Análises e Recomendações: Fantaspoa 2022. — P.04.

Teteus
12 min readMay 29, 2022

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Ainda falando do Fantaspoa deste ano, hoje irei comentar sobre os curtas de animação. Porém, alguns desses curtas já foram citados em outros artigos e eu não vou citar eles aqui de novo.

No texto de hoje, o foco das análises estará mais na parte estética das produções do que no conteúdo, mas claro que eu irei comentar sobre as duas coisas. Dou essa ênfase a estética, pois sou um grande fã de animações experimentais, e sempre dou uma certa prioridade para as animações do festival, justamente para assistir algo novo esteticamente.

Como sempre irei deixar o link do site do festival (aqui), e os outros artigos que escrevi dessa lista até agora (art. 01; art. 02; art. 03).

Bestia (2021) Curta-metragem — Hugo Covarrubias.

Bestia é um curta inspirado na vida de Ingrid Olderöck, uma agente da DINA, uma espécie de polícia secreta chilena que atuou durante a ditadura militar de Pinochet. A obra mostra alguns dos lados mais escuros de Ingrid: Seus assassinatos, torturas, e sua estranha relação com seu cachorro, e a tentativa de assassinato que sofreu. O curta foi nomeado ao Oscar do mesmo ano.

Bestia é uma animação do tipo stop-motion. A protagonista é feita de um material que lembra cerâmica, que remete às bonecas de porcelana, e possui uma expressão fria. Em contrapartida, os outros personagens, o cenário e seu cachorro, são feitos com texturas mais leves, o que cria um belo contraste visual para a obra.

Bestia foi uma das melhores animações que ficaram disponíveis no festival. Felizmente, ela está disponível na internet, infelizmente, porém, não de graça. Caso se interesse você pode alugá-lo ou comprá-lo pelo site da Vimeo, (link aqui), o preço de locação é de 2,20 dólares, e o de compra, 5,50 dólares. Também vou deixar aqui um artigo bem mais completo e muito interessante sobre o curta e seu processo de produção, mas que está em inglês. (link aqui).

A protagonista com sua expressão gélida, em contraste com o cão de aparência fofa.

Nuevo Rico (2020) Curta-metragem — Kristian Mercado.

Após picharem um muro, dois irmãos fogem da polícia de carro até serem encurralados. Para escaparem, eles jogam o carro da ponte e caem numa floresta, onde os policiais decidem não entrar. Nesta floresta eles tem contato com uma divindade que acaba “concedendo” aos dois, o dom e o destino de serem as duas novas grandes estrelas do reggaeton, mas o que parecia ser ótimo, se transforma em problemas quando um dos irmãos começa a se envolver com drogas.

Se você está cogitando se Nuevo Rico é uma adaptação de Porto Rico, sim, é. A história, aliás, mexe bastante com a identidade porto-riquenha. Logo no começo do curta vemos um cartaz de propaganda americana que diz que os porto-riquenhos eram importantes para eles (os americanos). É justamente este cartaz que o casal de irmãos protagonista está pixando. Além de tocar bastante no tema da identidade porto-riquenha, uma espécie de confusão entre o “ser porto-riquenho” e a influência americana, o curta tem como grande tema principal, o reggaeton, um importante estilo musical do país.

A estética da obra passa uma ideia “alucinógena” e de festas. Desenhos extremamente coloridos, luzes, cores piscando e até mesmo a mudança de cor durante as cenas, remetendo as luzes de festa. Imagens “estranhas” que intercalam com as cenas da história, e vários elementos, de diferentes técnicas de animação, que se misturam e deixam muito claro qual a proposta estética do curta, que combina perfeitamente com a obra como um todo.

Nuevo Rico está disponível no Vimeo, e de graça desta vez (link aqui), mas infelizmente não o encontrei legendado, e o curta é majoritariamente em inglês. Para quem se interessar, também irei deixar o link de um artigo em inglês com uma análise do curta (aqui), e uma entrevista, também em inglês, com o diretor do filme, Kristian Mercado (aqui).

Frame do filme: Estética Psicodélica e mistura de tipos de animação.

Medama (2021) Curta-metragem — Anna Yamamoto.

Um olho andante cai de uma árvore e começa sua longa e estranha jornada para se adequar ao mundo.

Medama (globo ocular em tradução literal) é uma daquelas produções que ficam entre o nonsense e o psicodélico, mas não chegam a ser nenhum dos dois. A história mostra um globo ocular, que ao cair de uma árvore, uma espécie de pé de globos oculares, caminha pelo mundo encontrando vários tipos de criaturas tão ou mais estranhas que nem ele. O olho age como uma espécie de “parasita” ou talvez mais como um simbionte, e tenta buscar alguma outra criatura com quem ele possa conviver. Ao final de sua jornada, após ser engolido por uma melancia, e a melancia ser comida por outra criatura, sementes são deixadas na terra e uma outra árvore de globos oculares cresce, formando uma narrativa cíclica.

Cena do filme: Criaturas estranhas em todos os lugares e o olho como um “simbionte”.

A técnica usada para a animação é stop-motion com os personagens e os cenários feitos todos de papel. Se pela própria história, Já temos o suficiente para dizer que se trata de uma produção um tanto “alucinada” (apesar da história ser bastante coerente), a técnica dos personagens em papel, deixa tudo ainda mais diferente. No final, Medama é uma produção um pouco: “Ué? O que caralhos é isso?” mas bastante divertida de se assistir justamente pela sua estranheza. Infelizmente não o encontrei disponível.

When The Moon Was Gibbous (2021) Curta-metragem — Erika Grace Strada.

When The Moon Was Gibbous é um pequeno curta metragem que mostra um local (possivelmente a lua como o próprio nome do curta indica) repleto de criaturas estranhas e colossais, com forte conotação sexual (várias delas parecem um pênis).

Esta produção está disponível tanto no Youtube como no Vimeo, e possui apenas três minutinhos, então dá uma conferida lá. A estética da obra é interessante e, apesar das criaturas parecerem pintos, elas remetem um pouco a criaturas da ficção científica, com uma pegada bastante esquisita e bizarra.

Gold is Eating People (2021) Curta-metragem — Xia Su.

Um antigo ditado chinês diz que: “Pessoas morrem por riqueza, e pássaros morrem por comida”. Nesse curta de animação, um pequeno poço de ouro é descoberto, mas a ganância pelo metal leva aqueles que o disputam a um destino infeliz.

O título deste curta: “Gold is Eating People”, diz bastante sobre o que se trata a história: da ganância. Dois ladrões descobrem um poço de ouro em um local na montanha, após serem avisados por uma criança que “o ouro estava comendo as pessoas”. Quando os ladrões chegam lá, descobrem uma pessoa que estava presa no buraco. Eles tiram a pessoa (que já estava morta se não me falhe a memória. Já faz um tempo desde o festival, estou esquecendo as histórias). Cada um dos ladrões, então, trama um plano para pegar o ouro apenas para si. Um deles ganha, e mata o outro ladrão, mas pouco tempo depois é morto pela polícia. Logo em seguida são os dois policiais que acabam morrendo. A criança, que havia primeiro alertado, corre para seu mestre avisar que o ouro estava comendo as pessoas. O mestre, que diz que a frase era apenas uma metáfora, vai até a montanha e encontra o ouro e o toma para si, dando um final bastante irônico e cômico ao curta, mostrando que ninguém está a salvo da ganância.

A parte estética do curta é bastante interessante. Ela tem como referência o teatro de sombras chinês, que usava pequenos personagens feitos de papel para contar a história. Este curta não é em preto e branco, sua arte é como se os próprios bonecos de papel fossem usados a plena luz, mostrando suas cores, texturas e tons, tão característicos da arte chinesa. O curta também faz questão de não utilizar falas, e põe os textos de fala ao lado da tela (para nós que não falamos chinês, apenas lemos a legenda embaixo).

O poço de ouro na montanha: Um ladrão mata o outro.

Para quem se interessar, vou deixar este link que contém uma pequena declaração do diretor (em inglês) e também o trailer da obra. Infelizmente não encontrei o curta na internet.

Wayback (2020) Curta-metragem — Carlos Salgado.

Um astronauta em um planeta deserto e distante, precisa voltar para casa após recolher uma rara flor. Mas seu retorno não será fácil.

Wayback tem uma estética que lembra bastantes jogos indies. Com um visual incrível e bastante bonito mas, melhor do que tentar explicar, eu posso mostrar. Infelizmente o curta não está disponível na internet, mas seu diretor, Carlos Salgado, possui um site onde disponibiliza parte de suas artes e desenhos (assim como o trailer do curta). Você pode entrar no site dele e conferir alguns desenhos da produção. Aliás, a maior parte de seus desenhos é bastante interessante e vale dar uma passada por todo o site. (Não, isso não é uma propaganda).

A flor capturada pelo astronauta.
Cena do filme:

A história mostra um astronauta tendo dificuldades para voltar para seu planeta natal. Passando por lugares perigosos do espaço, com sua nave quebrando, soltando partes e se deteriorando, até que finalmente consegue retornar. Ele leva seu achado, a flor, até o local que precisava, e no final, vemos ele novamente se preparando para mais uma viagem.

The Dark Odyssey (2021) Curta-metragem — Michael Lavine.

Um capitão e seu auxiliar pilotam uma nave espacial que transporta um perigoso passageiro. Quando a nave passa por uma área de asteroides, e é atingida, o prisioneiro escapa, e uma batalha entre ele e o capitão começa.

The Dark Odyssey é uma produção do famoso fotógrafo Michael Lavine. Neste curta, ele mistura o stop-motion com a ficção científica em um cenário bastante escuro e pesado, ao mesmo tempo com incríveis texturas e cenários.

A história mistura uma narrativa simples, ao mesmo tempo que joga frases existenciais que dá uma sensação de profundidade e horror cósmico para a narrativa. Eu particularmente, não entendi direito esta parte, mas me pareceu que os viajantes não sabiam da existência de uma entidade completamente acima deles, da qual o prisioneiro parecia saber, e da qual tentava voltar. Não apenas o prisioneiro parecia conhecer uma entidade, mas como uma verdade maior sobre a realidade, como se todas as pessoas estivessem presas em uma teia de aranha, e a própria realidade fosse a teia que prende as pessoas.

O curta não está disponível na internet, mas você pode entrar no site da produção criado pelo próprio diretor, que possui sinopses, fotos de bastidores da produção, imagens do curta, que mostram sua belíssima estética entre outras coisas. Porém o site está em inglês. Você também pode dar uma olhada na página do Instagram da produção.

Cena do filme: Incríveis texturas e um clima pesado e escuro.

Posted No Hunting (2021) Curta-metragem — Alisa Stern.

Uma câmera de um parque nacional começa a falhar. Imagens pouco claras de um animal sendo morto e de uma estranha criatura são mostradas enquanto os guardas do parque conversam para descobrir o que está acontecendo.

Posted No Hunting não possui muita coisa de novo em sua história. Trata-se de um “found-footage” baseado em uma câmera de vigilância de parque que mostra o ataque de uma criatura estranha acontecendo. O fato da história inteira se passar pelo ponto de vista da câmera, porém, é algo interessante. A inovação principal vem na parte estética, pois toda a história é feita em stop-motion.

É certo que o found-footage é um gênero um pouco saturado precisando se renovar, e é certo também que curtas-metragens, são a melhor forma de experimentação audiovisual. É o que temos aqui, mas o que fica desta produção, é que a experimentação valeu, mas não sei se é melhor continuar.

Isso não é uma crítica ao curta em si, pois ele é bom, é bem feito e bem executado, algo bacana de se ver, e como eu disse anteriormente, sou um grande fã de experimentações estéticas, especialmente em animações, mas uma história de terror deste tipo, onde o medo é causado muito pelo visual, bonecos não parecem funcionar tão bem.

Não me entenda mal, isto não é uma depreciação da obra, mas uma impressão pessoal. Para aqueles que não desanimaram com a minha review, deixo aqui uma entrevista com a diretora (em inglês) e o site da animação, que possui inúmeras fotos da produção e de bastidores.

Sina ma Tinirau (2021) Curta-metragem — Vilsoni Hereniko.

Um príncipe ganancioso (Tinirau) é transformado em uma enguia. Para poder voltar a sua forma original, ele precisa conquistar o amor da bela e jovem Sina, mas precisará passar também pelo pai e irmãos da jovem moça.

Sina ma Tinirau é uma antiga história folclórica polinésia, que conta a origem do côco. Tinirau, após ser decapitado pelos parentes de Sina, (não, não é Spoiler, isso aqui é uma lenda folclórica) diz a ela para que enterre sua cabeça. Sina cumpre a ordem de Tinirau, e do local onde Tinirau foi enterrado, nasce um coqueiro. O côco, com seus três furos, é associado a cabeça de Tinirau (dois olhos e uma boca), e a água de côco, uma fonte vital para o povo polinésio.

O curta é uma adaptação audiovisual de uma história oral. Dessas que são passadas por milênios através da oralidade. Sempre fui um grande fã desse tipo de história mitológica, e foi um prazer conhecer mais uma, feita de maneira tão bela e bem adaptada em animação.

Infelizmente não encontrei o curta disponível, apenas um site com algumas falas do diretor sobre o curta, mas aparentemente, existem mais adaptações feitas desta antiga narrativa. Talvez você possa encontrar uma delas.

Bird (2021) Curta-metragem — Wu Ching Chang.

Uma jovem com medo de pássaros, encontra uma grupo de pombos reunidos numa praça e enfrenta um ataque de pânico.

Bird é um curta de animação chinês que tem uma temática um tanto específica. A produção aborda a ornitofobia (medo de pássaros) quando somada com crises de pânico. A diretora Wu Ching Chang, inclusive, agradeceu em seu perfil do Instagram a todos que entrevistou sobre as duas condições, que lhe ajudaram a fazer esta animação.

Apesar de representar uma condição mais específica, Bird não deixa de ser menos interessante. O visual é simplesmente belíssimo (uma das minhas favoritas no quesito), e consegue representar de maneira muito interessante o que seria um ataque de pânico. Apesar de eu nunca ter passado por um, o movimento da animação, dos desenhos em um frenesi e dança de cores na tela, consegue causar uma verdadeira angustia ao espectador.

Infelizmente também não encontrei o curta disponível na internet, mas pode entrar no site da produtora Wu Ching Chang, onde ela disponibiliza algumas artes muito bonitas para serem vistas.

Como pode ter notado, neste artigo sobre animações, deixar vários links disponibilizando o trabalho dos diretores. Fiz isso, pois, como havia dito, sou um grande fã de animações experimentais, e a maioria das ilustrações que encontrei enquanto pesquisava sobre curtas me deixou bastante vislumbrado.

Na próxima semana, ainda falando do Fantaspoa, irei finalmente começar a falar sobre os longas-metragens. E por último, para encerrar o tema do Fantaspoa, farei um topo 10 das obras que citei. Espero que tenha gostado. Até mais.

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Teteus

Formado em Comunicação, aspirante a escritor e roteirista, e interessado em aleatoriedades