Precisamos de Candidaturas Independentes no Brasil…

Caio Tendolini
6 min readOct 5, 2017

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Desde que existe Política existe um chamado para que as pessoas a ocupem. Esse é um movimento cíclico, que ora se acalma, ora se intensifica. E fica evidente que hoje vivemos um momento onde esse chamado vem se intensificando, no Brasil e no Mundo.

Já está claro que vivemos uma crise de representação crescente. É visível que a classe política não está conseguindo reagir. Mas, acima de tudo, vemos que a cidadania, a cultura, a economia, o meio ambiente e a sociedade brasileira estão pedindo ajuda.

E não é ajuda dos que já tentaram antes, da geração passada, com todos seus sucessos e fracassos. É uma ajuda de quem até agora achou que não precisava, que tudo daria certo, que eles se encarregariam.

É um chamado geracional.

Ao perceber que eles não estão se encarregando e que, pelo contrário, parece que estão absolutamente perdidos em seus próprios umbigos, a nossa geração vem aceitando a convocação.

A Bancada Ativista, o Muitxs, o Agora, o Brasil 21, A Frente Favela Brasil e o Acredito são algumas das iniciativas que surgem a partir desse chamado.

Mas o que isso tem de novo?

A primeira coisa é que esses não são movimentos com uma pauta específica, mas sim de uma ação específica — ocupar a política. Essas iniciativas não chegam à conclusão que precisam entrar para a política institucional, partem dela.

Tampouco surgem para eleger alguém que defenda nossos interesses, mas sim para nos elegermos.

E tradicionalmente, existe apenas um lugar onde isso é possível: o partido político. Mas a realidade hoje é tal que os partidos políticos, mesmo sendo necessários para a democracia, parecem não ser suficientes.

Isso não é uma criminalização dos partidos políticos, mas sim uma constatação de suas limitações. Os partidos são essenciais para o bom funcionamento da democracia, sem dúvida. Mas é inquestionável que cada vez menos eles convencem as pessoas do que realmente importa — de que são capazes de fazer alguma transformação real.

E o surgimento desses novos movimentos comprova que muitos dos que estão reagindo a essa convocação para ocupar a política não vêem nos partidos um caminho possível. Pelo menos não na forma como funcionam hoje.

O problema é que, pela nossa legislação, ou você está num partido ou você não pode se candidatar. Por mais que estas iniciativas surjam de fora de partidos, em algum momento terão — por força da lei — que entrar para eles.

fonte: http://www.politize.com.br/candidaturas-avulsas-por-que-sao-proibidas/

E isso é um problema. As iniciativas mais potentes de transformação que temos visto fazer contraponto a este mundo de Temers e Trumps — na Espanha, no México, no Chile — atuam em um sistema político que permite candidaturas independentes, ou seja, candidaturas que não requerem uma filiação ou vínculo partidário.

É claro que candidaturas independentes não são uma solução final para o problema político e democrático enfrentado no Brasil ou no mundo — atire a primeira pedra quem ousa afirmar que a tem — mas sim uma brecha que se abre e que permite inovação e renovação.

Um caso exemplar disso é o WikiPolítica no México, um coletivo político que em 2015 lançou duas candidaturas para deputado distrital com campanhas de baixo custo, alto engajamento, e intensa experimentação. O resultado contradiz o que conhecemos. Com pouco dinheiro e nenhum respaldo dos partidos políticos, eles conseguiram uma cadeira vencendo candidatos de partidos tradicionais e com estruturas de campanha até 5 vezes maiores.

Desde então, Pedro Kumamoto, deputado distrital independente em Jalisco, está realizando um mandato altamente inovador (fazendo de uma forma diferente) e transformador (tendo impacto real)—entre outras coisas, renunciou 70% de seu salário, transformando em um fundo para projetos da sociedade civil; justifica publicamente todos seus votos; faz prestações de conta em praças públicas e é o articulador de um projeto nacional para atrelar o recurso público direcionado a partidos ao voto popular.

E hoje, depois de quase dois anos de mandato, o WikiPolítica discute sobre a importância de se ter uma agremiação política mais ampla, ou seja, a importância de um partido político.

Mas então o candidato independente agora quer fazer parte de um partido pois percebeu que sem isso fica difícil avançar?

Sim.

Mas ele só entrou, só inovou, só transformou e só chegou a essa conclusão porque havia a possibilidade de se candidatar sem partido.

Quantos potenciais Kumamotos temos no Brasil? Quantos deles estão esperando "na fila" de algum partido? Quantos desistiram da política porque não aguentaram a lógica exaustiva dos partido?

Quanto estamos desperdiçando uma geração inteira — na direita e na esquerda, progressistas ou conservadores — por estarmos reféns do monopólio dos partidos políticos?

As críticas às candidaturas independentes

1-Candidaturas independentes podem favorecer aventureiros
O argumento é que ao liberar candidaturas independentes, pessoas sem compromisso público, auto-interessadas, ou basicamente sem noção poderiam entrar na política.

2-Candidaturas independentes podem favorecer grupos como o crime organizado e a setores fundamentalistas da igreja evangélica
Aqui o ponto é que grupos que tem alta capacidade de mobilização de votos e de levantar recursos ganhariam força na política.

3-Candidaturas independentes podem fragilizar a governabilidade
A questão aqui é o fato que reformas e medidas a serem discutidas no e com o Poder Legislativo se dificultariam por não conseguir mais negociar apenas com lideranças partidárias.

4-Candidaturas independentes podem fragilizar os partidos políticos
O argumento é que os partidos políticos, que já estão enfraquecidos, perderiam ainda mais força frente à sociedade, inclusive correndo o risco de deixarem de existir.

Mais do que responder aqui a cada um desses pontos, deixo a seguinte provocação: Qual desses problemas já não é real?

A verdade é que hoje os partidos são as instituições que o cidadão menos confia; que o modelo de governabilidade atual está falido (salve, Cunha!); que o crime organizado e a bancada fundamentalista já operam inclusive dentro de partidos (salve, Bolsonaro!); e que os aventureiros já são uma realidade (salve, Dória!).

Mas é claro que o argumento para defender as candidaturas independentes no modelo de listas cívicas não é “tanto faz, já está tudo perdido mesmo”. A defesa é feita na possibilidade construção de outras formas de organização, disputa e construção política.

O experimentalismo eleitoral está aqui.

Ao longo do ano estamos vendo surgir diversas iniciativas de jovens convocando jovens para ocupar a política. Em abril de 2018, todas os que perdurarem os desafios da construção política coletiva terão que se filiar a algum partido, e seguir uma regra de jogo que não está preparada para eles. Chegarão aos portões do Museu da Política. Serão empurrados nas mãos da política deles.

Que dirão chega de brincadeira, faça deste jeito, em tempos de lava jato.
Que dirão aguarde sua vez, enquanto vemos o país desmoronar aos pés daqueles cuja vez já chegou faz tempo.
Que dirão não pode, quando tudo o que queremos é poder fazer.

Por isso precisamos de candidaturas independentes.

Permitir candidaturas independentes, bem formuladas a ponto de serem viáveis e competitivas (e aqui existe uma boa discussão), é uma mudança essencial para não perdermos esta geração para o ostracismo dos partidos políticos atuais. É ousar abrir uma fresta quando tudo o que vemos à frente é muro. É promover a oxigenação de um sistema político que não apenas está afundando, mas que parece querer levar todo o país consigo.

Esta não é uma medida que favorece alguma ideologia ou visão de mundo específica, mas sim algo que abre uma brecha em um sistema que está cada vez mais fechado.

Qualquer pessoa que se sente convocada para ocupar a política, qualquer iniciativa que tem ou surge com essa vontade deveria conhecer, entender e lutar pela possibilidade de candidaturas independentes.

Sem elas não conseguiremos entrar.

Se não entrarmos, estamos fadados a assistir imobilizados enquanto a nossa elite política destrói nosso futuro.

*Na minha opinião, candidaturas independentes são necessárias, mas não suficientes. Pra mitigar seus riscos, temos que adotar um modelo que fomente a coletividade e não o individualismo — o de listas cívicas. O próximo texto é sobre listas cívicas — um formato que já existe em outros países e que fomenta a agrupação de candidatos independentes.

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Caio Tendolini

Amante de projetos colaborativos que geram impacto positivo na sociedade. @update-politics