Do que trata Wraith: The Oblivion?

Brasil In The Darkness
Brasil na escuridão
6 min readMay 3, 2020

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“O egoísmo é um atributo importante de todo fantasma e, por tanto, não é de se admirar que os fantasmas tendam a ser pessoas problemáticas durante a vida”.

– Ármann Jakobsson, Vampires and watchmen: Categorizing the mediaeval Icelandic undead, 2011.

Wraith: the Oblivion, ou Aparição: o Oblívio, é um dos títulos do Mundo das Trevas do sistema Storyteller. Fantasmas são antagonistas de muitos filmes, mas ser um deles é uma experiência única possibilitada por esse jogo, onde você encarna uma Aparição, um fantasma amargurado e cheio de vontade de resolver seus assuntos inacabados.

Wraith: the Oblivion foi lançado pela editora White Wolf em 1994, e recebendo uma segunda edição em 1996 — mas não apresentando uma terceira edição, em vez disso, possui dois sucessores espirituais: Demônio a Queda (2002) e Orpheus (2003) com seus jogos iniciando exatamente com o último título de Wraith — O título foi cancelado com The End of Empire em 1999, sem ao menos ter um de seus livros lançado oficialmente no Brasil.

Este jogo de RPG desenvolvido por Mark Rein Hagen aborda um tema que é tabu em todas as partes do mundo, a vida após a morte, apresentando um pós-vida nada agradável e sem muitas esperanças — Um assunto que mexe com a fé e as crenças de muitas pessoas que não estão preparadas para isso — onde o mundo dos vivos já apresenta características sombrias e sem esperança, Wraith consegue criar um mundo ainda mais decadente e corrupto, onde fantasmas muito antigos exploram e escravizam as almas recém-chegadas, se isso não fosse o suficiente, as próprias almas são forjadas como moeda corrente e usadas como matéria-prima para construir cidades e todo o tipo de coisas neste lugar terrível.

Wraith é um jogo de teor sombrio e psicológico, onde o fantasma pode ver e ouvir seus entes queridos, mas não pode interagir com eles, desejando muito confortar sua viúva, ajudar seu filho que está sofrendo bullying na escola, impedir que seu vizinho pedófilo se aproxime de sua filha de oito anos e incapaz de fazer algo. Ao mesmo tempo em que seu lado sombrio busca convencê-lo a deixar tudo para trás ou aceitar o ódio em seu coração e intervir no mundo do qual você não faz mais parte, pagando um “pequeno” preço.

Com toda a certeza um jogo adulto, sobre desapego, onde você se depara com o sentimento de ser alguém que ainda tinha muito a oferecer ao mundo e ao mesmo tempo, ver que sua morte não mudou esse mundo em quase nada, e aceitar que é você quem precisa seguir em frente. E, como se tudo ainda não fosse o bastante, o Submundo além da Mortalha, onde habitam as Aparições, ainda abriga os lugares mais nefastos do Mundo das Trevas, locais como a Tempestade e o Labirinto.

A Tempestade é a manifestação tangível dos pesadelos, sofrimentos, medos, angustias, frustrações e todos os piores sentimentos em um terrível e perigoso turbilhão que despedaça os fantasmas que tem o desprazer que cair neste lugar e que materializa tudo o que sua alma escondia em vida.

O Labirinto é ainda pior, povoado por fantasmas que sucumbiram a suas Sombras e se tornaram criaturas demoníacas, que lembram vagamente os humanos que foram um dia, ou ainda seres mais antigos que jamais estiveram vivos. Este lugar é o que muitos chamariam de inferno, onde seus piores pesadelos se tornam reais e os Espectros judiam dos desafortunados que caem em suas mãos — muito fortemente inspirado em obras como Hellraiser e os terríveis Cenobitas — Os Espectros são uma legião de fantasmas sinistros, sem vontade própria, comandados por algo ainda pior, os Não-Nascidos e os Malfeanos.

A ambientação de Wraith preza pelo teor psicológico e seu sistema reflete isso, com seus aspectos únicos: Sombra, Paixões e Grilhões.

As Sombras são o lado amargurado da Aparição, representando suas frustrações, medos e arrependimentos. Ela funciona como um tipo de lado sombrio, aquele “diabinho” que fala no seu ouvido para fazer algo que você sabe que é errado, mas, mesmo assim, a tentação de fazê-lo é muito grande, ou até impossível de evitar. Para um vivo esse “sussurro” pode parecer com um instinto, mas para a Wraith ela é bem real, uma voz que fala na sua mente e tenta tomar seu lugar. Criando assim, uma guerra interna entre o Personagem e sua Sombra, se essa vencer o a Aparição vira um Espectro. Essa batalha é travada comparando a Força de Vontade do Personagem contra a Angst da Sombra, este é um medidor de quão forte é a influência da Sombra sobre o Personagem.

As Paixões representam os apegos emocionais da Aparição, o que ela gostava de fazer em vida e o que a deixava feliz. Agora ela não tem mais como viver suas Paixões, ela parasita os sentimentos dos que ainda estão vivos, sugando essas emoções em forma de Pathos — Esta é a energia que possibilita o Wraith ativar seus poderes, os Arcanoi. As Paixões são escolhidas de forma bem particular pelo jogador, que pode deixá-las o mais personalizado possível, o Narrador deve aproveitar isso para dar uma carga emocional ainda maior para suas aventuras.

Os Grilhões são as ligações físicas com o Mundo dos Vivos, como coisas que apresentam muita importância para o fantasma ou ajuda os vivos a lembrá-lo. Um Grilhão pode ser qualquer coisa, ou até os próprios vivos que lhe eram mais importantes, como filhos e esposa — no filme Ghost do outro lado da vida podemos exemplificar a namorada do personagem principal como seu grilhão, devido ao apego que ele tem por ela — uma vez que uma Aparição perde seus Grilhões ela fica impossibilitada de se aproximar do Mundo dos Vivos, e estará a um passo do Oblivío.

O Oblívio é também chamado de Esquecimento, este é o destino final de tudo que existe, ele é a inexistência, o vazio após o fim, a maioria dos mortos seguem seu caminho natural e vão para o Oblívio e são esquecidas. Mas as Aparições se agarram aos seus Grilhões e Paixões e se recusam a aceitar o fim, colocando-se em um estado intermediário entre a vida que possuíam e o esquecimento. Uma existência sofrida em um Purgatório, onde os primeiros fantasmas iniciaram formas de deixar esse lugar mais confortável possível, criando assim seus “oásis” de ferro, os Reinos Sombrios.

Esses Reinos foram criados na Tempestade para abrigar as Aparições e protegê-las dos rigores do Submundo e dos Espectros que tentam arrastá-los para o Labirinto. Estas Necrópoles foram criadas de materiais encontrados na Tempestade e de Aço Estigiano, forjado a partir das almas dos mortos, o que é bem cruel, pois condena os fantasmas a uma existência fragmentada e sem esperança, mas em tempos difíceis escolhas difíceis devem ser tomadas, e essa foi a forma que os Senhores da Morte, comandados por Charon (Caronte), conseguiram para garantir a matéria-prima que assegura a sobrevivência das Aparições, uma espécie de canibalismo profano em que algumas almas condenadas são forjadas e reduzidas à matéria-prima necessária para a sobrevivência das demais. O maior de todos é o Reino Sombrio de Ferro, provavelmente um dos primeiros, forjado aos moldes de grandes impérios do mundo dos vivos, como: Roma, Grécia, Babilônia.

Charon é uma figura misteriosa e de grande poder no cenário, aconselhado pela Dama do Destino, uma figura ainda mais misteriosa, ele é o Barqueiro mais antigo, criador da Ordem dos Barqueiros, fundador da Necrópole de Estígia e senhor dos Senhores da Morte. Uma figura controversa e de imenso poder. Governou o mundo dos mortos e criou suas leis para impedir abusos dos fantasmas no mundo dos vivos. Na estória de Wraith ele está desaparecido desde a queda da bomba atômica no final da segunda guerra mundial. Sem seu comando os Senhores da Morte viram uma oportunidade de atender seus próprios interesses e esse pensamento foi compartilhado por rebeldes que não tinham coragem de se opor a Charon e a sua conselheira “onisciente”, mas sem eles presentes…

O ressurgimento do Mundo das Trevas, com as edições de 20 anos, também marca o retorno de Wraith: the Oblivion, que mereceu uma edição que compila e atualiza todo o material já produzido para o título nos moldes das demais edições de 20 anos. “O que está morto não pode morrer, mas volta a se erguer, mais duro e mais forte”.

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