Música contemporânea e indígena: cantores para conhecer

Anahata
7 min readNov 19, 2019

Ao pensar em música indígena, o lugar-comum é pensar nas musicalidades tradicionais contidas nos torés, maracás, flautas e tambores. Não há nada de errado nisso, mas também é valioso prestigiar artistas que trazem as visões e mensagens indígenas em diferentes formatos, ultrapassando uma expectativa primária e convencional.

Essas pessoas, independentemente do lugar do globo onde estão, possuem em comum a busca pela valorização de sua cultura e dos saberes ancestrais de seus respectivos povos. Demandas de defesa do meio-ambiente e o reconhecimento da importância de suas raízes, por exemplo, unem esses povos e fazem pessoas indígenas chamarem entre si de parentes.

A curadoria abaixo começou com a vontade de fazer uma playlist no Spotify de cantores da Abya Yala (como a etnia Guna nomeia o território hoje conhecido como América, nomenclatura amplamente usada por indígenas para se referir a esse espaço), mas se expandiu. Pode ser que eu faça uma segunda parte em breve.

Para quem quiser ouvir os artistas abaixo, ao fim do texto está o link da playlist no Spotify e no Youtube.

Por último, gostaria de lembrar que dos dias 29 de novembro a 01 de dezembro acontece, em São Paulo (SP), o 1º Festival Yby de Música Indígena, com entrada gratuita. Ainda dá tempo de contribuir!

Brasil — Gean Ramos

Gean Ramos estará no 1º YBY Festival de Música Indígena (2019) — Foto: Divulgação

Nascido no sertão e do povo Pankararu de Jatobá (PE), o compositor e violinista Gean Ramos já foi indicado ao Indigenous Music Awards (IMA), na categoria Artista Internacional. Seu álbum “Inversões” foi indicado para o prêmio de Melhor Lançamento Indígena Internacional. Autodidata, já tem quase 20 anos de carreira, e seu DVD “Trajetória” possui 15 canções em vários estilos e letras que segundo ele, “retratam a vida moderna do povo indígena e quilombola, que fala ao celular, dirige carro, faz faculdade e continua mantendo sua tradição respeitando os mais velhos e as crenças”.

Chile — Wechekeché Ñi Trawün

O grupo de hip hop Mapuche, cujo nome significa “pessoas jovens reunidas”, nasceu de um trabalho em um centro comunitário de Santiago que buscava resgatar o orgulho mapuche entre a juventude. Suas músicas também enveredam por ritmos do pop, cumbia e reggaeton, com letras que trazem as reivindicações sociais dos povos indígenas do Chile. Apesar do nome em sua língua originária, possuem músicas em espanhol.

Argentina — Tonolec

O duo de pop-eletrônico argentino formado por Diego Pérez e Charo Bogarín existe há 14 anos. O som deles tem influência da música da etnia Qom, por estarem em contato com uma comunidade desse grupo na cidade onde o Tonolec nasceu, e Guarani, por Bogarín ser descendente de um importante cacique.

O Tonolec tem um trabalho muito próximo com homens e mulheres da etnia Qom, e por esse contato íntimo, seu som se baseou em rodas de canto de homens e mulheres deste povo.

Equador — Pachacamac

O nome da banda de metal, originada em Quito, faz referência a um deus venerado durante o império Inca. No seu logo também se encontra uma referência à cosmovisão andina dos três mundos (Uku Pacha, Kay Pacha e Hanan Pacha) representada pela árvore. A banda independente canta suas músicas em quéchua e lançou seu primeiro álbum completo em 2018, denominado “Ayni”, cujo significado é “cooperação” ou “solidariedade”. Segundo Vladimir Hernandéz, guitarra e voz do grupo, o Pachacamac é do subgênero black metal pagão porque esse é o mais representativo do rock, que fala sobre a conexão direta com a natureza.

Panamá — La Tribu

Na ativa há oito anos, a banda de rock La Tribu nasceu dos irmãos Barrantes, integrantes do grupo. Giovanni Barrantes, o intérprete, confessa que tinha medo de ser rechaçado pela própria família, por seus avôs e avós, porque fazer música indígena é algo considerado sagrado para a etnia Guna, mas foi surpreendido ao serem vistos como embaixadores da sua cultura. Até agora, lançaram um álbum, mas já se planejam desde 2018 para o próximo. Após ganharem o concurso Viva Rock, do Hard Rock Café, competindo com bandas de toda a América Latina, o prêmio em dinheiro os deixou mais próximos de concretizar o segundo álbum.

Guatemala — Sara Curruchih

De origem Maia e Kaqchikel, Sara é cantora e compositora, além de tocar marimba e violão. Como muitas mulheres indígenas, passou a adolescência fazendo trabalhos agrícolas, estudando e ajudando em casa. Fez parte do grupo de rock “Sobrevivencia” e também de um grupo feminino de marimba chamado “Teclas em Armonía”. Começou a ganhar projeção internacional em 2016, quando cantou pela segunda vez acompanhada da Filarmônica de Dresden (Alemanha), no México. Ganhou o prêmio de artista revelação em 2015, dado pela Fundação Dante Alighieri. Sempre engajada, em suas entrevistas Sara denuncia a ocupação de terras por empresas multinacionais, além do assassinato de lideranças indígenas.

México — Lila Downs

Cantora, compositora e atriz, Lila tem origem Mixteca e sua música tem misturas de cumbia, bolero, ranchera e música mexicana. Por conta de suas raízes paternas, também canta em inglês, mas além disso e do espanhol, a maioria das suas canções são em línguas indígenas, como mixteco, zapoteca, purépechua e nahua. Em seus 27 anos de carreira, já gravou 7 álbuns de estúdio, ganhou um Grammy e dois Grammys Latinos, e é reconhecida como um ícone da música mexicana. Colaborou com artistas bascos, brasileiros, argentinos e participou de trilhas sonoras de filmes, entre eles Frida (2002).

Nova Zelândia — Stan Walker

Stan Walker é cantor/ator Maori, que ficou famoso ao participar do Australian Idol em 2009 e se tornar campeão. Faz muito sucesso na Nova Zelândia/Austrália. Canta em Maori e em inglês, e na sua música e em seus videoclipes exalta a cultura do seu povo.

Canadá — A Tribe Called Red

A Tribe Called Red (também conhecido como ATCR) é um grupo de música eletrônica nascido em Ottawa, que mistura elementos de música de povos indígenas da região com hip hop instrumental, dupsteb, reggae e moombahton. Os integrantes são parte das etnias Moicano, Cauyga, com ex-integrantes da etnia Nipissing. Ativos desde 2007 e com três álbuns lançados, já foram indicados a premiações no Canadá por seus álbuns, singles e performances. Na mesma premiação em que ganharam como “Grupo Revelação” em 2014, o ATCR decidiu não submeter seu trabalho para a categoria “Melhor álbum aborígene”, porque entenderam que a categoria focava na raça e não na música. Um dos integrantes declarou à época “Não julgamos nenhum indicado a essa categoria, nós só queríamos artisticamente focar na nossa música e não em quem somos.”

Estados Unidos — Taboo

Mais conhecido por fazer parte do Black Eyes Peas, Taboo seguiu carreira solo e continuou a sua voz para falar do direito dos povos indígenas, algo iniciado já no grupo. Com origens da etnia Shoshone, o rapper e DJ lançou uma música sobre o protesto #NoDAPL, uma pauta indígena contra o oleoduto da empresa Dakota Access Pipeline, por seu impacto ambiental e por passar por diversas terras sagradas de povos nativos. O clipe dessa música mostra cenas reais dos protestos que aconteceram por meses. A canção teve colaboração de MCs e DJs de outras etnias, como Navajo, Osage/Potawatami, Yaqui e Crow.

Do mundo inteiro — Coletivo de artistas Indigenous Resistance (IR)

Um coletivo de artistas e DJs de dub, que faz parcerias com artistas do mundo inteiro, e que, a cada mix, conta histórias de indígenas dos locais em que estão colaborando. No Brasil, fizeram sobre Galdino, o indígena Pataxó que foi ateado fogo em Brasília. Um de seus objetivos é mostrar a conexão entre indígenas e africanos em diáspora no mundo inteiro. Seu primeiro CD foi lançado há 12 anos.

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Aquelas coisas que vêm à cabeça antes de dormir ou olhando a janela do ônibus. | Poesias & etc: https://linktr.ee/jamilleanahata