Praça Pôr do Sol — São Paulo (Crédito da foto: Claudio Yamaguchi)
Fim de dia na Praça Pôr do Sol em 2018 — São Paulo (crédito da foto: Claudio Yamaguchi)

Quando isso vai passar?

Claudio Yamaguchi
11 min readApr 20, 2020

Você quer saber quando vai voltar ao normal para poder fazer as coisas que fazia antes, mas o normal conhecido já não existe e você pode saber mais sobre seu futuro agora.

O que vou abordar nesse artigo:

  • Você tem a capacidade de criar um mundo que não existe
  • Mais do que expectativa, é hora da realidade
  • Sua existência é necessária, sim, agradeço por você existir!
  • Não faça hoje o que você pode fazer amanhã

38, 39, quarentena…

Ontem foi meu aniversário de 39 anos. Pela primeira vez na vida, um aniversário sem um abraço que tanto gosto. Moro sozinho, então, combinei com a família de fazer um almoço coletivo preparando o mesmo prato simultaneamente, depois comermos e cantarmos parabéns com um bolo de sobremesa. Foi uma tarde calorosa no Zoom. Mesmo que a tecnologia seja fria, ela esquentou meu coração nessa distância social. Sou privilegiado, somos do meu entorno privilegiadas e privilegiados. Recebi mensagens, ligações e até presentes na quarentena que está para mostrar o quanto somos seres sociais neste universo de isolamento.

O aniversário é um renascimento natural com a liberdade de aprender.

Passei boa parte dos 38 anos aprendendo coisas novas, desde aquelas relacionadas ao trabalho e a minha própria existência, quanto as minhas relações com as pessoas, coisas e o mundo. Ano passado parei de comer tudo de origem animal. Ontem eu faria uma prova de triathlon (nadar, pedalar e correr tudo na sequência) em Santos, litoral de São Paulo. Escolhi a data de propósito para ser um momento de renascimento. Não esperava que viria um renascimento tão imensamente maior para nós como humanidade.

Dos 38 aos 39 anos, vivi a liberdade para aprender. Nos 39, começo de quarentena, aprendendo com outro tipo de liberdade, deixando pra trás e renascendo contente.

Recapitulando o artigo “O que aconteceu depois do COVID-19”

No artigo anterior abordei um tema que é a dicotomia do controle, um conceito vindo do estoicismo (não, isso não é uma religião, é uma escola de filosofia helenística. Não vou me prolongar sobre o assunto. Se você quiser, tem um artigo aqui).

A ideia basicamente é perseguir, pensar e agir naquilo que está sob seu controle e não sofrer ou lutar contra aquilo que não está. É um pensamento que parece egoísta se for tirado ao pé da letra, mas muito realista se estamos em busca pela sobrevivência da humanidade na pandemia.

Hoje é dia 20 de abril de 2020, beiramos 2,5 milhões de casos da doença no mundo, só no Brasil são mais de 38 mil, crescendo diariamente mais de 1.000 casos. Os testes chegaram no país e o número de confirmados aumentará consideravelmente. E o que você faz com isso?

Hoje, vou escrever sobre a condição atual da nossa mente na dicotomia entre realidade e expectativa. Nossa mente nos permite criar e construir cenários e sentimentos inexistentes. Isso pode ser perigoso, mas também uma potente aliada para a felicidade.

Lendo esse artigo sua mente está processando bilhões de informações e ao mesmo tempo o seu pensamento está focado nas palavras que coloco. Em alguns momentos, elas te levarão para outros mundos. Daqui até o final do artigo, vou falar sobre foco para ajudar a manter a mente no presente, na realidade, no essencial.

Antes de começar o tema, quero fazer o calabouço das perguntas sem respostas para desabafar sobre o momento que vivemos:

Quanto tempo isso vai durar? Quando será que volta ao normal? Será que a vacina ou o remédio saem esse ano? Quando poderei voltar a fazer as coisas que fazia? Será que as empresas vão aguentar? Como ficarei nesse futuro? Vai ter emprego? Como será andar nas ruas? Será que as notícias estão antecipando a verdade?

Volte para o planeta Terra, ele precisa de você.

Enquanto você pensa e reflete sobre as perguntas acima, uma legião de milhões de médicas(os), enfermeiras(os), fisioterapeutas, seguranças, policiais, bombeiras(os), militares, copeiras, cozinheiras(os), limpadoras(es), entre outras pessoas da saúde e de outros serviços essenciais estão com a preocupação no agora, no cuidado humano e na própria sobrevivência.

“Seja água, meu amigo” — Bruce Lee

Ao mesmo tempo, existem milhões de moto mensageiras(os), trabalhadoras(es) em farmácias, supermercados, no campo, em fábricas se colocando em risco para suprir as necessidades da população, além de pessoas em estado de carência, necessidade ou miséria como catadoras(es) de materiais recicláveis, moradoras(es) de rua e em comunidades pobres.

O desafio não é o emprego, a economia, a saúde, o desafio é o sistema como um todo e fazemos parte dele.

Você é gelo ou água nessa civilização?

Bruce Lee disse em um vídeo “Seja água, meu amigo”. A civilização é como um grande mar de água. Você pode escolher ser água líquida ou pedra de gelo (Anna Brown). Pode optar por se misturar ou se “isolar” neste momento. Atenção: não quero refletir sobre isolamento horizontal, vertical, híbrido. É sobre a nossa relação com a pandemia.

  • Você pode ser ego (eu), querendo se fechar em si, sem abrir mão das suas crenças, coisas, comportamentos, com antipatia ou apatia sobre o que vivemos, assim você é gelo.
  • Você pode ser eco (casa), querendo se envolver da melhor forma que pode com a situação, abrindo mão de crenças, coisas e comportamentos, com empatia, assim você é água.

A natureza mostra que a água flui e a pedra dura fica, mas de tanto resistir pode furar. Você pode escolher ser o que quiser no momento.

Lembro das mensagens críticas nas minhas leituras de Baumann (Vida líquida, Vidas desperdiçadas, Amor líquido e outras obras) sobre nossa sociedade de consumo. Ficamos tão dotadas e dotados a seguir uma evolução, que fazemos parte sem os devidos questionamentos. Nós, como sociedade, queremos ir adiante. Mas para onde?

Se estamos tão sedentas e sedentos por algo não realizado ou desejável, estamos permanentemente na insatisfação. Querer sair do momento atual é algo desejado e não realizado. Nós queremos sair desse momento atual, mas ainda não é possível e ficamos infelizes, muitas vezes colocando a culpa no que está fora de nós.

Felicidade = Realidade - Expectativa

Esta é a equação da felicidade que na verdade é um estado da mente (sentimento) em consonância com as emoções (como se os estímulos externos -onde, como, com quem vivemos, o que consumimos, etc-, o sistema nervoso central, o cérebro, os hormônios e os neurotransmissores fossem músicos e estivessem em uma mesma orquestra tocando a mesma música).

Quando você se sente feliz, é como seu corpo biológico, sua mente e os estímulos de fora estivessem na mesma música com a mesma qualidade.

Comecei o curso da Ciência do Bem Estar, da Universidade de Yale (se quiser, está gratuito aqui). Essa fórmula da felicidade não vem de lá, vem de outros artigos que li e não vou citar autoria porque vi muitas pessoas falando.

Sua felicidade está no presente ou no futuro?

Imagine que você acaba de ganhar 100 fichas da felicidade e sua missão é distribuir o quanto da sua felicidade está no hoje (realidade) ou em algo que está por vir (expectativa). Distribua essas 100 fichas e faça as contas (felicidade = fichas na realidade - fichas na expectativa):

  • Maior parte das fichas em expectativa: a felicidade é negativa, ou seja, você busca a felicidade em algo futuro ou inexistente hoje que é imaginário. Isso pode te trazer infelicidade.
  • Maior parte das fichas em realidade: a felicidade é positiva, ou seja, você sente felicidade no momento presente dentro do contexto que vive.
  • Zerou? É a felicidade inexistente, ou seja, você não consegue distinguir se sente felicidade ou não agora. Isso não quer dizer que você seja infeliz, mas não identifica o sentimento de felicidade.

Felicidade é um sentimento como qualquer outro que pode vir e ir embora a qualquer momento. Não existe uma fórmula secreta para manter a felicidade. Não conseguimos manter a estabilidade sentimental e emocional, principalmente no perigo iminente, mas podemos fazer escolhas para ajudar nesse sentido.

Gostei da reflexão do meu amigo Daniel Santander que escreveu que estamos de dentro, em confinamento, olhando para fora. E esse confinamento aflora algo dentro de nós. Os estímulos externos, principalmente de pessimismo e violência (moral, psicológica, social, política), ativam o estresse e nosso sistema nervoso libera cortisol e o instinto de sobrevivência fica aguçado. A mente fica em estado de alerta, queremos o que não temos e sentimos insatisfação e infelicidade.

Seu mundo está na sua mente, imaginação e, também, no seu contorno e entorno.

Você, como ser humano, tem a capacidade de levar sua mente a qualquer lugar, a qualquer tempo e estimular sensações e até emoções. Ligue um filme e enquanto assiste, avalie como você se envolve com aquela história. Ouça uma música, de preferência conhecida, e sinta o quanto ela te remete a sensações, lembranças e até te emociona. Coma um alimento que lembra de um(a) ente querido(a) e descreva o que sente e vivencia.

Você não está mais aqui com sua mente. Você foi para o imaginário. Quer outro exemplo? Você jogou na mega sena e ganhou o prêmio todo, o que você faria agora?

O nosso corpo é ultra potente e a mente criativa pode nos levar a diversos lugares e tempos. Você pode voltar no tempo, lembrando das situações felizes pré-crise, e também avançar, imaginando como será o pós-crise. A minha reflexão sobre a mente é o treinamento que podemos fazer com ela. Você pode ressignificar a palavra feliz para a palavra contente. Não, elas não se substituem porque são sentimentos distintos.

Contentamento e contemplação: satisfação com foco em agradecer e admirar o contexto para sobreviver ao presente.

Quem está contente está satisfeita(o) na condição e situação que vive. Isso não quer dizer que a pessoa não tenha ambições, desejos, necessidades, dificuldades. Isso quer dizer que a pessoa tem satisfação dentro das possibilidades existentes. O cérebro humano tem elasticidade para aprender a todo momento e se adaptar a contextos diversos e adversos. A ideia não é ignorar o que vivemos, sim viver com menos dificuldade, e a disciplina pode nos ajudar nisso.

É um momento chave para quebra de padrões existentes, se colocando em situações não tão confortáveis e muitas vezes desconhecidas, carregadas de emoções e sentimentos difíceis. É sobre ter coragem, disciplina e foco.

Nosso cérebro pode aprender para a gente ter mais resiliência, se tivermos clareza onde queremos chegar. Se puder ter menos sofrimento e expectativas, atingiremos o contentamento, a satisfação e a admiração por aquilo que vivemos. É um convite para romper o gelo, deixar derreter o nosso ego para se misturar ao todo para agir no mundo sob uma perspectiva maior.

“O ego é sempre um mestre da percepção seletiva e da interpretação distorcida. Apenas por meio da consciência — e não do pensamento — somos capazes de diferenciar entre fato e opinião. Somente por intermédio da consciência uma pessoa consegue ver o seguinte: esta é a situação e aqui está a raiva que sinto dela. Depois compreende que existem outras formas de abordar aquela circunstância e maneiras diferentes de entendê-la e de lidar com ela. Só com uso da consciência conseguimos ver a totalidade da situação ou da pessoa em vez de adotarmos um ponto de vista limitado” — Eckhart Tolle em “Um novo mundo”

Ressignificando a felicidade, você tem 100 fichas para contentamento. Quanto é a satisfação com o hoje e quanto é com o futuro incerto e improvável?

Contentamento = satisfação na realidade - satisfação que não está no hoje

Você pode se sentir contente, satisfeita(o), grata(o), serena(o) sem necessariamente se sentir feliz, reluzente, eufôrica(o), sorridente. Há um mito que todos estes sentimentos são parecidos e dependentes, mas biologicamente são complementares. Os hormônios envolvidos são diversos, com suas funções como serotonina, dopamina, noradrenalina, oxitocina. Você pode se sentir uma pessoa grata, mesmo que infeliz com alguma situação.

Mais do que expectativa, melhor viver a realidade.

Estamos em um jogo da velha. Você conhece esse jogo?

Jogo da velha com o “X” ganhando — Imagem retirada do site Giphy

Quem conhece o jogo sabe que a missão é ganhar da outra pessoa fazendo uma sequência linear ou diagonal de X ou O em uma cartela com nove espaços. Mas existe uma partida no jogo da velha que termina sem que alguém ganhe, chamado de “velha”. Ambas pessoas jogadoras saem frustradas com o empate porque não venceram, mas também não saem perdedoras. O que isso tem a ver com expectativa, realidade e o momento?

Talvez seja melhor buscarmos os empates do que as vitórias ou derrotas do que quer que seja.

O momento pede para minimizarmos as perdas (de vidas, de empregos, econômicas, estruturais, entre outras). Isso quer dizer que precisamos de mais ações que possibilitem essa minimização de perda. Com a crise, é desejável sair no empate. Ela não pode nos vencer e não temos como ganhar por ser um desafio sistêmico e grandioso.

Não é legal empatar, é frustrante, machuca o ego, mas pode ser o melhor caminho. Cada pessoa que lê esse artigo provavelmente está em uma posição privilegiada e é por isso que a reflexão é sobre contentamento para colocar mais satisfação no hoje e contribuir na ajuda de outras pessoas, minimizando suas perdas.

Sua existência é necessária, obrigado!

Não, não estou fazendo um apelo para você ajudar as pessoas porque desconheço a sua situação atual. Além do que, isso vem da sua consciência. Minha reflexão é sobre a sua satisfação com o seu contexto atual vivido para te trazer ao presente com pensamentos e comportamentos emergentes que podem ser transformadores e não te deixar em um lugar incerto, imprevisível, improvável, sem respostas.

Você é parte da sociedade, tem vizinhos ou vizinhas, tem parentes, tem amigas e amigos. Uma atitude, uma fala, uma escuta ativa sua podem influenciar no todo. Parece que o efeito borboleta era algo impossível. Dizer que tudo está interconectado e um comportamento aqui pode influenciar em algo lá é fato. Lembre-se que o vírus partiu de um ponto do mundo e está no todo.

Nas últimas duas semanas, tive alguns momentos difíceis e desconfortantes, assim como momentos de satisfação e agradecimento. Fiz alguns exercícios de anotação e compartilho alguns insights aqui. São reflexões que você pode fazer também:

  • Eu reflito as atitudes positivas que fiz pelas outras pessoas
  • Eu sinto satisfação em viver esse momento desafiador, trabalhando em algo de impacto, cuidando das pessoas e sendo cuidado por elas
  • Eu enxergo situações difíceis como lições importantes e momentâneas
  • Eu acolho meus pensamentos e sentimentos ruins, sem negar a existência
  • Eu reajo em situações que posso contribuir em melhorar
  • Eu deixo para a história aquilo que escolho deixar para o passado
  • Eu tenho valorizado o que tenho no meu entorno
  • Eu dedico meu tempo para distribuir amor e confiança às pessoas
  • Eu escrevo, converso, doo meu tempo e atenção para as pessoas
  • Eu anoto para lembrar da data de aniversário das pessoas que eu quero por perto para desejá-las aquilo que eu sinto
  • Eu fiz uma lista de instituições e pessoas que ajudei e quero ajudar
  • Eu arrumei meu armário e localizei roupas, sapatos e outros objetos para doar

Não faça hoje o que você pode fazer amanhã.

Você já viu essa frase dita como “não deixe para amanhã, o que você pode fazer hoje”. Um dia escrevo algo mais extenso sobre o que acho dessa frase.

Agora é deixe para amanhã o que é do amanhã e procure ficar em condição de contentamento:

  • Hoje não é possível eliminar de vez o vírus.
  • Hoje não é possível fazer todas as coisas do jeito que você sempre fez.
  • Hoje não é possível planejar o futuro, as próximas férias e viagens.
  • Hoje não é possível continuar com todas suas crenças sem se ferir.
  • Hoje não é possível saber como você vai estar pós-crise.
  • Hoje não é possível prever como vai ser o amanhã da sociedade.

Não está fácil, não é fácil e não será fácil. Se há tantas coisas impossíveis de prever hoje, a melhor busca é da satisfação naquilo que pode da melhor forma possível.

“Aprenda com o sofrimento; a ferida é o lugar por onde a luz entra em você” — Rumi

Lista de crenças dessa pauta:

  • Uma certeza: Você está lendo essa frase do artigo
  • Uma suposição: Eu continuarei a escrever outros artigos
  • Uma dúvida: Quando sai o próximo artigo

Que bom que chegou até aqui!

Agradeço por ter lido o meu ponto de vista. Compartilhe com pessoas que faça sentido você mandar essa mensagem.

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Claudio Yamaguchi

Designer pesquisador. Fale comigo sobre educação, aprendizagem, neurociência e experiências. Me convide para esportes, artes, música, cozinha e relacionados ;)