act (o famoso Obamacare), a investigação sobre a interferência russa na eleição e agora, a reforma tributária; essa questão sobre Israel ficou em segundo plano.

E por que justo agora estão rediscutindo isso? Como existe uma aprovada lei no congresso americano em 1995 para que se transfira a embaixada de Telavive para Jerusalém, todos os presidentes desde então assinam uma ordem executiva (algo como nossa Medida Provisória, porém sem o caráter de lei como aqui) a cada seis meses indo contra essa lei, já que a constituição dos Estados Unidos coloca política externa como prerrogativa do órgão executivo. O principal motivo para essa briga é que fazer cumprir essa lei seria catastrófico para as negociações de paz entre Israel, Palestina e o mundo árabe.

E qual o problema em se reconhecer Jerusalém como a capital de Israel? Desde os acordos de Oslo em 1993, a Autoridade Palestina, que seria uma espécie de proto-Estado até uma finalização das negociações de paz, coloca Jerusalém oriental como sua capital, aceitando as fronteiras de pré-1967 e sendo um ponto chave para qualquer tipo de negociação. Por outro lado, ao sair vitorioso da Guerra de 1967, Israel anexa toda a Cisjordânia e em 1980 declara formalmente a cidade de Jerusalém como um todo como sua capital. Nenhum país desde a declaração tem sua embaixada na cidade, apenas consulados e outras missões diplomáticas secundárias.

Presidente Clinton com o primeiro-ministro israelense Isaac Rabin e o líder da Organização para a Libertação da Palestina, Yasser Arafat, na assinatura dos Acordos de Oslo I (13/09/1993, Vince Musi — The White House)

Não é meu intuito aqui falar sobre todo o histórico entre israelenses e palestinos, mas é importante ir um pouco além dessa explicação para se entender o momento atual. Como qualquer estudioso da área, tenho minha opinião um tanto quanto já formada sobre o assunto: apesar do meu viés pró-Israel, acho de absoluta importância que haja uma negociação séria para uma solução de dois Estados, já que acredito que um estado laico englobando as duas partes seria catastrófico para a população judaica, vítima de inúmeras expulsões e perseguições ao longo dos milênios.

Por um lado, acredito que o lado palestino tenha dificultado muito as negociações após a Segunda Intifada no início dos anos 2000, não só do ponto de vista governamental mas até mesmo para o aumento da dessensibilização da população israelense em relação ao problema palestino (de forma rápida, mas recomendo que se leia a parte pois é um assunto complexo: foram levantes tanto civis quanto militares que começaram após a visita do primeiro-ministro israelense Ariel Sharon ao Monte do Templo, onde está uma das mesquitas mais importantes do islã, a Mesquita de Al-Aqsa e o Domo da Rocha).

Por outro, a reação de Israel foi absolutamente exagerada. A construção do muro da Cisjordânia e a evacuação dos colonos israelenses de Gaza abriu margem para um bloqueio terrestre e marítimo ainda mais amplo e desumano, levando a uma guerra desproporcional com o Hamas na região em 2008 e depois novamente em 2014. Não que eu defenda o Hamas em si, jamais seria complacente com um grupo que defende o fim do Estado de Israel, mas os bombardeios afetaram enormemente a população local, em especial escolas, hospitais e casas.

Portanto, no momento atual temos uma Autoridade Palestina sem um amplo apoio, pelo conflito interno entre os próprios palestinos (Hamas em Gaza e Fatah na Cisjordânia) e um primeiro-ministro israelense mais duro nas negociações, reforçado pelo avanço das colônias judaicas. Apesar do meu otimismo que o Hamas abandone a luta armada e sua posição radical em um futuro breve, é difícil ver uma solução para a Palestina. Prefiro acreditar em soluções criativas, como já mencionei no último texto sobre a Coreia, mas a mudança da Embaixada dos Estados Unidos tira Jerusalém das negociações de uma vez por todas. Como se não já fosse uma situação complicada.

Lucas Mendes é analista internacional pela PUC Minas, social-democrata, botafoguense e focado no Leste Asiático.

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Lucas Mendes
Vinte&Um

Analista Internacional (PUC Minas), liberal, botafoguense e focado no Leste Asiático.