Onde está a criatividade em São Luís (MA)?

ETC | UFMA
7 min readApr 4, 2023

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Um panorama da Economia Criativa na cidade

Elber Abreu

A empreendedora Preta Lu da marca Blackzona em exposição dos seus produtos no Emaranhartes, evento que tem como objetivo fomentar a economia criativa e estimular o mercado de São Luís (MA). Registro: Isaque Mota.

Ao contrário do que muita gente pode acreditar, todo ser humano é, sim, criativo. Para Ostrower, a criatividade não pode ser encarada como propriedade exclusiva de alguns raríssimos sujeitos, mas como potencial próprio da condição de ser humano. Ou seja, criatividade nada tem a ver com genialidade e sim como uma habilidade inerente à vida.

Por isso, antes mesmo que você tente responder onde está a criatividade na cidade, eu afirmo: a criatividade está em todo lugar. A dificuldade de percebermos a criatividade em nosso cotidiano se deve pela sua principal característica: a intangibilidade. Isso quer dizer que num ambiente orgânico, a criatividade é imaterial, tem existência incorpórea e desse modo, não pode ser vista a olho nú e nem tocada.

Todo percurso criativo consiste em transpor possibilidades em práticas reais e concretas no nosso dia a dia. É o imaterial se transformando em material. Costumo dizer que ser criativo é a oportunidade de gerar oportunidades, pois através da criatividade é possível tecer soluções e enfrentar os desafios propostos pelas crises deste século. Ainda na esteira da Ostrower, a natureza criativa do sujeito se elabora no contexto cultural em que ambienta e qualifica suas criações, e de acordo com sua realidade e seus recursos, contemplando suas necessidades.

No pensamento de Martha Gabriel, a criatividade é uma das habilidades essenciais para o desenvolvimento humano, pois representa as potencialidades de um ser único. Mas apesar de ser indispensável e inseparável do modus operandi humano, a criatividade só é legitimada quando é percebida como uma competência de valor.

Como visto em publicação anterior, valor significa aquilo a que damos importância, e que portanto, criamos critérios para definir algo como mais ou menos relevante. É isso que acontece quando geramos inovação a partir da criatividade. Para Callon, a inovação é vista como o resultado de atividades políticas envolvidas no processo de encarnação progressiva que permite que ideias sejam desenhadas, prototipadas, desenvolvidas e comercializadas até chegarem ao consumidor, o qual valida ou rejeita a inovação proposta.

Esse pensamento defende que pouco importa a origem da ideia, e sim como se torna potencial e escalável a partir das consonâncias estabelecidas em seu processo de desenvolvimento e maturação. Mas aqui está uma das lacunas mais conflituosas que se configuram no cenário brasileiro, o potencial criativo sem estímulo à inovação.

De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil ocupa o quarto lugar entre os países que mais recebem investimentos em inovação, mas está apenas em 54º lugar no Índice Global de Inovação (IGI) de 2022, consolidado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi), em parceria com a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Isso significa dizer que o Brasil é um país propenso à criatividade, mas não gera experiências de produção, circulação e consumo de bens e serviços com valor agregado, apesar dos altos índices de investimento.

O que nos leva a outra inquietação em relação a acessibilidade e as áreas de investimento em inovação no país, uma vez que para criar políticas de fortalecimento em atividades econômicas tendo a criatividade como principal recurso, deve-se conhecer e compreender o ecossistema empreendedor no qual estão inseridos os criativos, ou seja, ter um panorama da Economia Criativa. Como visto na publicação “Quanto vale a sua criatividade”, a Economia Criativa é constituída a partir das relações entre economia, criatividade e o campo produzido entre esses cenários. É enxergar que possibilidades em potencial coexistem quando a natureza e a extensão dessa relação criam valor na sociedade.

Segundo dados do Observatório Itaú Cultural 2022, entre o 3º trimestre de 2021 e o 3° trimestre de 2022, os estados do Maranhão (37%), Mato Grosso (19%) e Roraima (17%) foram as unidades federativas com as maiores taxas de crescimento de empregos na Economia Criativa. Em paralelo, o Mapeamento 2022 da Economia Criativa no Brasil, realizado pela FIRJAN, revela que o Maranhão é o estado com menor participação no PIB criativo desde 2017 com uma taxa média de 0,6%.

Gráfico da evolução dos postos de trabalho na economia criativa. Fonte: Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural (2022).

Um ponto em comum entre esses dados, que deve ser levado em consideração, incide sobre o seu recorte feito a partir do levantamento realizado entre negócios, empreendedores e profissionais em caráter formal, logo, a realidade transborda esses resultados, uma vez que um recorte significativo relacionado ao trabalho informal não é levado em consideração na consolidação dessas pesquisas.

Se levarmos apenas em consideração o recorte em São Luís(MA), a capital avançou 17 posições no Ranking de cidades empreendedoras no Brasil desde 2020, ficando na 57ª posição no relatório ICE 2022, e ainda sim, conforme dados do Conselho Regional de Economia do Maranhão, a taxa de informalidade na capital maranhense ficou em torno de 53,78% até o início de 2022. Por isso, produzir dados, estimular a pesquisa, o debate e avaliar os cenários externos e internos são ações fundamentais nesse processo de estímulo à inovação.

Desde 2021, venho desenvolvendo a pesquisa “Comunicação e Economia Criativa: um Hub de Inovação em Economia Criativa em São Luís (MA)”, no Mestrado Profissional em Comunicação da UFMA e em parceria com o Grupo de Pesquisa ETC, com o objetivo de criar um produto comunicacional que contribua para o fortalecimento da Economia Criativa local. De lá pra cá, inúmeros foram os desafios, pois como apontado anteriormente não existem dados consolidados sobre o real cenário dos atores envolvidos nesse segmento.

Com a proposta de construir um panorama sobre a Economia Criativa em São Luís (MA), entre 29 de julho de 2022 e 23 de setembro de 2022, iniciei um diagnóstico local através da aplicação de um questionário com o objetivo de identificar criativos e obter seus pontos de vista a respeito do cenário empreendedor de São Luís (MA), além do entendimento sobre a viabilidade de empreendimentos inseridos em setores criativos.

O diagnóstico obteve 101 respostas entre líderes de negócios e profissionais que atuam nas quatro áreas da Economia Criativa segundo a FIRJAN (Consumo, Mídia, Cultura e Tecnologia) e seus respectivos segmentos. Partindo para o perfil socioeconômico, temos 56,4% dos entrevistados que se identificam com o sexo feminino, 40,6% são do sexo masculino, 3% preferiram não dizer ou pertecem a outras identidades. Em relação à faixa etária, são em sua maioria pessoas entre 26 a 35 anos, um total de 50,5%, 26,7% são pessoas entre 36 a 50 anos, 12,9% tem acima de 50 anos e 9,9% têm até 21 anos.

Dentre as áreas da Economia Criativa, Cultura (42,6%), Consumo (23,8%) e Mídia (15,8%) se destacaram como as principais. Do total, 60,4% atuam dentro do seu próprio negócio, 38,6% atuam no setor privado, 13,9% em setores públicos e 12,9% atuam como voluntários. Um ponto interessante a ser destacado é que o total de pessoas que possuem seu próprio negócio (75,2%) é maior que o quantitativo daqueles que atuam dentro do seu próprio negócio (60,4%).

Quando questionados sobre os motivos que os fizeram iniciar suas atividades econômicas no setor, 84,2% enxergaram uma oportunidade de mercado, seguidos de 19,7% que foram incentivados pelos amigos e familiares ou iniciaram por necessidade. Ao se referirem às dificuldades encontradas em suas jornadas, a organização financeira (47,4%) e a implementação de técnicas para vendas (36,8%) são os pontos altos entre as respostas, seguidos da precificação (31,6%) e captação de parcerias-chave (28,9%).

Em relação à gestão dos seus negócios, 65,8% não recebem nenhum tipo de apoio, seja ele institucional, financeiro e outros, 51,3% se sentem satisfeitos com o preço cobrado para realizar a atividade e 65,8% tem a realização pessoal ou profissional como maior recompensa do seu trabalho. Quando indagados sobre o ecossistema empreendedor e criativo de São Luís (MA), 47,5% avaliam como regular as oportunidades oferecidas para o setor criativo local, seguidos de bom (19,8%) e ruim (18,8%).

Mais da metade dos entrevistados (50,5%) não conhecem locais que reúnam e auxiliem profissionais e empreendedores do setor criativo, assim como 55,3% aprenderam ou se aperfeiçoaram em suas atividades através de cursos, seguidos de 28,9% que aprenderam de forma autônoma e independente.

Um dos maiores desafios enfrentados desde o início dessa pesquisa é, sem dúvida, contar com um banco de dados consolidados para sustentar e direcionar as políticas para o fortalecimento da Economia Criativa local, pois apesar desta economia sempre ter sido presente em nosso ecossistema empreendedor, nunca houve o apreço em se aprofundar nesse cenário.

Porém, essa é uma realidade que parece estar próxima de mudar. A Prefeitura Municipal de São Luís (MA), a partir da Secretaria Municipal de Inovação, Sustentabilidade e Projetos Especiais (SEMISPE), está realizando o Mapeamento da Economia Criativa da cidade. O mapeamento tem como objetivo a coleta de dados quantitativos e qualitativos, para elaborar um diagnóstico do setor de criatividade e inovação, a partir de quatro grandes eixos: consumo, cultura, mídias e tecnologia, integrando profissionais e empreendimentos de 13 setores econômicos.

Em entrevista, André Lobão, Assessor de Desenvolvimento Sustentável na SEMISPE, Consultor em Economia Criativa e Gestor Cultural, cita a importância e o avanço que podemos ter a partir deste mapeamento:

Um dos principais gargalos no Brasil em relação à Economia Criativa é exatamente a falta de dados, isso impossibilita que a gente possa realmente desenhar políticas públicas mais eficientes para estimular o desenvolvimento de setores.

A partir do mapeamento algumas entregas são esperadas, como:

  1. Mapeamento do quantitativo de pessoas e coletivos não formalizados no setor de Criatividade e Inovação em São Luís-MA;
  2. Mapeamento dos equipamentos culturais existentes em São Luís-MA;
  3. Construção do perfil socioeconômico dos profissionais atuantes no mercado de Criatividade e Inovação em São Luís-MA;
  4. Mapeamento do quantitativo de empresas formalmente constituídas no setor de Criatividade e Inovação em São Luís- MA.

Os resultados do Mapeamento da Economia Criativa da SEMISPE serão divulgados em uma plataforma que tem previsão de lançamento para o primeiro semestre deste ano.

Quer aprofundar esse debate sobre onde está a Economia Criativa na cidade?

Nosso encontro de estudo sobre esse tema está marcado para o dia 12/04, às 18h30, na UFMA. Para participar basta se inscrever através do nosso formulário que a gente te dá todas as coordenadas.

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Grupo de Pesquisa em Comunicação, Tecnologia e Economia da Universidade Federal do Maranhão (ETC/UFMA).