Pingue-pongue Wayra: Mariana Dias, CEO da Gupy, startup que aposta na diversidade para alcançar alta performance

Wayra Brasil
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10 min readMar 8, 2020
“Quanto mais mulheres mostrarem que estão dando certo e crescendo, mais empreendedoras podem se sentir representadas e pensar: “Isso também é pra mim!”, acredita Mariana Dias, CEO da Gupy”

“Em terra onde a inovação é lei, quem tem mais diversidade é rei.” É o que dizem consultorias de mercado como a Accenture e também é a aposta da startup Gupy, que faz parte do portfólio da Wayra desde 2016. Dedicada a trazer agilidade e eficiência nos processos seletivos de grandes companhias no Brasil, a empresa também está atenta à importância de garantir um recrutamento justo e com inclusão de diversidades. “Desde o início, temos uma grande preocupação em garantir que a inteligência artificial do nosso algoritmo pudesse reduzir os vieses inconscientes, por isso não analisamos critérios como idade ou gênero”, explica Mariana Dias, CEO, uma das fundadoras da Gupy e entrevistada deste mês para o pingue-pongue Wayra.

Depois de passar por multinacionais como Unilever e Ambev, Mariana teve o insight de criar a Gupy ao perceber as ineficiências dos processos de recrutamento e seleção de grandes empresas, que rotineiramente lidam com um alto volumes de candidatos e têm acesso a poucos indicadores que possam prever o sucesso de um determinado profissional nas vagas ofertadas. “Essa experiência da seleção pode ser mais ágil e também mais encantadora”, defende.

Como CEO, além de garantir que todas as áreas consigam trabalhar juntas em prol de uma mesma visão de negócio, Mariana também se vê como uma guardiã da cultura da startup, que é um dos principais pilares para o desenvolvimento da Gupy, na opinião da executiva. “Temos um enorme cuidado em formar um time e ter uma cultura super forte. Ideia por ideia, outras startups também têm. Mas, às vezes, elas não têm um time e uma cultura fortes o suficiente para superar os obstáculos”, aponta.

Como uma das poucas CEOs mulheres no Brasil, Mariana também é apontada como um exemplo e uma inspiração para outras empreendedoras brasileiras. Apesar da relutância inicial, a executiva da Gupy confessa ter percebido que contar a sua história era uma forma de demonstrar a representatividade feminina no empreendedorismo brasileiro e abraçou a causa. “Não sou só eu: existem outras CEOs e fundadoras que podem inspirar outras mulheres com vontade de empreender. Acho que o meu papel é focar em fazer o negócio dar certo, e assim ajudar com o meu exemplo”, explica Mariana.

Confira abaixo a íntegra da nossa conversa com a CEO da Gupy Mariana Dias.

Wayra: Qual foi a sua inspiração para a criar a Gupy?
Mariana Dias: Ainda atuava na Ambev, em 2014, quando me vi com diversos desafios que envolviam a utilização de dados e de tecnologia para tornar o recrutamento mais assertivo e mais rápido. Isso porque historicamente (e até hoje!), a experiência de recrutamento sempre foi muito ruim, tanto para o RH quanto para os gestores e os candidatos. O insight de criar a Gupy veio daí, depois de muitas conversas e trocas com a minha sócia e co-fundadora, a Bruna Guimarães, que também trabalhava na Ambev. Desde a revolução industrial, o processo de seleção não mudou muito: existe um volume enorme de pessoas que se aplicam à uma vaga, e os pré-requisitos que fazem sentido na nossa cabeça nem sempre são capazes de prever se aquele candidato terá uma boa performance na área. Diante desse desafio, trabalhamos para transformar a seleção em um processo mais ágil, justo e encantador. Conseguimos fazer isso com o uso de dados, removendo os vieses inconscientes, e também nos dedicamos a fazer com que a seleção possa ser um processo mais encantador. Afinal, passamos a maior parte da vida no trabalho, e a experiência de seleção não precisa ser frustrante para ninguém: nem para os candidatos, nem para as empresas, que lidam com um grande volume de candidaturas e às vezes não conseguem selecionar um profissional para o momento em que ele é necessário.

Em um primeiro momento, estávamos pensando em fazer essa transformação do processo seletivo apenas para a Ambev, mas percebemos que existia uma necessidade de mercado em todo o Brasil. Somos um mercado emergente, com alto índice de desemprego e grande volume de candidatos, e essa dor de lidar com processos de seleção ineficientes é muito latente. A partir daí, largamos tudo e fomos convencer o nosso outro co-fundador, o Guilherme Dias, a empreender com a gente. Passamos a morar juntos em um apartamento e começamos bem bootstrap mesmo, com nosso próprio investimento vindo de carros vendidos, até que entramos na Wayra e o nosso negócio começou a crescer de verdade.

W: E qual o principal problema que a Gupy ajuda a resolver hoje?
MD:
Nosso propósito é ajudar as empresas a contratar de forma ágil, justa e encantadora, com uma boa experiência para todos os envolvidos no processo de recrutamento e seleção. Hoje, nossos clientes conseguem ser 60% mais ágeis nas suas contratações ao contar com a Inteligência Artificial (IA) como parte do processo. Depois de anos em desenvolvimento, aprendendo com uma base de dados gigantesca, nosso algoritmo proprietário é capaz de considerar mais de 200 características diferentes para sugerir a tomada de decisões. Temos muita consciência de que produtos que fazem uso de IA podem aumentar o viés dessa tomada de decisão, e por isso temos uma preocupação muito grande com diversidade: não analisamos idade ou gênero, e mantemos diversos trabalhos internos para garantir que o nosso algoritmo não leve a nenhum tipo de viés na seleção.

W: Você lembra como foi a sensação de conquistar o primeiro cliente?
MD:
Sim! Nosso primeiro cliente foi a Kraft Heinz. Fizemos um caminho um pouco diferente das outras startups, que costumam conquistar como primeiros clientes empresas pequenas e pouco complexas. No nosso caso, nosso cliente de estreia era uma empresa grande, atendendo toda a América Latina! Na época, ainda sem o produto pronto, conhecemos o VP da Kraft Heinz em uma feira de recrutamento onde estávamos apresentando nossa ideia, e esse VP “comprou” o nosso sonho. Participamos de um leilão com a América Latina toda, concorrendo com várias soluções que já estavam prontas, e ganhamos. Assim que isso aconteceu, pegamos o dinheiro e fomos contratar pessoas, desenvolver o produto e melhorar a plataforma. Foi bem marcante, porque foi aí que descobrimos que havia product market fit para a nossa ideia.

W: Quando você percebeu que a ideia da Gupy tinha se tornado uma realidade?
MD:
Conseguir vender o produto antes dele estar pronto, quando ele ainda era apenas uma ideia, foi incrível, mas fato é que só sentimos que tínhamos mesmo uma empresa quando entregamos o produto e vimos o cliente satisfeito. A partir daí, passamos a focar em fazer o negócio escalar.

W: Qual foi seu principal aprendizado nessa jornada empreendedora?
MD:
Existem três coisas principais que aprendi. A primeira é que a ideia é importante, mas não é ela que vai fazer você estourar. O que vai fazer isso são as pessoas. Por isso, um dos principais aprendizados é tomar um grande cuidado ao formar um time e se dedicar a criar uma cultura forte, que ajude a tirar o melhor do potencial destas pessoas, em um ambiente seguro e de confiança. Time e cultura são essenciais. Ideia por ideia, outras startups também têm, mas nem sempre elas têm um time forte o suficiente para superar os obstáculos. O terceiro aprendizado é a resiliência. Essa é uma jornada cheia de nãos. Ser resiliente é ser capaz de ouvir vários nãos e resistir, e ter um bom time e uma boa cultura ajudam com isso. O “não” faz parte, mas é preciso acreditar que “vai dar certo”, o que é um dos nossos lemas na Gupy. Um vendedor vai ouvir muito mais nãos, um gerente de produto vai errar mais do que acertar. Precisamos que eles saibam receber os nãos e possam se levantar mais fortes.

W: Se você pudesse voltar atrás, tem algo que faria diferente?
MD:
Como nunca tínhamos empreendido, no começo nossa mentalidade era bem corporativa, voltada para o ótimo, para entregar as coisas mais redondas. Teríamos economizado mais tempo se tivéssemos feito as coisas mais lean, mais ágeis. Eu teria investido menos em detalhes, porque isso permitiria fazer o produto ainda mais rápido.

W: Você tem personalidades ou empreendedores que te inspiram?
MD:
Não acho que exista uma pessoa, mas características de várias pessoas que me inspiram. A obsessão por perfeição do [piloto brasileiro] Airton Senna, por exemplo, ou o olhar de disrupção de produto do [fundador da Apple] Steve Jobs. Fora do mundo empreendedor, duas pessoas que me inspiram muito e que me formaram são meus pais. Eles têm perfis muito diferentes, mas mega complementares: enquanto meu pai é mais racional, pé no chão, planejado, minha mãe é super otimista, vem com o mantra do “vai dar certo” e “se joga”. Esse mix dos dois me deu a coragem para empreender, mas com muito pé no chão de querer fazer as coisas certinhas.

W: Você já foi apontada como exemplo e inspiração para empreendedoras brasileiras. Como você se sente com esse reconhecimento? E que mensagem deixaria para as empreendedoras que buscam em você a inspiração para criarem suas próprias startups?
MD:
Essa ficha ainda não me caiu, pra ser sincera. Às vezes fico um pouco desconfortável, pensando “puxa, fui convidada para uma palestra apenas por ser mulher empreendedora”. Mas aprendi nessa jornada que isso também é importante, porque o exemplo é algo que arrasta, e infelizmente temos pouquíssimas mulheres empreendedoras no Brasil. Sei que existem mulheres super talentosas e com boas ideias, mas que ainda têm dúvidas sobre se empreender é mesmo para elas. Acho que quanto mais mulheres estiverem mostrando que estão dando certo, crescendo, isso pode ajudar outras empreendedoras a se sentirem representadas e pensarem: “Isso também é pra mim!”. E não sou só eu: existem muitas outras CEOs, fundadoras, que ajudam a dar o exemplo para inspirar outras mulheres com vontade de empreender. Acho que o meu papel é focar em fazer o negócio dar certo, e assim consigo ajudar com o meu exemplo.

W: E a Gupy é um exemplo duplo, porque são duas fundadoras, certo?
MD:
O que é super raro! Vejo que a Gupy tem algumas características que são bem raras no mercado: além de termos uma CEO e uma COO, 52% do nosso pessoal é composto de mulheres e 33% do nosso time de engenharia é feminino. Pode parecer pouco, mas é muito acima da média de mercado. Sempre cuidamos para ter esse equilíbrio e essa diversidade. Quando vamos contratar, buscamos por “pessoa desenvolvedora”, por exemplo. Claro que vamos ter mais homens inscritos, porque existem mais desenvolvedores, mas o nosso papel é tomar decisões difíceis, como segurar mais a vaga para dar tempo de mais mulheres se inscreverem, ou contratar alguém com um perfil mais júnior e formar essa profissional “dentro de casa”. Uma das nossas desenvolvedoras, que entrou como dev júnior há 2 anos, hoje é uma líder técnica super talentosa, o que acreditamos ser importante para continuarmos crescendo de forma acelerada e inovando. O reflexo disso é que ganhamos três prêmios de Melhores Empresas Para se Trabalhar (Great Place to Work): primeiro lugar como pequena empresa para se trabalhar em São Paulo; segundo lugar como empresa de tecnologia no Brasil e terceiro lugar entre as pequenas empresas no Brasil. Não é à toa que isso acontece, porque é com diversidade que criamos times de altíssima performance, para que todos se sintam representados e consigam crescer.

W: Na sua opinião, qual o principal valor ou habilidade que as mulheres empreendedoras podem trazer ao ecossistema de startups no Brasil?
MD:
Acho que como a mulher quer crescer, dar exemplo e se ver representada, ela tem uma dedicação surreal em performance. Existem estudos que mostram que as mulheres só se candidatam a vagas quando preenchem a grande maioria dos requisitos, por exemplo, enquanto os homens se inscrevem se cumprirem apenas 60% das exigências. Além disso, tem também a empatia, o olhar não apenas para o time, mas para o usuário, garantindo que todos os pontos estejam todos bem conectados, o que é riquíssimo para a gente [de startups]. Outro dia, vi uma pesquisa que falava que os brasileiros não se sentem confortáveis com mulheres sendo CEOs. Acho que seria porque talvez não tenhamos muitos exemplos. Talvez exista uma desconfiança sobre a performance, mas se você for conferir, há diversas pesquisas que comprovam o aumento de performance quando há mulheres em times de alta liderança. Acredito que ambientes que tenham equilíbrio na participação de homens e mulheres inovam mais, criam ambiente melhores para se trabalhar e são mais lucrativos.

W: O que você vê como obstáculos para empreender no Brasil e que oportunidades enxerga no horizonte do empreendedorismo brasileiro?
MD:
O principal desafio são as cargas tributárias, como os encargos trabalhistas, que são um obstáculo financeiro gigantesco para a contratação de pessoal. Além disso, falta mão de obra qualificada: temos uma escassez de engenheiros e cientistas de dados, por exemplo. Como as startups ainda são algo muito novo no Brasil, as faculdades ainda não formam profissionais para as funções que precisamos, como marketing digital e customer success. Por outro lado, o Brasil é um rio de oportunidades. Temos muitos problemas e se conseguirmos entender bem nossas ineficiências, podemos criar soluções inovadoras para aumentar o valor agregado e tornar nossos processos mais eficientes. Para quem gosta de pensar que “onde tem problema, tem oportunidade”, o Brasil é um oceano azul.

W: O que mudou para vocês ao fazerem parte do hub de inovação aberta da Wayra?
MD:
Nunca tínhamos empreendido, então fazer parte da Wayra foi fundamental. Entramos com um cliente e saímos com 15. Aprendemos a testar muito rápido nossas ideias, fazer vários MVPs, nichar o nosso produto para públicos-alvo mais específicos. O convívio com outros empreendedores também foi ótimo: vimos que eles tinham dores como as nossas, e assim passamos a testar mais soluções. O contato com os investidores também foi importante. Não tínhamos networking com Venture Capitals, e os primeiros contatos da Wayra nos ajudaram muito, nos apresentando também para outras pessoas que se tornaram parceiras, tudo isso por influência de fazer parte do hub desde 2016. Essa rede de parceiros, investidores e empreendedores foi um dos fatores mais importantes para desenvolver o nosso mindset empreendedor desde o início.

W: E se você fosse dar um conselho para as startups e empreendedores que estão começando agora, o que diria?

MD: Entenda bem o seu mercado. Esteja aberto a mudar, porque provavelmente a sua ideia inicial vai mudar muitas vezes. É preciso ter a cabeça aberta para aproveitar as oportunidades e muita resiliência para ajustar a visão. Não desista! Ah, e contrate o time certo com a cultura certa, invista energia nisso!

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