Pandemia tira transformação digital do papel e acelera a digitalização de diversos setores

Wayra Brasil
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7 min readMay 20, 2020

É claro que os planejamentos de negócios não incluem um tópico “em caso de pandemia mundial, fazer isso”. Ainda que especialistas em planejamento de futuro listassem novas epidemias como “incertezas externas que poderão afetar os negócios”, o mundo todo foi pego de surpresa.

A diferença do impacto sentido por cada empresa tem muito a ver com o estágio de transformação digital em que cada uma se encontra. A que estava mais adiantada na digitalização está em uma situação menos cruel do que a que preferiu deixar os planos de transformação digital para o futuro. Infelizmente, muitas empresas tinham deixado esse tema para mais tarde. Dados da Panorama Research, que entrevistou mais de 600 executivos na América Latina, mostram que para 85% dos líderes brasileiros a transformação digital já estava em curso nas suas empresas, mas só 4% disseram perceber um real comportamento digital nas suas corporações. Ao mesmo tempo, os investimentos em infraestrutura não estavam programados para serem muito altos. De acordo com o relatório de previsão de gastos em TI para 2020, realizado pela Computer Economics, as expectativas de crescimento em investimentos na área eram bem modestas, não ultrapassando os 3%.

O contexto do surto da COVID-19, no entanto, deverá alterar os rumos da transformação digital. O primeiro impacto aconteceu pela necessidade de remanejar colaboradores para o regime de home office. De uma semana para outra, setores de TI foram forçados a agilizar a infraestrutura necessária em tempo recorde, o que impactou até mesmo o consumo de internet do país. Segundo o Comitê Gestor da Internet (CGI.br), o uso médio de banda no país tem se mantido em alta desde o início da quarentena, período que também viu aumento do consumo de internet móvel, especialmente em áreas onde a internet cabeada não costuma chegar.

Essa pandemia está obrigando a sociedade a se reinventar e acelerar a transformação digital”, explica Igor Lopes, sócio e diretor da Transformação Digital, que promoveu a semana da transformação digital em parceria com o SEBRAE. “O que não passava de uma tendência acabou se transformando em urgência. Todos os setores vêm enfrentando desafios jamais imaginados”, opina o especialista. Essa sensação, inclusive, não se restringe aos profissionais da área de tecnologia. Em entrevista ao programa Roda Viva, Átila Iamarino, doutor em virologia e um dos mais respeitados nomes da divulgação científica sobre o novo coronavírus, também reforçou a sua percepção de que vivemos um momento de grandes transformações em diversos aspectos. “Mudanças que o mundo levaria décadas para passar, que a gente levaria muito tempo para implementar, estamos tendo que implementar no susto, em questão de meses”, constatou. A digitalização deixou de ser opcional.

Medicina se digitaliza em tempo recorde

Nas últimas décadas, a medicina vinha engatinhando nos processos de automação e digitalização. Com o surgimento da pandemia do novo coronavírus e a emergência médica de isolar não apenas os pacientes contaminados, mas também evitar o contágio da força de trabalho do setor, muita coisa precisou mudar muito rápido. A urgência foi tamanha que até o Ministério da Saúde se envolveu, agilizando autorizações e definindo diretrizes para a realização da telemedicina, que permite o atendimento médico mediado por meios de comunicação como a internet.

Fato é que em poucas semanas as teleconsultas médicas, realizadas à distância por meio de plataformas como a bem.care ou via robôs de telepresença como os propostos pela Pluginbot, se tornaram cruciais para hospitais e médicos de todo o país. Nas UTIs, a automação do monitoramento de leitos se tornou não apenas sinônimo de mais eficiência do uso do tempo do corpo médico e de enfermagem, mas também uma ferramenta importantíssima para evitar o contágio dos profissionais de saúde. “Infelizmente, a transformação digital do setor de saúde está um pouco atrasada. Ainda há muita carência. Aos poucos, alguns hospitais passaram a consolidar dados de diferentes UTIs e hospitais, criar data lakes, gerenciar riscos e uso de leitos, melhorar o cuidado e começar a apostar em modelos preditivos”, contextualiza Immo Oliver Paul, fundador da Carenet, startup da Wayra especializada em automação hospitalar. “No entanto, as medidas ainda são embrionárias. Ainda há muito a avançar”, sintetiza.

Uma economia mais digital

Além dos serviços essenciais, como os de saúde, outros setores também se viram diretamente afetados pela urgência de se transformar digitalmente em tempo recorde, como foi o caso do varejo. Quem ainda não estava acostumado a vender pela internet precisou acelerar seus planos. E com a população toda isolada em casa, não foram apenas as lojas virtuais de itens essenciais (como alimentos ou higiene) que viram um pico nos seus pedidos online. Dados da SocialMiner indicam que houve aumento das taxas de conversão também entre as lojas online que comercializam bebidas, itens de beleza, casa e construção. “No início da quarentena, houve uma queda nas compras. No entanto, conforme as pessoas tiveram mais acesso à informação e ao cenário [de isolamento mais extenso], passaram a se reorganizar. A partir do dia 23 de abril, passamos a ver um aumento das vendas online”, registra o estudo da startup, que é parte do portfólio da Wayra.

Apesar dos pesares, a notícia indica um futuro promissor para quem atua com a digitalização de processos e a venda de produtos online. A expectativa, segundo uma pesquisa realizada pela DMEXCO, é que ainda que exista um certo sofrimento econômico para as empresas durante a pandemia, a crise poderá ser benéfica para acelerar o ritmo da transformação digital. Findada a epidemia da COVID-19, é provável que tenhamos uma economia muito mais digital.

Bom momentum para startups

Inovadoras, disruptivas, altamente digitais e rápidas na pivotagem: essas características, tão comuns às startups, se mostram valiosíssimas nesse momento crítico da nossa sociedade.

Tanto é que muitas startups não sofreram demais com as adaptações necessárias para continuar funcionando. Um relatório recente da Wayra averiguou que 85% das startups do seu portfólio conseguiram mover seu modelo de trabalho para o regime de home office em questão de poucos dias.

Por serem naturalmente mais ágeis na resolução de desafios de digitalização, essas mesmas startups estão cada vez mais requisitadas para auxiliar outras empresas do mercado a lidar com a transformação para contextos mais virtuais e devidamente distanciados. Muitas dessas startups, inclusive, já atuam provendo apoio aos processos de transformação digital, tornando-se parcerias das grandes corporações na implementação de atitudes mais digitais. É o caso da Docket, que realiza a busca, pré-análise e gestão de documentos digitalmente; da Gupy, que providencia processos de seleção e contratação por canais online; da Qranio, que fornece uma plataforma de conteúdos para educação à distância; entre tantas outras, que neste momento têm ajudado a amenizar os impactos da pandemia.

“A transformação digital tem ajudado muitos setores da economia a se reinventarem na crise. Em situações como essa que estamos vivendo, as empresas passam por mudanças aceleradas e objetivas, e a tecnologia está exercendo um papel determinante. Ela tem garantido mais agilidade em diferentes processos e aumentado a produtividade das instituições. Isso tem motivado a busca por soluções que trazem ganhos operacionais e redução de custos, como é o caso da Docket”, afirma Pedro Roso, um dos fundadores da Docket.

Maior abertura para serviços de IA e IoT

Nesse cenário de tantas mudanças, até quem tinha mais receios com a digitalização dos próprios processos foi obrigado a experimentar. Ainda que as circunstâncias não sejam as melhores, a adoção em massa de mais tecnologia nos cotidianos de trabalho pode ajudar a tornar mais compreensíveis outros importantes processos de digitalização que ainda estão engatinhando, como acontece nas transformações digitais das atividades agropecuárias.

Afinal, poder contar com a tecnologia também altera o cotidiano da agricultura e da pecuária. “Com smartphones em mãos e tendo sistemas conectados, é possível acompanhar as plantações em tempo real. Essa troca rápida de informações pela internet também ajuda a tomar decisões estratégicas em tempo recorde”, explica Luciano Jaloto, expert da divisão de ciência da agricultura da Bayer.

Além do controle das plantações, uma maior abertura aos processos digitais poderá facilitar a implementação de novas tecnologias no setor, como é o caso do uso da Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês) e de inteligência artificial (IA) para o controle de rebanhos e de plantações.

Aplicando esse tipo de tecnologia no setor agrícola, hoje já é possível, por exemplo, ter sensores nos canteiros para monitorar a necessidade de irrigação para cada tipo de cultivo. Esse tipo de monitoramento é uma das especialidades da IoTag, que é capaz de conectar sensores e dispositivos embarcados à uma plataforma na nuvem, garantindo a gestão e a performance de diversos tipos de operação, tudo à distância. Monitoramentos deste tipo também podem ser combinados com sistemas com inteligência artificial, que podem chegar a criar regras inteligentes que distribuem a água somente quando necessário, e na quantidade correta, o que permite aumentar a produção e reduzir o consumo de água em tempo real.

Na pecuária, a vantagem reside no controle dos rebanhos, que poderá ser ainda mais eficiente, como propõe a startup Bovcontrol, que consegue analisar e monitorar dados da produção de carne e leite ao acompanhar o gado em tempo real. Além de dar total visibilidade aos pecuaristas, que podem acompanhar o movimento dos rebanhos pela telinha do computador, os algoritmos da Bovcontrol também geram relatórios e análises para apoiar as tomadas de decisão nas fazendas, algo que ainda é bastante inédito para o setor.

Prontas para superar desafios

Quem atua no ramo do empreendedorismo sabe que as startups são criadas para lidar com solavancos e grandes mudanças. Faz parte da cultura “startupeira” saber se ajustar e “pivotar” quando necessário. Essa experiência faz delas excelentes parcerias para empresas que precisam acelerar suas transformações digitais neste momento, já que elas têm facilidade em adaptar suas ofertas de forma bem veloz.

E, em um momento tão desafiador como o atual, as startups também têm a chance de encontrar oportunidades de resolver alguns dos grandes problemas da humanidade. Afinal, como bem disse o investidor Matías Peire, da GRIDX, esse poderá ser o melhor tipo de negócio do futuro.

Claro que atuar sob a pressão de uma pandemia não é o jeito mais tranquilo ou planejado para se passar por uma transformação digital. Ainda assim, quando essa turbulência toda passar, certamente sairemos dela mais fortes e mais preparados para lidar com mais eficiência e tecnologia no nosso futuro.

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