A inteligência artificial e o novo papel do designer na sociedade em rede. (Parte 3 de 4)

Bruno Lorenz
7 min readJan 3, 2019

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por Bruno Lorenz e Carlo Franzato

Essa é a terceira parte de um artigo que busca refletir sobre o impacto da Inteligência Artificial no processo de design. Você pode ler a introdução sobre o assunto clicando aqui, e a parte anterior do ensaio, clicando aqui.

Exemplos da influência da I.A. no Design

The Next Rembrandt, busca captar a essência das obras do pintor holandês Rembrandt van Rijn (1606–1669) para produzir um novo quadro do artista (ou no estilo deste) a partir das tecnologias informacionais disponíveis atualmente.

Explica o site do projeto:

Para replicar o seu estilo, projetamos um programa que consegue entender Rembrandt baseado no uso que o artista fez de geometria, composição e materiais de pintura. Um algoritmo de reconhecimento facial identificou e classificou os padrões geométricos mais comuns utilizados por Rembrandt para pintar “human features”. Esse aprendizado sobre os princípios foram utilizados para replicar o estilo do artista e desenvolver novas “facial features” para nossa obra.

Em outras palavras: um software foi projetado para compreender os pormenores do estilo de Rembrandt, analisando a geometria, a composição e os materiais de cada uma das 346 obras do pintor armazenadas pelo programa. Posteriormente, um algoritmo de análise facial identificou os padrões das faces presentes nas obras, levando em consideração 60 diferentes pontos na imagem, que indicaram quais eram as características comuns de um olho, uma boca ou um nariz típico pintado pelo artista. A partir dessas análises, uma obra inédita foi criada pelo software, sendo posteriormente impressa em uma impressora 3D que simulava as pinceladas de Rembrandt (Figura 1). Ou seja, da enorme quantidade de informações armazenadas e processadas pelos algoritmos desta interface, foi possível, de certa maneira, subjugar a noção linear de tempo e reviver o autor na contemporaneidade.

Figura 1: As pinturas analisadas (esq.) e a nova pintura gerada (dir.)

Não nos interessa aqui, discutir noções de arte e design (o que é arte? Design é arte aplicada? O quanto há de arte no design?, etc.). Queremos aqui traçar um paralelo entre os movimentos do algoritmo para desenvolver uma nova pintura e movimentos necessários para construir uma nova assinatura visual (logotipo), que entendemos como semelhantes em certos aspectos.

A mesma lógica aplicada às pinturas de Rembrandt, poderia ser utilizada em um software que pesquisa e analisa todas as identidades visuais projetadas por Paula Scher, da Tátil Design de Ideias ou de qualquer designer ou escritório de design com um portfólio consagrado, e sintetizar tais análises em novas propostas baseadas nos parâmetros definidos a partir dessas identidades.

Em certa medida, é o que propõe Lucien Ng, em Artificium:

O designer se utiliza de uma linguagem de design crítico e especulativo (Dunne; Raby, 2013) para apresentar um comercial que argumenta que designers gráficos custam tempo e dinheiro às empresas: dois problemas que poderiam ser resolvidos por um software de automação do processo de projeto. Partindo do pressuposto de que uma inteligência artificial seria capaz de catalogar, acessar e analisar um número gigantesco de referências de diferentes designers consagrados, o software seria capaz de criar peças de comunicação — tais como sites, papelarias e afins — a partir de uma simples definição de determinados parâmetros, como uso de paletas de cores ou de elementos fotográficos específicos que devem estar presentes nas peças.

Por mais que ambos os projetos pareçam voltados ao campo da especulação e de um futuro distante, esses movimentos já se manifestam em produtos disponíveis no mercado (ainda que, claro, não alcancem a complexidade de propostas como Artificium) oferecendo, por exemplo, a criação de logotipos auxiliada pela inteligência artificial.

Sites como Logopony, Logojoy e Logo, por exemplo, disponibilizam serviços onde qualquer indivíduo pode projetar um logotipo sem o mínimo conhecimento em softwares gráficos. Com uma linguagem acessível e uma interface que dispensa a necessidade de conhecimentos relacionados às técnicas do design gráfico, o cliente informa o nome de sua empresa e o slogan desejado, além de cores e estilos que mais gosta. A partir desses parâmetros, o sistema sugere uma grande quantidade de opções, que podem ser escolhidas pelo cliente e, mediante pagamento, utilizadas na confecção de diferentes materiais gráficos.

A inteligência artificial nesses sites parece estar presente apenas no discurso de venda do produto: mesmo sem acesso ao código fonte de tais sistemas, é possível inferir que os movimentos executados pelos softwares são de pura aleatoriedade que, ao entregar um grande volume de alternativas, se traveste de uma rede neural aparentemente inteligente. No entanto, apesar da ausência da inteligência e do raciocínio artificial, é preciso encarar o fato de que certos aspectos do serviço de um designer gráfico se resumem, justamente, a uma série de movimentos generativos e ambíguos que o algoritmo pode facilmente absorver.

É importante destacar novamente: não estamos aqui discutindo ou comparando particularidades da arte e do design gráfico. Tal abordagem seria incorrer em uma simplificação rasteira de ambas as atividades que não seria positiva para nossa arguição.

O que se busca discutir com tais exemplos é uma aparente capacidade criativa da máquina em algo que, por si só, não é criativo em essência: quando uma obra criada por uma máquina se confunde com uma obra criada por um humano, aos olhos de um público que não está familiarizado com as técnicas da pintura, por exemplo, emerge aí uma problemática importante que pode ser transposta para o design gráfico.

Quando um cliente (o dono de uma padaria, por exemplo), não consegue distinguir uma identidade visual desenvolvida por um designer de carne osso de uma das inúmeras identidades desenvolvidas pelos parâmetros dos sites que apresentamos, essa é uma nova dinâmica que impacta diretamente no dia a dia de designers e escritórios que design que lidam com o desenvolvimento de projetos gráficos bidimensionais. Independente de ser criativa ou não, podemos dizer que a máquina torna-se uma espécie de concorrente.

Nesse sentido, percebe-se que a etapa de geração de alternativas é muito afetada pela emergência do algoritmo. Com parâmetros bem estruturados, a capacidade generativa da máquina é imensamente superior à capacidade humana — tanto em relação ao tempo de desenvolvimento de propostas, quanto em quantidades de propostas sugeridas. Se são de pior ou melhor qualidade, é de uma ordem subjetiva que não nos interessa discutir aqui. O que se desenha, assim, é que, em um processo de projeto que se resume a pesquisa, análise, síntese e produção, o designer parece não estar mais a salvo em nenhuma dessas — ele recolhe-se vagarosamente na paliçada.

Ao mesmo tempo, contudo, tal movimento do algoritmo passa a abrir portas que antes eram inimagináveis.

A primeira dessas oportunidades diz respeito ao co-design, que Sanders e Stappers (2008) definem como os processos de projeto que envolvem, além do designer, usuários não treinados em design. Aqui, estendemos esse conceito para um trabalho conjunto entre designer e máquina, sendo o designer um agente reflexivo enquanto a máquina é um agente generativo.

Tomemos como exemplo a escolha da fonte em um projeto de identidade visual: caso o designer deseje um logotipo que comunique leveza e delicadeza, precisará encontrar uma tipografia que comunique tais atributos. O que antes demandaria um trabalho manual de busca e análise em bibliotecas de fontes, hoje poderia se resumir ao designer informar a uma I.A. quais são as características desejadas (leveza, delicadeza, sobriedade, etc.) e então tomar a decisão a partir dos resultados retornados pelo sistema. Assim, caberia ao designer preocupar-se com os aspectos estratégicos e subjetivos do projeto, além de ser responsável pela escolha da alternativa que melhor atende às demandas do projeto, a partir daquelas sugeridas pelo algoritmo.

A segunda oportunidade diz respeito ao deslocamento a nível metaprojetual — o metadesign. O metadesign pode ser entendido como um pensamento crítico e reflexivo sobre o escopo e os limites da própria atividade projetual (Giaccardi, 2005), que lida com problemas capciosos, abraça a reflexão e entende o design como um processo colaborativo (Giaccardi; Fischer, 2008). Desse modo, o papel do designer estaria centrado no desenvolvimento de estratégias efetivas para criação de soluções, e não mais nos movimentos de materialização das mesmas. Ao invés de investir horas de trabalho gerando alternativas que respondam a um problema proposto, o designer deve dedicar-se a estruturar e refletir sobre os parâmetros às quais a inteligência artificial precisa se ater para gerar as alternativas, prestando atenção, por exemplo, às perspectivas éticas, filosóficas e ambientais de tais parâmetros.

Em um terceiro movimento, o designer, além de definir os parâmetros, desenha também sistemas que auxiliem não designers a serem designers. Para De Mul, o designer, frente a esse novo paradigma, não deve restringir sua atividade ao simples desenvolvimento de artefatos materiais e imateriais. Deve ir além e tornar-se um metadesigner, responsável por projetar sistemas e interfaces amigáveis que permitam àqueles desprovidos de experiência projetual a serem designers (De Mul, 2011, p.36):

[o designer] se torna um metadesigner, projetando espaços multidimensionais que oferecem uma interface amigável ao usuário, permitindo a este último tornar-se um co-designer, mesmo quando esse usuário não possui experiência em projeto ou não possui tempo o suficiente para se tornar um designer através de tentativa e erro.

Os exemplos de serviços de criação de logos, se encaixam nessa lógica. O designer então deixa de se preocupar com a “concorrência” da máquina e se foca no desenvolvimento de plataformas que atendam as necessidades de seus usuários, sem prescindir da ética e da inovação. Novamente, percebe-se o papel estratégico e sensível do designer, que deixa de se preocupar com aspectos técnicos para estender as capacidades projetivas para além de seus próprios domínios, considerando também aqueles que não possuem habilidades de projeto a criarem o mundo artificial.

Essas são, enfim, algumas das oportunidades reveladas pelo avanço da inteligência artificial na atividade projetual. No próximo (e último texto dessa série), apresentamos as considerações finais, refletindo sobre o papel do designer frente a esse novo paradigma que se apresenta.

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Bruno Lorenz

Designer, Mestre em Design Estratégico e entusiasta de futuros possíveis.