A economia nossa de cada dia

ETC | UFMA
4 min readJun 13, 2022

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Falar de economia é abordar o que queremos e por quais motivos.

Ramon Bezerra

Já parou para pensar qual o motivo de alguns produtos custarem mais que outros mesmo que o custo de produção seja idêntico? Por que algumas pessoas ganham valores diferentes para desenvolverem o mesmo trabalho? Por que o PIB, usado para medir a riqueza de uma cidade, estado, país, é a soma das riquezas produzidas e não o quanto ela é distribuída entre a população? São práticas que geralmente não questionamos ou simplesmente não entendemos, mas que parecem aceitáveis.

David Graeber diz que a economia é tratada como se fosse uma disciplina mestra e seus princípios são quase lugar-comum. É como se as teorias econômicas fossem encaradas como algo tão verdadeiro que parece estranho discordar delas.

Como aconteceu com outras ciências no século XX, na tentativa de alinhar a Economia ao espírito do tempo, essa área se aproximou mais dos cálculos da racionalidade interna e estratégica das atividades humanas, deixando de lado as análises processuais e históricas que consideravam os mecanismos de produção, troca e consumo que caracterizaram as análises econômicas de Adam Smith até o início do século XX. A ideia era fazer com que a Economia “fosse vista como ‘científica’ — mais como a física e menos como a sociologia -, e o resultado disso foi o abandono de conotações políticas e sociais antes levadas em consideração”.

A economia diz respeito a experiências de produção, circulação e consumo de bens e serviços, que podem ser qualquer coisa, no intuito de gerar valor segundo determinados critérios. Valor, neste caso, significa aquilo a que damos importância. A questão é quais parâmetros utilizamos para achar algo mais ou menos importante.

É por isso que falar em economia é tratar do que queremos e por quais motivos.

Assim como qualquer ciência, a Economia não é neutra e atende a valores éticos e morais, nem pode ser reduzida a uma dimensão cartesiana, dissociada de seu âmbito social e humano. Exemplo disso é o conceito de economia de Lionel Robbins, uma das primeiras definições de economia do século XX, segundo a qual essa ciência deve se preocupar com as ações das pessoas derivadas da relação entre suas ilimitadas necessidades e os recursos escassos. A ideia de escassez está na base da Economia. Contudo, o problema não é a falta de bens, mas a maneira como nos organizamos para acessá-los, acumulando e desperdiçando.

Parte expressiva das teorias econômicas partem da premissa de que o ser humano é absolutamente autocentrado. Duas ideias contribuíram muito para isso. Primeiro, o Leviatã de Thomas Hobbes, segundo o qual os seres humanos são fundamentalmente egoístas e um governo forte seria a maneira de lidar com pessoas assim. A segunda é a Mão Invisível de Adam Smith, para quem a busca por satisfazer o interesse próprio supriria as necessidades de todas as pessoas não porque nos preocupamos uns com os outros, mas por ser mutuamente vantajoso. Essas duas ideias compartilham o mesmo pressuposto: a crença no egoísmo da humanidade. Embora essa premissa faça sentido, ela não é toda a história. O sujeito não possui uma essência imutável e definitiva. Ao contrário, estamos mudando o tempo todo.

Talvez a Economia tenha adotado a premissa do sujeito autocentrado porque isso facilita seu funcionamento. É muito mais fácil gerir as relações de produção, circulação e consumo acreditando que lidamos com peças imutáveis que só precisam ser dirigidas. O afamado livre mercado é uma abstração constituída por sujeitos que simplesmente não existem ou não são a maioria: pessoas com amplo acesso à informação, com os mesmos direitos e que podem escolher.

Se considerarmos essa abstração legítima parece fácil defender a criação de empregos pelo setor privado e a redução do papel do Estado como solução para a pobreza, como se não fossem necessárias políticas de redistribuição de renda. A escravatura "acabou" sem políticas públicas para auxiliar as pessoas que foram tratadas por mais de três séculos como mercadorias e o resultado conhecemos de perto: violência, preconceito e pobreza têm cor no Brasil.

Por isso, refletir sobre as dinâmicas econômicas implica em compreender a construção de valor, isto é, aquilo que consideramos importante. Só assim para entender que mundo estamos construindo e saber se queremos ou não essa versão. Como defende Mariana Mazzucato, para mudar o sistema econômico e resolver os problemas das desigualdades e do esgotamento dos ecossistemas precisamos alterar a forma como o valor é construído.

Você que está acompanhando nossas postagens deve ter percebido isso. Tanto a Economia Donut quanto a Economia Circular são propostas que questionam a forma como o valor é construído e sugerem outros caminhos. O Bem Viver, baseado na cosmologia ameríndia, é outra possibilidade bem estruturada. Estou cada vez mais convencido de que não faltam propostas adequadas e viáveis para mudar como construímos valor. Estamos, na verdade, mais carentes do investimento na ética da alteridade sobre a qual falei no texto anterior. O que você acha?

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Grupo de Pesquisa em Comunicação, Tecnologia e Economia da Universidade Federal do Maranhão (ETC/UFMA).