A essência do design: os três critérios do “efeito de design”
O presente texto é a terceira parte de meus comentários sobre o livro Court traité du design, de Stéphane Vial. Caso ainda não tenha lido a primeira e a segunda parte, recomendo que faça a leitura, pois poderá entender melhor o que será abordado a seguir. Parte I. Parte II.
Stéphane Vial aponta que não é correto dizer que tudo é design. Do mesmo modo, também é incorreto restringi-lo a tal ponto de modo a dizer que ele é desenho. Um artista desenha, mas não necessariamente faz design, por exemplo. Por isso, o autor discute qual é a essência do design, ressaltando a sua importância.
A indústria pode existir sem o design, mas o inverso não é verdade. Há serviços e produtos que são fabricados sem ter havido um processo de design.
Assim, surge a seguinte questão: como distinguir um objeto de design de um objeto industrial banal? Ou seja, qual é a essência do design? Isso leva a demarcar o que é o design e o que não é.
Parte-se do princípio de que há um lado performativo, pois “ele se diz fazendo-se, ou, melhor, tornando-se” (Vial, 2010, p. 35). O ser do design é um devir, “ser, para o design, é se produzir” (Vial, 2010, p. 35). Assim, a primeira dimensão do efeito do design é o efeito da experiência. Isso quer dizer que o design é uma experiência-a-viver.
Ou seja, ele “se vive, se prova, se experimenta. […] Onde há design, o usuário o sente imediatamente o efeito, pois sua experiência se encontra instantaneamente transformada e melhorada” (Vial, 2010, p. 36). Ele modifica a qualidade da experiência vivida. Busca-se aumentar a qualidade de experiência vivida.
Considerando essa premissa, pode-se categorizar os efeitos do design em três dimensões. Primeiro, o efeito da experiência, que passa a se chamar efeito ontofânico, explicado da seguinte maneira:
O design não faz nada mais do que modificar o regime qualitativo da experiência de existir, ou seja, de estar-presente-no-mundo, jogando sobre a maneira da qual o ser (ontos) nos aparece (phaïnô). Ele propõe intencionalmente novas ontofanias que fazem o objeto de novas experiências-a-viver. É por isso que o design não é o campo dos objetos, mas dos efeitos (Vial, 2010, p. 37).
A segunda dimensão para que haja um efeito de design, é o efeito calimórfico, entendido como “um efeito de beleza formal” (Vial, 2010, p. 37).
A terceira dimensão trata do fato de que o efeito de design sempre tem um efeito socioplástico. Ou seja, um efeito de reforma social. Isso porque “as formas que nascem do design, contrariamente àqueles que nascem da arte, têm um valor de uso, ou seja, uma utilidade material. Elas são colocadas no mercado para responder a necessidades […]” (Vial, 2010, p. 39, negritos nossos). Trata-se de uma dimensão utópica.
Esta última dimensão remete, novamente, às origens socialistas, nas quais William Morris tinha a esperança de
uma revolução social capaz de salvar o homem da miséria operária e o artista da alienação maquinária, com o objetivo de produzir um quadro de vida de qualidade para todos. Esta vontade de transformar a sociedade e de fazer advir um mundo melhor é o coração utópico do design. Ela supõe que as formas criadas pelos designers não são apenas formas plásticas, mas formas socioplásticas, ou seja, formas capazes de agir na sociedade e remodelá-la (Vial, 2010, p. 40).
Nesse sentido, “o design é sempre um ‘sócio-design’, criador de civilização, que busca trabalhar pela ‘escultura social’. É aqui, aliás, que reside seu fundamento moral” (Vial, 2010, p. 40–41).
O desafio é justamente conseguir ir além do capital, utilizando-o como o meio e não como o fim, buscando sua autenticidade nesse sentido. Enfim, melhorar a vida das pessoas, pensando de forma geral, não apenas dos produtos e mercadorias.
Por isso, design não é simplesmente “arte”. Na verdade, há diferenças relevantes entre estes dois. A arte cria um mundo interno imaginário, ela não tem limites. O design, por sua vez, não tem toda essa liberdade. Ele depende do veredito dos usuários.
Em outras palavras, o design “não trabalha apenas de seu próprio desejo (condição necessária a todo trabalho criativo), mas a partir do desejo do outro” (Vial, 2010, p. 44–45). Assim, ele não apenas tem uma responsabilidade em relação a outra pessoa, como também deve legitimar seu trabalho.
O design tenta resolver problemas, o que justifica a sua dimensão sócioplástica. Concebe-se projetos, e não obras, com intenção ao futuro. Há uma intenção de melhorar a qualidade de vida. Ele projeta um ideal.
A partir dessa ligação intrínseca entre design e projeção, Stéphane Vial defende a ideia de design thinking. Porém, não deixa de considerar que este último se vulgarizou, tornou-se uma moda, como um slogan, por puro marketing. É o que veremos no próximo texto que faz parte desse conjunto de comentários sobre o livro Court traité du design. Clique aqui para ter acesso à Parte IV.