A sustentabilidade na moda é um mito?

Aquilo que vestimos reflete a realidade na qual vivemos

ETC | UFMA
5 min readNov 22, 2022

Thiago Kalebe

Bolsa da Balenciaga (uma das marcas mais cobiçadas no mundo) para a coleção de inverno de 2022, feita em couro de bezerro, simulando um saco de lixo, vendida por 1,790 dólares. (Fonte: balenciaga.com)

A Indústria da moda é uma das mais lucrativas do mundo, mas não é só nesse ranking que ela aparece no topo: é também a segunda indústria mais poluente, ficando atrás apenas da indústria petrolífera. O poliéster, matéria prima de diversas peças do nosso vestuário, é responsável pela emissão de 32 a 57 milhões de toneladas de gás carbônico na atmosfera. Um dos grandes desafios da indústria fashion se apresenta na sua cadeia de produção, que possui um histórico problemático quando vemos pela perspectiva socioambiental.

Marcas de luxo, como a Gucci, e marcas de fast-fashion, como a C&A, se apresentam como instituições mais sustentáveis. A Gucci, em 2020, publicou seu relatório de impacto socioambiental, proveniente da iniciativa Gucci Equilibrium, que preza pela abordagem mais consciente dentro da marca; a C&A, uma das principais lojas de fast-fashion encontradas no Brasil, foi a marca com melhor avaliação dentro do Índice de Transparência de Moda, publicado em 2021 pela Fashion Revolution Brasil. Mesmo assim, esses esforços ainda não são o suficiente para resolver todas as consequências de uma indústria tão problemática.

A moda é um fenômeno sociocultural e desde os seus primórdios se baseia em relações cíclicas, que refletem a desigualdade de classes do modelo econômico vigente: seu conceito, da forma que entendemos hoje em dia, surgiu durante o Renascimento Europeu no século XV (Idade Média) e se deu em um momento onde, por conta do aumento no poder aquisitivo, burgueses conseguiram copiar o visual de nobres, o que gerou a “necessidade de novidade” e com isso o surgimento de um ciclo vicioso: nobres criavam peças diferentes, burgueses imitavam, e assim surgia mais uma vez o processo de construção de novas vestimentas que mantivessem o status da elite local, ao mesmo tempo que as pessoas que não tinham acesso a peças tão caras continuavam a imitá-las da forma que podiam.

Esse modelo pode ser visto nas passarelas ao redor do mundo, nas quais marcas de luxo, como a Balenciaga (recentemente eleita uma das marcas mais desejadas do mundo) apresentam novas tendências a cada estação, que logo são copiadas pelas lojas de fast-fashion, as quais buscam tornar o consumo dessas peças mais acessível para o público geral. Parece um modelo de negócio interessante, mas as suas implicações são graves: consumo exarcebado, desperdício, poluição, trabalho análogo a escravidão… esses são apenas alguns dos principais problemas relacionados a indústria da moda. Então, como lidar com tantos dilemas?

Ao analisarmos a moda com atenção, percebemos como ela se encontra dentro de um modelo linear de produção. A cada segundo, sobras de tecido equivalentes a um caminhão de lixo cheio são queimadas e descartadas em aterros sanitários. É o que mostra os dados do relatório A new textiles economy: redesigning fashion’s future, promovido pela Ellen MacArthur Foundation em parceria com a estilista Stella McCartney. Isso porque, entre outros motivos, a indústria têxtil segue um modelo já conhecido dentro da economia linear: extração de matéria prima, produção, consumo e descarte. Lembra que o poliéster é uma das principais matérias primas da maioria do nosso vestuário? Pois é, esse polímero (de composição geralmente sintética) é bastante utilizado pela sua maior durabilidade, maleabilidade e resistência. Quando não é biodegradável, algumas fibras podem levar até 400 anos para se decompor na natureza.

O poliéster é uma categoria de polímeros considerados biodegradáveis e levam séculos para se decompor. Os produtos de composição mista dificilmente conseguem ser reciclados.

A economia circular (que já abordamos em outro texto) é uma das saídas apontadas para lidar com alguns dos problemas da indústria têxtil, como o descarte inadequado e a poluição. Ela estimula novas práticas de gestão, gerando também novas oportunidades de geração de valor para as organizações. Por meio da perspectiva circular, é possível inovar de forma sustentável, como é o caso da marca maranhense de upcycling (reutilização) e brechó Kolobô, criada em janeiro de 2020 por Luiz Eduardo e Thiago Cruz. De acordo com eles, a Kolobô tem como um dos principais objetivos a ideia de vestir a representatividade, além de “fazer com que as pessoas possam se identificar com aquilo que produzimos de forma política, pois a nossa principal referência é a nossa própria experiência no mundo, sendo dois jovens pretos LGBT+”. Os dois jovens empreendedores querem desenvolver seu trabalho “sempre visando a sustentabilidade e representatividade, de forma criativa e ousada, expressando a nossa arte como uma parte de quem somos”, acrescentam.

Outro fator que pode colaborar para um futuro mais consciente dentro da indústria da moda é a adoção de duas matérias prima orgânicas que vêm ganhando cada vez mais destaque no desenvolvimento de tecidos e peças sustentáveis: o cânhamo e o micélio. O cânhamo, uma planta pertencente à espécie da Cannabis sativa (da mesma forma que a maconha), já é utilizado para a fabricação de fibras e tecidos desde a época das grandes navegações. Já o micélio pode ser descrito como uma estrutura raiz, responsável por carregar nutrientes de fungos ou colônias bacterianas. Além disso, seu potencial dentro da indústria têxtil é expressivo: a partir da sua manipulação em laboratório é possível criar um couro sintético tão maleável e resistente quanto o couro bovino, podendo ser usado para confeccionar bolsas, sapatos e outros artigos (de luxo ou não).

O caminho para a sustentabilidade na moda parece tortuoso, mas pelo menos já não é tão linear. Cabe aqui também outra reflexão, trazida por meio de uma fala do escritor indígena Ailton Krenak: “qualquer recurso que você se apropriar dele hoje tem que estar disponível sete gerações depois da sua pra ele comer, beber, experimentar, com a mesma qualidade que você. Sete gerações”.

Até onde as empresas, não só da moda, estão comprometidas com estratégias socioambientais realmente eficientes e que garantam um futuro melhor para as gerações por vir? Até onde vai o greenwashing, termo utilizado para descrever a apropriação de valores ambientalistas por organizações e pessoas por meio do marketing e das relações públicas? Não seria então a própria sustentabilidade um produto paradoxal de um sistema insustentável como o capitalista?

Vamos aprofundar o diálogo sobre Moda e Sustentabilidade? As reuniões de estudo do ETC são o espaço ideal para isso. Elas são abertas e lá é possível construir uma interlocução com outros estudantes e pesquisadores sobre as temáticas abordadas por aqui.

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Grupo de Pesquisa em Comunicação, Tecnologia e Economia da Universidade Federal do Maranhão (ETC/UFMA).