As novas torcidas conseguirão des-manifestochizar a seleção brasileira?

Cesar Cardoso
3 min readJun 22, 2018

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Esta década tem sido bem ruim para a Seleção Brasileira: começando com a decisão da CBF de fazer a equipe ter Londres como sua casa, passando por uma Copa do Mundo em que o 7x1 das torcidas estrangeiras na gentrificação do torcedor brasileiro foi talvez mais humilhante que o 7x1 do Mineirão, com passagem pela transformação da camisa amarela em uniforme do processo de Abril de 2016 e culminando com o carnaval da Tuiuti de 2018, em que a Seleção virou “o time dos manifestoches”. Nem a algazarra carioca na Olimpíada, nem os resultados sob Tite, nem a geração que se desenha para esta e a próxima Copa, nada parece mudar o fato que uma parte bem considerável da população espera uma eliminação da seleção para comemorar a derrota do time da CBF (que, aliás, fez questão de afastar os jogadores da torcida e do país durante o período de preparação para a Copa de 2018), do time dos manifestoches, do time da Rede Globo, do time de Galvão Bueno.

Mas o torcedor, esse sim, o torcedor sempre resistiu e resiste; e um impacto importante acabou gerando o caldo de cultura para que surgisse uma torcida da seleção brasileira.

Las hinchadas

Nos últimos 15 anos, ficou mais fácil acompanhar pela televisão o futebol jogado nos outros países do continente sul-americano. Também ficou mais fácil para o torcedor brasileiro viajar para os outros países do continente e para os torcedores de outros países viajarem para o Brasil.

Não que o contato não houvesse em outros tempos; a diferença é que, agora, na era das redes sociais e do Youtube, é muito mais fácil ver as festas que as torcidas qué hablan fazem… e que as torcidas brasileiras não fazem ou, pior, são impedidas de fazer por polícias e procuradorias país afora.

Inevitável que estas hinchadas acabassem impactando não só nos clubes, onde deu origem a todo o movimento das barras (Geral do Grêmio, Guarda Popular, Guerreiros do Almirante etc) que renovou cantos e jeitos das torcidas, mas também na seleção brasileira, gerando torcidas específicas para a seleção brasileira, com um novo torcedor além do “viajante de férias” quando a seleção vai para alguma competição internacional.

CHURRASCO E VINHO. Precisa de mais?

Rumo ao protagonismo

Não que tenham surgido ontem; a torcida mais conhecida nas músicas, o pessimamente nomeado Movimento Verde-Amarelo, surgiu em 2008 como reação ao impacto desta facilidade de contato e conhecimento, conforme sabemos nesta matéria da ESPN.

“A gente estava insatisfeito, como todo brasileiro. Ver todas as outras torcidas cantando, com faixa, e a gente nada. Todo mundo indo para arquibancada sem ter nada para cantar. A gente juntou um timinho e falou vamos fazer uma coisa diferente? Surgiu uma torcida do Brasil”, conta Saulo Mendonça (um dos fundadores da torcida).

O primeiro grande sucesso, a Mil Gols, surgiu na Copa de 2010, mas estourou mesmo na Copa de 2014, salvando minimamente a torcida da insossa “sou brasileiro com muito amor” e dos cantos inventados por patrocinadores.

“MIL GOLS, MIL GOLS, MIL GOLS…”

Nesta Copa de 2018, a nova música “Único Penta é o Brasilzão”, que faz com que qualquer pessoa que já sentou num concreto de arquibancada, seja fisicamente, seja espiritualmente, seja até em alguma vida passada, fique com vontade instantânea de tirar a camisa e sair pulando loucamente e girando a vestimenta no ritmo do cântico.

Como toda boa música de barra, gruda no ouvido e domina seu corpo e sua alma.

E tem essa recepção em São Petersburgo. Só faltou mais pirotecnia, mas tendo em vista que a FIFA já começou a afrouxar o “sem fogos”, acho que em 2022 teremos alguma “rua de fogo” brazuca no Catar.

PIROTECNIA NÃO É CRIME, FIFA!

A pergunta que se faz

Vai adiantar?

Não sei se uma década de afastamento da seleção da sua casa e de captura da camisa amarela por grupos políticos vai ser revertida com as torcidas Movimento Verde-Amarelo, Torcida Canarinho, Núcleo-BR e outras que certamente surgirão.

No entanto, da mesma maneira que a gentrificação dos estádios e o “novo jeito de torcer” com o torcedor-consumidor-assistente foi paralisada (mas ainda não revertida, infelizmente) desde as Olimpíadas do Rio, acredito que o surgimento das torcidas organizadas e barras da seleção brasileira vai indicar o caminho para trazer a seleção de volta para o Brasil e devolver a camisa mais decorada do futebol mundial de volta à mão de todos os brasileiros.

De bônus, ainda contam uma história do torcedor brasileiro na Copa melhor do que assediadores de mulheres.

Só os trapos, o cântico e a energia das arquibancadas salvam.

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