Capítulo 3— Entrevista em profundidade sobre o aplicativo TOP-SP
O que você vai encontrar nesse texto: como conduzi entrevistas em profundidade com usuários do aplicativo de transporte TOP-SP
Caso não tenha lido os artigos precedentes, recomendo que comece por eles:
- Introdução — Pesquisa independente sobre o aplicativo TOP-SP
- Capítulo 1 — Avaliação heurística do aplicativo TOP-SP
- Capítulo 2 — Desk research e Matriz CSD sobre o aplicativo TOP-SP
É importante relembrar que a presente pesquisa está sendo feita por mim de forma autônoma e independente, para construir meu portfólio de pesquisadora. Não tenho ligação com nenhuma instituição pública nem privada.
Contexto
Vimos na desk research que, desde a sua implementação, o TOP-SP é alvo de inúmeras críticas, as quais estão presentes de maneira extensiva pelas redes.
Assim, é válido se perguntar:
Diante de tanta informação disponibilizada e coletada, por que, ainda assim, conduzir entrevistas em profundidade e uma survey? 🤔
Por dois motivos principais.
✅ Primeiro porque as fontes utilizadas na desk research naturalmente conduziriam às queixas sobre o aplicativo. Explico meu raciocínio:
Na internet, é comum encontrar reclamações de consumidores, em vez de uma visão elaborada que considere os prós e os contras.
Nesse sentido, restringir-se apenas às informações coletadas nas redes pode, em alguma medida, enviesar os resultados finais da pesquisa.
✅ Segundo porque as entrevistas e a survey contribuem para o aprofundamento do estudo dos problemas encontrados.
Ou seja, é muito mais provável ter acesso a argumentos elaborados em uma entrevista de 40min, do que em uma review de poucas linhas.
Ações
🔸 Como construí o roteiro
Criei um roteiro que não buscasse “favorecer” o ponto de vista negativo sobre o aplicativo.
Ele foi elaborado de modo semi-estruturado, seguindo orientações do livro Interviewing users, de Steve Portigal — do qual, aliás, elaborei recentemente um resumo.
🔸 Como conduzi as entrevistas
Como Portigal aponta, o roteiro não deve ser concebido como algo estanque, mas como um norte.
Nesse sentido, embora eu tenha elaborado questões prévias, eu não conduzi a entrevista como se fosse um interrogatório.
A sequência mudou de acordo com a conversa com os entrevistados, e muitas das perguntas foram colocadas de modo mais “natural”, aproveitando os “ganchos” que as pessoas me davam.
🔸 Instrumentos
Outra sugestão de Portigal que coloquei em prática foi me adaptar ao contexto da pessoa entrevistada, e não o contrário.
Na prática, isso significa que o principal instrumento de chamada que utilizei foi a ligação via WhatsApp. Simplesmente porque era o que as pessoas tinham disponível em seus celulares.
Em relação à tomada de notas, elas foram feitas concomitantemente, para captar os principais pontos das conversas.
Isso fez com que eu não dependesse 100% da gravação — a qual, aliás, foi um problema para as ligações via WhatsApp.
Sei que o ideal é haver uma outra pesquisadora responsável apenas pelas anotações. Porém, como estou conduzindo tudo sozinha e sem nenhum recurso financeiro, tive de me adaptar.
🔸 Screener
Realizei um screener, a fim de “filtrar” pessoas que de fato já tivessem utilizado o aplicativo.
Os critérios que utilizei estão listados em detalhe no mesmo documento no qual elaborei o roteiro, presente no próximo tópico.
Com isso, foram recrutados3 trabalhadores que vivem na Grande São Paulo, a partir da minha rede de contatos.
🔸 Roteiro
O roteiro foi idealizado para entrevistas com duração de 40min a 1h, e pode ser consultado a seguir:
Resultados
🔹 Análise
Com os dados coletados, fiz o resumo de cada encontro, o que pode ser conferido de forma detalhada a seguir:
Em seguida, criei um diagrama de afinidades no Miro:
🔹 Síntese
A partir dessas informações, pude ter uma noção mais ampla do contexto e das utilizações possíveis do aplicativo.
Por exemplo, na minha desk research eu não havia conseguido captar que há pessoas que o utilizam “apenas” para consultar o saldo do cartão.
Ou, então, pessoas que não têm problema com a recarga porque não são elas que a fazem, mas sim o patrão.
Ademais, alguns problemas relatados pelas conversas confirmam os resultados que encontramos na avaliação heurística do aplicativo e na desk research. Especialmente em relação às funcionalidades básicas com bugs (login, erros no QR Code, etc.).
Outro elemento que saltou aos olhos são os problemas relatados com o suporte / atendimento.
Em relação aos pontos a favor do TOP-SP, é interessante notar uma certa semelhança da fala dos entrevistados com o discurso favorável proferido pelo governo (“é moderno”, “é tecnológico”).
Isso me levou à hipótese de que embora haja muitas reclamações sobre esse serviço, os paulistanos consideram que é um bom sistema de bilhetagem.
Com isso, podemos concluir que o empecilho à boa usabilidade se encontra em problemas de funcionalidades básicas (bugs) e suporte, os quais devem ser melhoradas urgentemente.
Enfim, com as entrevistas em profundidade, pude elaborar questões mais precisas na Survey, como veremos no capítulo a seguir.
Referências
O modo como conduzi as entrevistas foi inspirado pelos textos do NN/g e pelos livros que li até o momento, especialmente o de Steve Portigal. A seguir, indico alguns dos meus materiais de inspiração:
- Planejamento e boas práticas de entrevista: o que aprendi com “Interviewing Users”, de Steve Portigal
- When to Use Which User-Experience Research Methods (NN/g)
- ‘Our Users Are Everyone’: Designing Mass-Market Products for Large User Audiences (NN/g)
- How to use Screening Questions to Select the Right Participants for User Research (NN/g)