Pingue-pongue Wayra: Rodrigo Gruner, líder de inovação na Vivo, explica o lado da corporação em negócios de inovação aberta

Wayra Brasil
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9 min readOct 28, 2020
“Já vi situações em que startups foram desconsideradas por terem um nível de conhecimento baixo da empresa, o que gerou insegurança nas pessoas que estavam contratando”, alerta Rodrigo Gruner, líder de serviços digitais e inovação da Vivo, que atua de perto nos processos de inovação aberta na operadora.

Parte de um time dedicado a identificar e fomentar parcerias ou novos negócios que contribuam para o crescimento da Vivo, o gaúcho Rodrigo Gruner já tinha o costume de questionar o impacto de tecnologias na vida das pessoas desde a infância, quando se esbaldava em leituras de ficção científica. Talvez provocado pela bagagem literária, o executivo foi ajustando a rota da própria carreira até que chegasse ao ponto de lidar de perto com inovação aberta.

Para Gruner, os ajustes da sua jornada profissional são semelhantes ao que uma startup precisa fazer ao longo da sua existência, mantendo um objetivo claro e se adaptando às novas demandas que forem surgindo pelo caminho. No caso do executivo, a meta foi manter o envolvimento com a tecnologia, e ao se adaptar às novas necessidades corporativas, aos poucos ele conquistou o espaço que precisava para liderar o time de serviços digitais e de inovação da Vivo. “É importante ter um norte para as nossas carreiras, mas se manter atento e flexível o suficiente para nos adequar às oportunidades que surgem, apesar do desafio da mudança”, aconselha.

Formado em Administração de Empresas, Gruner saltou da área de planejamento e negócios para se envolver de forma ativa com a promoção da inovação dentro da Vivo, posição que o colocou em contato estreito com o time da Wayra. Hoje, um dos seus principais objetivos é buscar conexões entre startups inovadoras e a corporação. Além de fomentar novas oportunidades de inovação aberta na Vivo, a expectativa de Gruner é que a sua jornada profissional também o leve a conseguir preparar seu filho e sua filha, que ainda são pequenos, para enfrentar o mundo que os espera no futuro.

Por conta da sua posição privilegiada dentro da Vivo, Gruner já teve oportunidades de se envolver em diversos processos de inovação aberta, e nessa entrevista compartilha algumas dicas e conselhos sobre as melhores formas de se preparar para uma reunião com executivos e que cuidados tomar ao apresentar soluções para empresas de grande porte.

Confira abaixo a entrevista na íntegra.

Wayra: Quando você passou a se interessar por inovação?

Rodrigo Gruner: Sempre me interessei por tecnologia e talvez por um pouco de “futurologia”, o que inclusive acabou direcionando algumas decisões de carreira. Temas como inovação aberta e startups passaram a me interessar mais quando ingressei na Vivo, pois tive contato com o time da Wayra e das equipes de inovação da própria empresa.

W: E na sua opinião, qual a importância dos processos de inovação aberta para as grandes companhias?

RG: Acredito que inovação seja um “estado de espírito”, ou seja, deve ser transversal e fazer parte de todas as iniciativas de uma grande empresa. É assim que buscamos cada vez mais trabalhar na Vivo. Considero que a inovação aberta é fundamental para isso, pois faz com que as empresas olhem para o mercado e aprendam com experiências que estão acontecendo “fora de casa”, ampliando o horizonte do que pode ser realizado “dentro de casa”. Esta aproximação não é simples, pois o choque de cultura, de processos e até de sistemas fica evidente em qualquer conversa inicial entre equipes de uma grande empresa e de uma startup. Entretanto, esta é justamente a importância de acelerar e potencializar estes processos: é necessário gerar um mínimo de desconforto para promover a mudança, promovendo mais agilidade, dinamismo e capacidade de mudança nas grandes empresas.

W: Nesse tempo que você tem se envolvido profissionalmente com inovação, qual foi seu principal aprendizado?

RG: Sem dúvida, um dos principais aprendizados foi entender que mudanças concretas em uma empresa do porte da Vivo são complexas, podem levar tempo, porém são possíveis e devem ser feitas. Empresas são grandes sistemas sociais formados por pessoas, ou seja, somos parte do problema e da solução. É muito comum em grandes empresas que as pessoas olhem para os outros esperando uma solução. Percebemos isso quando ouvimos frases como “isso é uma decisão do CEO/VP” ou “se não fosse pela burocracia e pelos processos, eu entregaria meu projeto em menos tempo”. Entretanto, muitas vezes esquecemos que justamente o que a alta liderança espera de nós é não ficar esperando por uma decisão deles, não aceitar passivamente que processos impeçam entregas relevantes e por aí vai. Lógico que não estou defendendo a quebra total e indiscriminada de regras, até mesmo porque qualquer empresa precisa seguir leis, normas e, no nosso caso, somos inclusive regulados. Porém, isto não significa que tenhamos que aceitar simplesmente as coisas do jeito que são. Pelo contrário, podemos e devemos questionar a todo momento como fazer diferente. E isso só reforça a importância que a mudança cultural tem para acelerar a transformação.

W: Quais são os principais pontos que você considera importantes para que as startups façam negócios com uma grande empresa? Quais comportamentos ou dados você considera como positivos e quais fazem você acender um alerta?

RG: Cada grande empresa ou área que irá eventualmente fazer negócio com uma startup tem seus critérios, que, logicamente, podem variar bastante. Pessoalmente, avalio como fatores positivos o nível de conhecimento e qualificação da equipe e histórico de entregas da startup. Em relação à qualificação e conhecimento da equipe, é muito comum termos uma relação inicial muito positiva com o(a) fundador(a), mas quando a equipe passa a se envolver mais diretamente no negócio descobrimos que a empresa é altamente dependente da liderança e, para fazer negócio com uma empresa como a nossa, não é suficiente ter uma ou duas pessoas que de fato entendam dos temas ou que têm autonomia para tomar decisões.

O quesito histórico de entregas pode parecer um pouco óbvio, mas é muito importante que a equipe da startup esteja acostumada com entregas tanto na velocidade como na qualidade esperadas por nós. E isto não significa que é necessário ter credenciais em outras grandes empresas, mas que os resultados de projetos em qualquer perfil de cliente possam ser demonstrados e serem consistentes na área funcional que estamos contratando.

O ponto de atenção surge quando já na primeira conversa o time da startup apresenta baixo conhecimento sobre a Vivo e sobre a área com a qual está querendo fazer negócio. Se não houve tempo para isso [buscar conhecer a Vivo e a área], assumo que a velocidade de adaptação e aprendizado também não será tão alta ao longo da relação.

W: Muitos executivos ainda têm medo de fazer negócios com startups, porque existe ali uma parcela de risco e também uma parcela de envolvimento, de construir junto. O que você diria a um executivo de uma grande corporação que ainda está tateando em iniciativas de inovação aberta?
RG: As sugestões para os executivos de uma empresa que está buscando se relacionar com startups talvez sejam parecidas com as direcionadas a quem está empreendendo. São três pontos:

  1. Arrisque! É a única forma de fazer diferente. Esteja ciente de que a iniciativa pode não dar certo, por isso já esteja consciente que você deverá arriscar mais vezes. Não ache que somente uma tentativa com uma startup será o sucesso na sua empresa. Este é um investimento de longo prazo — pode ser que você acerte de primeira, mas é possível que sejam necessárias algumas iterações e projetos até alcançar um grande resultado;
  2. Se a sua organização ainda está em nível de maturidade baixo em temas relacionados à inovação aberta, comece pequeno, aposte em alguns casos e tenha pelo menos uma história de sucesso para contar. Ter sucesso em inovação aberta requer um aprendizado da organização que requer tempo e comprometimento;
  3. Busque apoio interno. Assim como em outras situações ou temas de longo prazo, é fundamental ter pessoas com capacidade de decisão na organização que compartilhem da visão sobre a importância da inovação aberta para os resultados de longo prazo da empresa.

W: A Vivo tem hoje uma série de programas de incentivo à inovação aberta. Recentemente falamos no blog da Wayra sobre os shapers do Vivo Discover, uma das iniciativas que cria embaixadores de inovação dentro da empresa. Qual a sua visão sobre a importância dessa formação de Shapers?

RG: Na Vivo, a abordagem que damos à inovação é sistêmica, ou seja, ela faz parte de diferentes iniciativas da empresa. E um pilar muito importante dessa estratégia é a formação de uma cultura voltada para a inovação. Para estimular o nosso espírito de inovação, há dois anos criamos o Vivo Digital Labs, que levou à adoção de formas de trabalho e metodologias ágeis. Hoje temos mais de 1.000 colaboradores trabalhando em Ágil, com mais 170 iniciativas ágeis mapeadas em toda a empresa. Capacitamos mais de 7 mil funcionários em métodos ágeis e práticas de design thinking e utilizamos o método Lean6Sigma, com mais de 7,5 mil colaboradores certificados — a Vivo é a única empresa do Brasil a alcançar essa marca.

Os Shapers são muito relevantes neste contexto, pois além de atuar como embaixadores da inovação na empresa, eles têm a missão de gerar negócios com startups, por meio da identificação de dores ou oportunidades em suas áreas. Para isso, eles passam por um programa de qualificação de seis meses no qual aprendem sobre o ecossistema de inovação aberta. Ao fim deste período, têm como objetivo implementar pelo menos uma prova de conceito real, para testar a eficácia da solução escolhida. Ou seja, a inovação é colocada em prática durante o programa. Além disso, como os Shapers são colaboradores da Vivo que atuam em diferentes áreas da companhia e são profissionais que consideramos influenciadores internamente, eles ajudam a mostrar a importância da inovação aberta em suas áreas de trabalho, não apenas por meio dos projetos realizados com startups, mas também ao falar e discutir sobre inovação em suas equipes. A segunda turma de Shapers, que teve início em junho deste ano, teve 352 inscritos e foram selecionados 25 colaboradores. A primeira, em 2019, formou 20 Shapers e, como resultado, foram identificadas 21 novas oportunidades de projetos com startups.

W: Além dos Shapers, que outras iniciativas de inovação aberta dentro da Vivo você destacaria como importantes para manter essa conexão com o ecossistema empreendedor?

RG: Especificamente sobre inovação aberta, temos duas iniciativas complementares na Vivo: Wayra e Vivo Discover. A Wayra é o olhar da Vivo para o ecossistema de startups, buscando por aquelas startups que têm potencial para receber investimento e que possam impulsionar os negócios da Vivo ou do grupo Telefónica e de seus investidores. Por exemplo, a startup paranaense de telemetria de maquinário IoTag recebeu investimento da Vivo, por meio da Wayra, no ano passado. Com isso, ampliamos nosso portfólio de aplicações em IoT para o campo com o Vivo Maquinário Inteligente, uma solução da startup que virou produto da Vivo.

Outro exemplo é a Gupy, na qual também investimos por meio da Wayra, e que atualmente é responsável pelo nosso processo de recrutamento e seleção. Em 2019, passamos a usar a tecnologia de inteligência artificial da Gupy para melhorar nosso processo de recrutamento. Desde então, aumentamos em 75% a assertividade de contratações e reduzimos o tempo de reposição de vagas em 34%, além de aumentar a satisfação do gestor.

E se a Wayra é o olhar de inovação de fora para dentro, o Vivo Discover é o nosso programa de inovação aberta que tem o objetivo de olhar para dentro e identificar nas diferentes áreas da companhia oportunidades ou problemas que podem ser solucionados por startups. O Vivo Discover nasceu em 2019 já avaliou mais de 200 startups com potencial de “dar match” com alguma área da Vivo. Os Shapers que mencionei anteriormente são um dos responsáveis por buscar esse “match”, identificando oportunidades e dores internas que possam ser resolvidas por startups.

W: Quando uma startup ganha a chance de fazer uma apresentação ou ter um contato com uma grande corporação, que cuidado você aponta como o crucial para causar uma boa impressão?

RG: Busque conhecer a empresa com a qual você está fazendo negócio, o setor para o qual a empresa atua, a área para a qual irá trabalhar, entre outros detalhes do tipo. Parece simples, mas já vi diversas situações nas quais startups foram desconsideradas por terem um nível de conhecimento tão baixo da empresa e do setor que isto acabou gerando insegurança por parte das pessoas que estavam contratando.

W: Para as startups que estão buscando fazer negócios com uma grande companhia como a Telefônica/Vivo, que dicas ou conselhos você daria?
RG:
É difícil definir uma lista de pontos importantes que sirva para qualquer situação. Assim como as startups são muitos diferentes entre si, as grandes empresas também. Fatores como cultura, processos, engajamento da liderança podem influenciar e muito a forma como a startup irá se relacionar e eventualmente realizar negócios. De forma geral, talvez possa mencionar dois pontos:

  1. Entenda se você está preparado para atender de fato e com qualidade a demanda desta grande empresa. Muitas vezes um contrato com uma companhia com grande presença no mercado pode ser o ponto da virada de uma startup, mas o empreendedor precisa ter muito claro que assim como o potencial é alto, o nível de exigência, volumes de dados, transações e clientes, também podem ser muito grandes. As provas de conceito sempre podem ser um bom momento para avaliar de forma concreta isto — e se você entender que não é o momento, que seu negócio precisa amadurecer mais, um posicionamento transparente e honesto sempre ajuda na construção de confiança e uma relação de mais longo prazo.
  2. Invista tempo para conhecer a empresa com a qual você quer trabalhar. Grandes empresas são sistemas complexos, quanto mais informações você tiver sobre quem são os decisores, o momento pelo qual a indústria desta empresa está passando, nível de maturidade em relação à inovação aberta, entre outros detalhes, maior será sua chance de acertar o discurso e se preparar melhor para fazer o que faz de melhor: entregar resultados.

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