Relato de parto natural pélvico
#CHUPAMUNDO
Era isso que eu queria gritar quando eu peguei ele no colo, todo pequenino, mas eu só consegui falar “conseguiiimos amoooor, nós conseguimos”. A maternidade já me fez uma pessoa melhor, em outra situações eu teria lançado um #chupa pra geral. Razoável, essa sou eu, uma pessoa razoável com a chegada de Caetano.
O relato de parto é uma crônica extensa, mas eu tenho a obrigação de escrever os pormenores pra ajudar outras manas que assim como eu, irão brigar pelo seu direito de parir como bem desejarem. Recomendo leitura dinâmica desse texto prxs impacientes e para xs interessadíssimxs no assunto, escrevi sobre humanização no parto aqui, sobre a busca de bons profissionais aqui, sobre violência obstétrica aqui e sobre a minha gestação aqui. Contém leves floreios, um pouco de ficção pra dar uma temperada no humor, mas em boa parte ele é baseado nos fatos reais.
O PRÉ-NATAL
Iniciamos as consultas com um médico do convênio já sabendo que ele fazia cesáreas eletivas na 39ª semana, portanto sabíamos que mais pro final da gestação seria a hora de procurar um médico humanizado. O plano A era um parto na Casa Angela, porém fomos excluídos devido a uma medicação que eu tomo e que pode gerar desconforto respiratório em 0,5% dos bebês. Pensamos em parto domiciliar, consultamos alguns profissionais e devido a essa medicação (Ludiomil) todos recomendaram que o parto fosse hospitalar. Caetano resolveu continuar sentado desde sempre e agora estava o líquido amniótico baixo. Com 37 semanas, com orientação da doula fiz exercícios para virar, acupuntura, moxa, reza forte, outro US e continuava sentado. Com 38 semanas, uma quarta feira cheguei ao consultório do 6º médico, Dr. Braulio Zorzella que avaliou o caso e sugeriu fazermos a VCE (versão cefálica externa). No dia seguinte, quinta fomos ao Hospital Sepaco realizar o procedimento no centro cirúrgico com Dr. Braulio , Barbara Grande e Mari Noronha, e não deu certo, Caetano estava decidido a vir ao mundo de cu pra lua. Devido ao líquido bem baixo, o Dr. Braulio sugeriu que tentássemos métodos naturais de indução antes que meu útero se tornasse o deserto do Saara e Caetano tivesse que ser retirado as pressas. Novamente fiz acupuntura, moxabustão, chá na Naoli, viagens xamânicas, entre outros métodos menos dignos. A cada dois dias eu ia no PS do Hospital Sepaco para realizar cardiotoco e US. O cardiotoco estava sempre ótimo, batimentos normais, sem nenhum indício de sofrimento fetal, já o US apresentava grandes variações do ILA (índice do líquido amniótico), na maioria das vezes baixo, raramente normal e algumas vezes muito baixo, porém sem sinais de centralização da circulação fetal, o que indicaria sofrimento fetal. Supõe-se que a grande variação do ILA (baixa produção de urina do bebê) ocorreu devido a uma diminuição do funcionamento do rim, como efeito colateral do uso da medicação Ludiomil.
Com esse quadro, o protocolo do Dr. Braulio era esperar o máximo possível para que o trabalho de parto ocorresse de forma espontânea. Eu já tava com os pacovas cheio de estar grávida, do calor, do peso, do estresse emocional de ir a cada dois dias no PS e ter que enfrentar a equipe médica querendo me abrir a qualquer custo e ter que explicar que eu estava com acompanhamento médico, que o parto seria com equipe própria, que não tinha ninguém morrendo… Então, na consulta do sábado dia 11, vendo meu nível de cansaço, e já estando com mais de 40 semanas, ele me deu 3 opções: esperar mais duas semanas pelo trabalho espontâneo fazendo US e cardiotoco a cada dois dias, internar e tentar uma indução medicamentosa ou pára o mundo que eu quero descer e fazer uma cesárea. Optamos pela indução, que consistira em internar no Sepaco no domingo dia 12, montar o acampamento com banheira, bola, mala e cuia. E nessa altura meus pais já tinham vindo de Porto Alegre, porque aquele nenê ia nascer em no máximo 3 dias, por bem ou por mal.
O PRELÚDIO
Depois da consulta almocei um belo hambúrguer veggie com o Thiago, tive uma contração e fui encontrar meus pais que haviam chegado do aeroporto de Guarulhos.
- Você acha que tudo bem eu ir pro curso de meditação? Termina umas 18:30, 19.
- Sim, tudo bem, não vai acontecer nada nesse meio tempo. Lembra? Eu sou a porcentagem que não acontece nada? Quem faz descolamento de membrana e não entra em trabalho de parto? Eu. Quem faz muitas sessões de acupuntura e não acontece nada? Eu. Relaxa.
- Tá bom, qualquer coisa me liga, vou deixar no vibra.
- Na volta você passa na casa da Cris e do Thiago pra pegar a piscina inflável com eles? (Um casal de amigos que tiverem parto domiciliar)
- Pass0, avisa eles.
Encontrei com meus pais no apê que eles alugaram e contei detalhadamente sobre os planos de indução pra domingo, junto com a lua cheia, etc etc. Meus pais resolveram ir no supermercado e iam comigo até em casa por que era caminho, tudo pertinho, 2 quadras. Senti outra contração, dei uma disfarçada pra que eles não se preocupassem, afinal, era só mais uma contração. Dei mais alguns passos, outra contração, me apoiei no ponto de táxi e senti o rompimento da bolsa. Meu pai queria me enfiar num táxi e me levar pro hospital. Expliquei que íamos ficar boa parte do trabalho de parto em casa e que ia demorar bastante, que eles poderiam ficar despreocupados.
Cheguei em casa animadíssima afinal eu era capaz de entrar em trabalho de parto e esse era meu principal medo, além da cesárea. Eu estava tão feliz que ignorei todo meu planejamento e necessidade de controle, ignorei a playlist que comecei a montar desde que ele era do tamanho de um feijão, ignorei as velas, incensos, tambor xamânico e rituais que eu imaginava. Me concentrei em sentir as contrações e rir quando elas vinham de tanta felicidade que eu não me aguentava. Eu estava insuportavelmente feliz.
O GERECIAMENTO DO PROJETO
Cheguei em casa, arranquei a roupa e fui quicar na bola. Liguei pro Braulio (o médico):
17:41
- oi Braulio, acho que estourou a bolsa!
- como você tá?
- bem, com contrações leves não ritmadas, acho.
- então liga pra obstetriz e diz pra ela ir praí!
- mas já?
- já.
- monta um grupo no whats com toda equipe, você e o Thiago.
- ok
- ok
Contração
Ligação para Isabele (a obstetriz)
17:50
- Oi Isa, acho que estou em trabalho de parto, mas não tenho certeza. Braulio pediu pra eu te ligar e você vir aqui pra casa.
- Me dá uns minutos, preciso ver uma coisa.
Whatsapp
18:06: Oi Anne, estou conversando com outra parteira, vou ter que ir primeiro avaliar outra gestante. Conversei com o Braulio para a Bárbara ir. Como estão suas contrações?
18:07: Ok Isa, sem problemas. (Enviei foto do app com a marcação das contrações).
Contração
-Mãe, cadê seu celular? Entra na Play Store e baixa um aplicativo chamado Contractions
- Entra aonde?
- Me dá o celular aqui. Vou baixar um aplicativo, cada vez que começar a contração eu te aviso, você marca início, e quando terminar eu te aviso e você marca o final. Preciso ligar pra Doula!
Contração
Ligação para Mari (a doula):
17:50
- Oi Mari, é a Anne. Minha bolsa rompeu.
- Já falou com o Braulio?
- Já, ele pediu pra Obstetriz vir aqui pra casa, mas acho que não tem necessidade ainda né?
- Me manda as contrações
- Já te mando
Whatsapp com Mari:
FOTO 18:03:
18:03: Deixa eu te fazer uma pergunta muito objetiva, eu tô arrumada com a minha bolsa a postos, você gostaria que eu fosse praí ou gostaria de descansar?
18:19: Acho que é melhor você vir sabia? Porque tá bem puxado (v0z de dor), intervalo de 3 minutos, já pedi pro Thiago vir
18:19: #partiu.
Whatsapp com Thiago (o pai)
17:45: Tudo bem aí? Que horas termina?
Contração
18:05: Daqui uns 10 minutos. Tá tudo bem? Algum problema? Como você tá? Quer que eu saia já?
18:06: Tá tudo bem. Mas tô com dor, vem direto sem pegar a banheira. Meus pais estão aqui.
18:07: Não quer que pegue a banheira? Porque?
18:07: Não
18:07: UAI
18:07: Acho que não vamos precisar rs
18:07: Preocupado, quer que eu saia já? De verdade. Fala. Aqui vai até 18:30. Mas posso sair ja se falar.
Contração
18:09: Sai
Contração
18:31: 20 minutos chego
Monto o grupo conforme Braulio orientou:
18:09: Anne criou o grupo Caetano. Anne adicionou Thiago, Braulio Zorzella, Mari Noronha, Barbara Grande, Silvia Maia.
18:11: Anne: postou o endereço
18:11: Bárbara: a caminho.
18:32: Mari Noronha: chego em 20 min.
Minha mãe começou a marcar as contrações, já estavam mais doloridas, mas eu ainda conseguia falar quando começavam e terminavam. Saí do quarto e entrei no chuveiro pra aliviar a dor. Me apoiei no vaso sanitário e pensei comigo mesmo “acabou a dignidade”. Senti vontade de fazer cocô, pedi pra minha mãe me dar o mínimo de privacidade e me deixar cagar sozinha e em paz e me movi entre uma contração e outra: chuveiro-vas0-chuveiro. As pessoas ficam preocupadas indevidamente em evacuar durante o parto; um, se você vivenciar todo o trabalho de parto ativamente já vai ter cagado, e dois, na hora de parir, quando estiver no expulsivo você não vai lembrar do cocô. Resolvi voltar pra cama e saindo do chuveiro minha mãe começou a me dar um passe, e eu pensei, eu tô muito louca e ela tá incorporada, ou ela foi pra partolândia por osmose. Nunca saberemos quem chegou por ali, ela não lembra desse parte e eu tenho flashes. Enquanto isso, meu pai na sala, no andar de baixo passando nervoso perguntando se não era melhor irmos pro hospital.
Logo em seguida chegou a Mari e organizou a zona. Me ajudou a colocar a playlist do Spotify ~ plano gratuito ~ com direito a anúncio gospel. Colocou almofadas no chão, deixou o quarto mais na penumbra, me deu água, perguntou se eu queria comer algo, me deu forças, deve ter dito que tudo ia dar certo. Enquanto isso, meu pai nervoso perguntando se não era melhor irmos pro hospital (há divergências nesse ponto, algumas fontes informaram que meu pai estava mudo e minha mãe causando).
Às 18:55 chegou a Bárbara com aquela calma e tranquilidade, fez o toque e eu estava com 2 ou 3 cm de dilatação. Marcou as contrações e viu que elas não estavam regulares, apesar do curto intervalo entre elas, então fez acupuntura e me deu homeopatia de 30 em 30 minutos pra que a coisa engrenasse. Enquanto isso, meu pai nervoso perguntando se não era melhor irmos pro hospital.
Thiago chegou e eu estava de joelhos no chão, apoiada com os braços na cama, ele subiu na cama, segurou minhas mãos e fez uma piadinha que não lembramos o conteúdo mas temos a foto do momento que eu ainda tinha força pra rir.
Logo em seguida entrou mais um anúncio no Spotify, eu já tava puta, os gatos estavam causando e Thiago achou por bem, colocar a playlist DELE, com as músicas DELE pra hora em que EU fosse parir. Tocou Michael Jackson eu já lancei um “que porra é essa?”. Alguém prendeu os gatos no terraço. Enquanto isso, meu pai nervoso perguntando se não era melhor irmos pro hospital.
Fui pro chuveiro, dessa vez com a bola e com o Thiago. Senti vontade novamente de fazer cocô, pedi que a Mari e o Thiago saíssem do banheiro pra eu continuar com o que me restava de dignidade. Novamente entre uma contração e outra me movi chuveiro-vaso sanitário-chuveiro. Avisei que eu tinha terminado, Mari e Thiago voltaram. Thiago pegou um spray desodorizador e começou a borrifar no banheiro. Eu tinha vontade de dar um soco nele, bicho, fiquei puta. Devo ter xingado ele, ou pelo menos imaginado. Enquanto isso, meu pai nervoso perguntando se não era melhor irmos pro hospital.
Alguém me perguntou se eu queria comer alguma coisa, e pedi açaí. Mari desceu e explicou pros meus pais como funcionaria o trabalho de parto e aproveitou pra pedir açaí. Meu pai continuava nervoso perguntando se não era melhor irmos pro hospital. Não tinha açaí e eles foram ao supermercado.
Mari sugeriu que Thiago me fizesse uma massagem a luz de velas pra que a gente se conectasse um com o outro, então ficamos nós dois, a bola, a vela e um óleo de massagem no chuveiro. Thiago espalhou o óleo e tive uma reação alérgica bizarra, começou a coçar, arder, ficar vermelho, acendemos a luz, acabamos com o clima e eu gritava de coceira, de contração, de irritação. As contrações estavam, obviamente mais fortes e a Mari me estimulava a respirar fundo, a vocalizar aaaaaaaaaaas, imaginar a contração passando como se fosse uma onda no meu corpo, a gritar e a pensar que era “menos uma contração” pro meu filho chegar. Era o que eu precisava pra entrar na partolândia, perder o controle, virar a loca do parto.
Quando meus pais voltaram do mercado eu já tinha adentrado o mundo da partolândia, eu já tava a loca do beco, a loca do cu, gritando pra toda vizinhança ouvir, literalmente. A Mari falava pra colocar pra fora, pra gritar, segui ipsis litteris. Manas, eu gritei, mas eu gritei com vontade, resultando todos os vizinhos da vila apavorados, mais umas pessoas no portão da vila, e nas janelas das casas fora da vila.
Mari sempre atenciosa, me dava água, fazia massagem, coordenava meus pais, orientava o Thiago.
Apareceu um açaí de repente que eu nem lembrava que havia pedido, apareceu também uma vontade louca de cagar de novo, e nessa hora eu não tive força pra pedir pra ninguém sair, só pra levarem até o vaso. E foi nessa hora que a dignidade acabou, eu tava molhada, suada, cabelo grudando, Mari me dando açaí na boca, enquanto Thiago segurava minha mão e eu cagava lindamente. Melhor cena que me lembro.
A Bárbara dava uma espiada de vez em quando, quando algo acontecia, mudava o gemido, cocô, dor nova. Fez o toque lá pelas tantas, eu eternamente no chuveiro, e alegre quase gritando “ CARAMBAAAA progredimos muito! 5 cm com colo apagado e bebê descendo”. Eu mal lembro dela vindo fazer o exame, na mesma discrição que chegava já saía, me dando sensação de privacidade, quando na verdade eu tava com meus pais, 3 gatos, vizinhança, Mari e Thiago acompanhando meu nada privativo parto.
Em um determinado momento uma voz do além falou “vamos preparar pra ir pro hospital”, ela está com 6 cm de dilatação.
Aí eles começaram a tentar me organizar, eu me sentindo um bicho selvagem, e eles me trazendo roupa, eu queria ir pelada mas não conseguia falar. No fim da contração eu vestia uma peça de roupa. Tinhamos que descer a escada e parcelamos a descida em 2 ou 3 doloríssimas contrações. Quando finalmente entrei no carro, eu estava com uma regata, um short e uma fralda descartável RN no lugar da calcinha porque eu estava pingando fluídos variados. Entrei atrás com a Mari, fiquei abraçada no encosto de cabeça, Thiago dirigindo calmamente pro Sepaco. A cada buraco (São Paulo é um conjunto de buracos) eu tinha vontade de socar a tampa do porta-malas e gritar de dor. E efetivamente foi isso que aconteceu. E quando a contração parava, eu olhava pra fora e via as pessoas que estavam nos carros me olhando com cara de pavor.
Chegando no Sepaco ouvi a Mari gravar um áudio do celular no Thiago e mandar pro nosso grupo “gente, aqui ó, acho que ela está no expulsivo”. E eu tava a loca do cu pra fazer força, eu precisava desesperadamente fazer força.
O segurança do hospital chegou com uma maca, prontamente falei que não subiria nem a pau numa maca pelo simples fato que eu não conseguiria. Veio uma cadeira de rodas e deu-se início ao rally do parto. O segurança me levou correndo do térreo ao subsolo pra fazer meu cadastro. CADASTRO, ele queria que eu falasse com a atendente, desse minha carteira do plano de saúde e respondesse as tradicionais 3 perguntas que ele fazem no PS obstétrico:
-bebê parou de mexer?
-teve sangramento?
-sente alguma dor?
Dor, minha filha eu to parindo aqui nessa sua recepção em 5 minutos se você não me colocar pra dentro. Novamente o segurança saiu correndo empurrando a cadeira, batendo nas quinas, e me levou para a triagem com os médicos plantonistas. A mocinha doutora recém formada queria que eu subisse numa micro maca pra ela fazer o exame de toque. Exame de toque, minha filha, nessa maca, eu não consigo subir e não quero fazer o toque, meu médico tá chegando. A médica começa a explicar c-a-l-m-a-m-e-n-t-e que ela realmente precisava fazer o toque porque eu seria responsabilidade dela após a entrada no hospital. Ela não queria se comprometer, poderia dar uma merda gigante, tipo ele nascer no corredor do hospital. Aí alguém falou que ele estava pélvico e a filha da puta não sossegou enquanto não fez a porra do exame de toque durante a merda de uma contração de virar o cu do avesso. Enquanto eu explicava que ia ser vaginal mesmo, que meu médico e equipe estavam lá, que a doula estava junto comigo, assim como a enfermeira obstetriz e que aquilo era uma falta de respeito, uma violência obstétrica me forçarem a fazer o toque. Fez que fez, me levaram pra sala de observação (ainda fora do centro obstétrico), me colocaram numa maca, juntou uns enfermeiros pra me “ajudar” (segurar) e eu já estava sem força de lutar contra, eu já queria parir ali mesmo, o jeito das coisas se agilizarem era eu deixar a médica que tinha a idade pra ser minha sobrinha fazer a bosta do toque. Fez e tchanam quase parindo. Aí no meio desse pandevu, Dr. Braulio estava pronto nos esperando no centro obstétrico, junto com pediatra, e as vacas das enfermeiras com um blablabla que não conseguiam falar com ninguém do centro obstétrico. Não adianta o hospital ter o programa parto adequado mas não ter protocolo pra contingências de crises e emergências, uma pena.
Quando cheguei finalmente no bloco, todo mundo sumiu (pra se paramentar), eu fiquei segundos deitada numa maca e queria virar do avesso de dor, até que vi o Dr. Braulio e pedi desesperadamente pela anestesia. E ele, muito calmo falou “a gente conversou sobre anestesia, você sabe que não é possível no parto pélvico, e além disso você não quer, e saiu. E eu mentalmente pensava: eu quero, eu quero muito, quero pelo amor de deus me dá essa merda de anestesia logo.
Em poucos minutos eu estava numa sala, com o ar desligado, janelas tapadas pra não ter plateia, meia luz, numa maca, de quatro, completamente pelada, de frente pra parede. Braulio pedindo silencio, Thiago tinha posicionado a câmera pra filmar o parto, chegou a Pediatra backup da Pediatra oficial que eu não conhecia (muito menos a backup), chegou a Dra. Ana Paula Portela como médica assistente. Não lembro de nada praticamente, o que escrevo aqui é com base nas migalhas de memórias que restam e no vídeo. Eu estava completamente chapada de ocitocina, mergulhada na partolândia, completamente desconectada do mundo real. Nessa hora não lembrei dos exercícios do livro Parto Ativo, não lembrava da respiração, também esqueci dos altos índices de partos pélvico terminarem em cesárea (60%), das complicações possíveis, tudo ficou mudo, eu ouvi as coisas como se estivesse dentro da água, em câmera lenta e distante. Chegou o Dr. Braulio e falou, “tenta na próxima contração elevar o tronco e te apoiar no Thiago e na Mari”. Eu viro pra Mari e pergunto “em que fase do parto estamos?”, ela gargalhou e falou “como assim, Anne?! Ele tá nascendo!”.
A contração vem com tudo, e vem mais outra, até que comecei a fazer força e a dor passou magicamente, eu não sentia nada, eu sentia vontade rugir, de vocalizar sons guturais que vinham muito de dentro de mim, sentia uma ardência, o famoso círculo de fogo, eu lembro de falar “ai, tá ardendo”. Em 4 ou 5 contrações, 5 minutos aproximadamente ele nasceu. Primeiro a bundinha, depois os pés, assim que o pintinho saiu, esguichou o jato do primeiro xixi na Ana Paula, um welcome kit perfeito. Depois veio um bracinho, braço esquerdo ficou preso no canal vaginal junto com a cabeça, Dr. Braulio delicadamente girou, o braço caiu e mais uma contração e saiu a cabeça. Dr. Braulio aparou aquela coisinha molinha, branca e colocou na minha frente. A pediatra pegou o ambu e oxigenou ele por 30 segundos, até que ele realmente chegou e chorou de leve. No vídeo eles falavam “pega ele, você pode pegar” e por segundos eu congelei ao ver o meu filho ali. Eu tinha conseguido, peguei ele, olhei pro thiago e falei “nós conseguimos amor”. Virei, deitei na maca com a cabeceira elevada, coloquei ele no peito e aos pouquinhos ele foi procurando, me cheirando, me lambendo e em menos 30 minutos ele estava mamando.
Senti mais algumas contrações e pari a placenta que é a coisa mais linda do mundo.
Esperamos o cordão parar de pulsar pro Thiago cortar, comemoramos, tiramos selfies, tomei água, Mari contrabandeou um pão francês seco sabe-se lá de onde mas que estava delicioso, lambi a cria, chorei, beijei o Thiago, senti o maior amor do mundo ali drogada de ocitocina natural.
Fomos completamente respeitados, eu, Thiago, Caetano. Tudo foi muito bem conversado, desde o dia que fechamos a equipe (38 semanas). Ninguém me mandou empurrar, ninguém me disse a hora de fazer força, ninguém se pendurou na barriga, ninguém me deu pique, ninguém disse que era pra fazer força do jeito x ou Y, ninguém me disse nada e eu apenas sentia o que precisava fazer. O protagonismo do parto foi meu, fui assistida por profissionais incríveis enquanto eu fazia meu parto. Fui respeitada pela minha equipe e companheiro, empoderada pela doula.
Meu filho não foi aspirado, picado, vacinado, sondado, não recebeu o credé (colírio de nitrato de prata), não foi levado ao berçário, não recebeu leite artificial ou glicose. Ele foi respeitado, saiu do meu colo depois de muito tempo pra ser apenas pesado e medido, tomou vitamina K por via oral, recebeu todo o aporte de sangue da sua placenta.
Saudei a Deusa, as iabás, as forças da natureza que me permitiram a melhor experiência da vida.
Dia 11/03/2017, às 22:32, com 49 cm, 2.900 kg, no Hospital Sepaco começou a jornada de Caetano: Seja muito bem vindo, amor da vida, seja bem vindo a esse mundo louco e maravilhoso. Que seu parto influencie sua vivência nesse plano, que você espalhe o bem, o bom e o belo pelo mundo. Que você seja especial pra muitas pessoas, assim como é pra nós. Bem vindo a nossa vida, filho. Te amo.
Equipe:
Família: Anne, Thiago e Caetano
Doula: Mari Noronha
Obstetriz: Bárbara Grande
Obstetra: Dr. Braulio Zorzella
Médica assistente: Dra. Ana Paula Portela
Pediatra: Dra. Marcia Dias Zani