Quem morre são sempre os pobres, nunca os imbecis

Pablo Pamplona
vulgar
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2 min readMar 27, 2020

“O trabalho não pode parar”, dizem, “porque, se parar, ainda mais pessoas morrerão de fome com a crise econômica”. Como se não houvessem saídas econômicas senão esta: seguir tudo exatamente como estava antes da pandemia. Não, não há alternativa, há apenas duas escolhas:

  1. parar o trabalho e “destruir a economia”; ou
  2. voltar ao trabalho para “salvar a economia”.

Alguns imbecis — imbecis, em particular, de classe média — acham muito inteligente esse raciocínio e vão lá, organizados em carreata, acreditando-se protegidos uns dos outros nos seus carros, reivindicar que os pobres voltem ao trabalho.

(Um imbecil conhecido meu chegou a defender isso como um ato de empatia pelo pobre, que, afinal, de outra forma, morreria de fome.)

E assim a economia fica protegida, e morre quem há de morrer.
Mas quem morre com o vírus não são os imbecis. São os pobres e vulneráveis.

O vírus não escolhe classe, mas o tratamento sim.
Quanto mais pobre, menos acesso a saneamento, alimentação saudável, leitos hospitalares, máquinas de respiração, remédios, enfim, à prevenção em saúde e ao tratamento em geral. E, quanto mais rico, mais garantia de vida.

E de lucro, é claro.

Por isso é tão flagrante a mentira da elite brasileira: salvar os pobres da miséria jogando-os na trincheira de sua “guerra” contra o vírus. Porque quem “destrói” a economia, nessa narrativa, é sempre a classe trabalhadora, que parou de trabalhar. A responsabilidade das tragédias recai toda, sempre, sobre a classe trabalhadora. Pois então que morram antes, com Covid-19, para que não morram depois de fome. Porque não há alternativa.

É desesperador o número de seguidores do Bolsonaro dispostos ao genocídio, o número de imbecis decididos a “salvar a economia” (a economia dos ricos) aglomerando-se em carreatas em plena crise pandêmica. Vejo crescer também uma resposta cínica: “deixem que se matem”. Antes fossem eles, os imbecis, os primeiros a morrer. Quisera nós fosse real a teoria do “darwinismo social”; que, assim como no processo natural de evolução das espécies, a sociedade tendesse a se tornar mais “evoluída” à medida que os “espertos” se reproduzem. Mas não, a história não funciona assim. Não há uma linha linear de progresso histórico. Quem morre são sempre os pobres, nunca os imbecis.

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Pablo Pamplona
vulgar
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Mestre e doutorando em Psicologia Social pela USP. Pesquisa a memória de lutas sociais.