Futuro para quem precisa de futuro

Cesar Cardoso
5 min readDec 15, 2022

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A derrota nos pênaltis para a Croácia encerrou não apenas a Copa de 2022, mas também toda uma década de maus-tratos à instituição Seleção Brasileira. A camisa mais importante do futebol vai para o próximo ciclo mundialista desmoralizada, emporcalhada… mas com uma luz no fim do túnel.

(Pouco mais de) uma década a limpo

Já falamos aqui o quanto os três últimos ciclos de Copa (2010–2014, 2014–2018 e 2018–2022) foram terríveis para a Seleção, mas precisamos relembrar.

Thiago Silva chorando na Copa de 2014: o símbolo de uma geração que passa sem deixar marcas

Em termos de futebol, o comando por uma geração de jogadores que nunca tiveram a força mental e a estabilidade psicológica (e talvez o futebol) necessárias para vestir a camisa amarela, que nunca teve destaque no mundo do futebol, que se acostumou a derrotas e mais derrotas em todos os graus de derrotas possíveis, coroados com uma derrota ridícula contra a Croácia causada, criada e estrelada por eles mesmos. Uma geração que, assim podemos chamar, fracassada.

(Aqui, precisamos ser justos: esta geração que chamei de fracassada no parágrafo anterior foi vítima de uma “intervenção militar” da CBF na Seleção brasileira, que, em pânico pela sua incapacidade de impedir o festival de caos, oba-oba, desinteresse e desleixo que foi a seleção que foi à Copa de 2006 — esta mesmo, que a turma do danone-resenha-raiz por algum motivo que foge à compreensão endeusa — mudou tudo para a Copa de 2010: jogadores, maneira de jogar e criação de uma “escola cívico-militar” com Dunga de diretor. Foi jogada numa Copa do Mundo, em um regime militar, completamente sem referências, mentores e nortes. Cortes drásticos nunca funcionam, e só servem para destruir — ou, neste caso, acelerar a destruição — de gerações futebolísticas.)

Em termos de torcida, começamos com a rejeição ao Brasil e ao torcedor entre 2010 e 2012, passamos pelo “novo jeito de torcer” entre 2013 e 2016, passamos pelo momento em que acreditávamos nas torcidas da seleção entre 2016 e 2019, passamos pela pandemia e chegamos no momento confuso em que se encontra em 2022. O resultado é que, em jogo da Seleção, o torcedor mesmo, de verdade, que conhece estádio, fica vendo pela televisão; quem vai, vai para fazer fotos e vídeos, e mal e mal conhece as músicas que se cantam.

Em termos de relação com o país, ajudados pela decisão da CBF de rejeitar o Brasil e os brasileiros entre 2010 e 2012, a Seleção foi rapidamente capturada e aparelhada pelo movimento golpista que surgiu em 2013, alcançou o poder no golpe parlamentar de abril de 2016 e chegou ao ápice no governo de extrema-direita entre 2018 e 2022; a camisa amarela se tornou o uniforme oficial dos “patriotas” — golpistas, fascistas, neopentecostais-fundamentalistas-cristãos, ou alguma combinação desses três grupos — e, portanto, dando o direito a quem não pertence a algum desses grupos de simplesmente torcer pela Seleção na Copa única e exclusivamente pelos feriados, pouco se importando com o resto.

A última foto de Neymar em Copa do Mundo? Com a camisa da seleção?

A pior década da história da Seleção terminou, em 9 de dezembro de 2022, de maneira ridícula, com a geração fracassada, os torcedores-de-stories e os “patriotas” destruindo uma das únicas instituições nacionais que definiam o Brasil como um país, e não como uma extensão da Coroa portuguesa ou invenção do positivismo militar.

A reconstrução do mundo pelos millenials

No entanto, eppur si muove; uma nova geração, nascida em torno de 2000, chegou à Seleção pedindo passagem. Jogadores como Vini Jr, Rodrygo, Antony, Gabriel Martinelli, Lucas Paquetá e Richarlison apareceram meteoricamente no futebol brasileiro, indo rapidamente para a Europa e lá conseguindo protagonismo nos seus clubes (coisa que, com a exceção de Neymar, a geração anterior não conseguiu).

Richarlison é um dos jogadores que terão a responsabilidade de reconstruir o mundo a partir de 2026

Trazer esta geração millenial para o centro da Seleção após a vitória olímpica de 2021, que foi o grande acerto de Tite no ciclo entre 2018 e 2022, trouxe, também, uma geração jovem, de torcedores, que se identificam com eles, para o lado da Seleção — mesmo que, sem exceção, todos eles saiam praticamente sem jogarem no Brasil (que é uma questão estrutural do atual estágio de globalização do futebol de clubes, da economia brasileira etc). Esses jogadores trouxeram um apoio à Seleção maior e mais forte do que, certamente, teria sem eles.

E esse foi o mais fácil dos trabalhos desta geração.

Essa geração jovem e talentosa herdou uma Seleção longe da elite global, a caminho de se tornar uma Celeste (uma seleção com história, com jogadores, mas que é pouco relevante nos tempos atuais), com uma parte bem relevante do país com justificado nojo dela pelo que foi feito com ela nos últimos dez anos, com uma camisa emporcalhada pela aliança do golpismo, fascismo e neopentecostalismo-fundamentalista-cristão cristalizada nos “patriotas”, sem uma torcida de verdade que a acompanhe. Uma seleção em decadência acelerada, a ponto de quebrar o próprio recorde de anos sem Copa, correndo para se tornar o passado do futebol. E, se fracassar, abrirá o caminho para a definitiva transformação do futebol que surge no Brasil em uma versão mais triste do futebol que o grande capitalismo está criando nos clubes da Europa, parte da transformação do Brasil em um país triste e depressivo.

(Para completar, ainda é perseguida por tentar ser brasileira, comemorar gols, fazer festa, em vez daquela coisa que no Norte Global gostam, de quase que pedir desculpas por fazer um gol.)

Nenhuma outra geração teve um trabalho tão árduo pela frente. Nenhuma outra geração do futebol brasileiro teve que reconstruir o mundo. No entanto, esta geração conta com a esperança de um país, e especialmente dos seus jovens. Afinal, como disse o grande Douglas Ceconello, precisamos urgentemente ser felizes — e ainda mais urgentemente no Brasil pós-década de 2010.

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