Brasileiros na Estônia: Karen V. Ordones

Ana Luiza Silveira
Work in Estonia
Published in
6 min readSep 8, 2021

Ela criou uma plataforma de ensino online que já chegou a 113 países e vem transformando professores particulares em empreendedores

Karen foi uma das primeiras mulheres a abrir empresa na Estônia com a e-Residency — Foto: Arquivo Pessoal

Em 2010, quando ainda vivia no Brasil, Karen V. Ordones tomou uma decisão: iria procurar um programa de mestrado na Suécia, já que gostava bastante do idioma. No entanto, enquanto fazia uma busca por opções, apareceu a Universidade de Tartu. “O currículo do programa era muito interessante, e descobri que a Estônia tinha um custo de vida mais baixo em relação aos países escandinavos e a educação era excelente. Como eu queria estudar em uma cultura diferente da minha, escolhi a Estônia”, conta. E foi assim que ela desembarcou no país para estudar.

Ao terminar o curso, ela voltou ao Brasil em 2013 e foi trabalhar em uma escola de idiomas como professora de inglês. Ensinar, aliás, é uma paixão que vem de família — os pais e os avós de Karen são professores. Mas, embora gostasse muito de ensinar, não estava satisfeita com o salário que recebia. “Eu trabalhava muito, ganhava pouco e tinha pouca qualidade de vida, então decidi dar aulas particulares”, diz Karen. Em três meses, ela já tinha cem alunos. Além do inglês, ela começou a oferecer aulas de História e Literatura brasileiras, matérias nas quais era boa na escola. Com o crescimento do número de alunos, surgiram outros desafios: lidar com a parte administrativa e fazer o marketing do trabalho.

A parte administrativa ficou com seus pais — a mãe agendava aulas e o pai cuidava dos pagamentos — e o marketing em suas mãos. Até que, na véspera do Ano Novo de 2015, ela teve uma ideia. Criar uma plataforma para abordar as três áreas essenciais para o sucesso da tutoria: agendamento, pagamentos e marketing. Nasceu aí a Tutor.id, que conecta professores a alunos interessados em ter aulas particulares em diversas disciplinas, de qualquer lugar do mundo — e ainda ajuda os professores a gerenciar suas aulas, buscar novos alunos e administrar seus agendamentos com pagamentos automáticos.

Em setembro de 2016, Karen lançou a primeira versão do Tutor.id. “Ser professora particular é muito mais do que apenas preparar aulas — é um ´eu-preendimento´. Queria muito um produto que me ajudasse a gerenciar meu negócio de aulas particulares, automatizando processos que, até então, eu fazia no Excel, que eu achava obsoleto e uma perda de tempo”, diz Karen. “Eu também estava determinada a tornar meu produto uma ferramenta indispensável para milhões de tutores em todo o mundo”.

O interessante da Tutor.id é que você encontra mais do que disciplinas escolares ou idiomas na plataforma. Pessoas com as mais variadas habilidades oferecem aulas particulares que vão de agricultura e arqueologia a comportamento canino e Inteligência Artificial. Para participar, basta o professor criar uma conta, e a Tutor.id coloca o perfil online para que os alunos façam o agendamento das aulas. Se a ideia do professor é apenas usar a plataforma para administrar seu negócio, também é possível.

Hoje, a Tutor.id oferece mais de 200 disciplinas. A plataforma, que tem mais de 5 mil usuários, já ajudou a gerenciar mais de 16 mil reservas e mais de 24 mil horas de aulas foram realizadas. O aluno pode definir o preço com o qual se sente mais confortável e tem sua primeira lição de teste gratuitamente.

Karen (à esquerda) com o co-fundador da Tutor.id, Murillo Ichikawa (atrás), e parte do time da empresa no centro de Tartu— Foto: Arquivo Pessoal

Pioneira na e-Residency

Já conhecendo a burocracia que é abrir uma empresa no Brasil, Karen optou por abrir a Tutor.id na Estônia, por meio da e-Residency, uma identificação digital transnacional que permite que qualquer pessoa — pequenas empresas, autônomos e empresários — possam abrir um negócio na Estônia, sem a necessidade de morar no país. “Já tendo morado na Estônia durante o mestrado, eu conhecia o potencial tecnológico do país. Resolvi criar minha empresa na Europa também para usufruir dos benefícios de ser uma startup europeia e ter o apoio do governo estoniano para expansão e escalabilidade internacional”, afirma.

Ao buscar seu cartão da e-Residency, no início de 2015, Karen teve uma surpresa: “Me disseram que eu fui a primeira mulher da minha faixa etária (tinha 27 anos) a fazer parte do programa. Por ter sido uma das primeiras, fico feliz em representar o empreendedorismo feminino em um programa da Estônia”, celebra.

Em ritmo de crescimento

Hoje, Karen vive em Tartu e comanda de lá a empresa, que vem crescendo a passos largos: em apenas um ano, o time saltou de quatro para mais de 20 pessoas. “A Tutor.id passou por muitas fases. Já tivemos um time 80% estoniano, pessoas de oito países, e agora temos um time 100% brasileiro”, conta ela. “Neste ano, estamos expandindo nosso time para entrar em dois mercados ao mesmo tempo: Brasil e Índia. Ambos mercados gigantes e com muito potencial”.

O boom do ensino remoto ocasionado pela pandemia de Covid-19 também ajudou a impulsionar os negócios da Tutor.id. “Em março de 2020, durante a quarentena global, tivemos um aumento de 4.000% em acessos à plataforma, que nos impulsionou a fechar mais rodadas de investimento e a construir um produto ainda mais robusto para comportar um tráfego mais pesado de usuários”.

Os clientes da Tutor.id estão em 113 países, segundo Karen, com crescimento puramente orgânico. “Nós valorizamos o professor particular e damos todo o nosso apoio para que eles desenvolvam seu trabalho da forma mais profissional possível, afetando positivamente a qualidade das aulas e o nível de satisfação dos alunos”, diz ela. Os resultados disso são expressivos. “Temos uma retenção de 900% em comparação às plataformas concorrentes”.

Karen na conferência Latitude44, em Toronto, no Canadá— Foto: Arquivo Pessoal

Uma missão pessoal

Para ela, empreender é desafiador e tem suas dificuldades, mas sua experiência na Estônia tem sido positiva. “O ecossistema de startups da Estônia é extremamente organizado e temos também muitos incentivos do governo local para promoção dos nossos serviços, nacional e internacionalmente. Sem contar que o país é hoje considerado o Vale do Silício da Europa, e isso atrai muitos investidores”, observa.

Para quem tem ideias inovadoras em tecnologia e quer abrir uma empresa na Estônia, ela recomenda, antes de tudo, acreditar na própria ideia. “Empreender, no geral, é muito difícil, mesmo com as facilidades da e-Residency e o apoio do governo estoniano. Claro que o governo alivia muitas dores, mas todo empreendedor vai encontrar dificuldades, principalmente no início da jornada”, analisa. “Então, o que eu recomendo é: tenha paixão pela sua ideia, coragem, resiliência e esteja preparado para muitos altos e baixos, porque é muito raro empreendedores acertarem de primeira o fit com o mercado”.

Karen vê a Tutor.id como uma ferramenta que vai além de modernizar e profissionalizar o trabalho dos professores: é também um meio de construir uma comunidade mundial de professores particulares empreendedores. “Como neta e filha de professores, ao oferecer essa plataforma e ajudar tantas pessoas, também sinto que estou honrando minha família”.

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