Quanto vale a sua criatividade?

ETC | UFMA
6 min readAug 2, 2022

--

Apontamentos sobre uma economia baseada no valor gerado através do intangível.

Elber Abreu

A empreendedora Nêga Alexa em exposição dos seus produtos no Emaranhartes, evento que tem como objetivo fomentar a economia criativa e estimular o mercado local de São Luís (MA). Foto: Isaque Mota.

A criatividade influencia a dinâmica social, individual, coletiva e impacta todas as esferas da vida, é o que diz Lucas Foster, idealizador do festival World Creativity Day, psicólogo e especialista em criatividade e desenvolvimento. Na esteira do seu pensamento, Foster afirma que a criatividade, quando conectada com atitudes empreendedoras a favor do bem-estar da humanidade e do cuidado com a preservação dos valores essenciais para a vida, podem impactar positivamente o ambiente. Por outro lado, a criatividade também pode se transformar em munição perigosa e se comportar como competência articuladora para incitar as crises deste século

Como defendido em publicação anterior por Ramon Bezerra, a economia diz respeito as experiências de produção, circulação e consumo de bens e serviços que geram valor segundo determinados critérios. Diante disso, seria possível a existência de uma economia cuja criatividade seja o principal critério na descrição lógica da criação, entrega e captura de valor por parte de uma organização, ou seja, em modelos de negócios?

É nesse sentido que apresento a Economia Criativa. Trata-se de um conceito em evolução baseado em ativos criativos que potencialmente geram crescimento e desenvolvimento econômico. Não há consenso sobre o significado de Economia Criativa, mas de maneira geral o entendimento que a economista Ana Carla Fonseca Reis utiliza parece elucidativo das compreensões correntes:

“A economia criativa compreende setores e processos que têm como insumo a criatividade, em especial a cultura, para gerar localmente e distribuir globalmente bens e serviços com valor simbólico e econômico”.

O autor e pesquisador em economia, John Howkins, em seu livro “The Creative Economy”, apresenta a terminologia “Economia Criativa” como a relação constituída a partir da economia, da criatividade e do campo simbólico produzido entre esses cenários. Para Howkins, não existe novidade quando nos referimos à criatividade e economia de forma isolada, mas enxerga que possibilidades em potencial coexistem quando a natureza e a extensão da relação entre elas combinam para criar valor na sociedade.

Pacheco, em “A Economia Criativa no Brasil”, compreende que modelos de negócios existentes nesse ecossistema fortalecem e favorecem o desenvolvimento social, sustentável e cultural, a partir de ações em diferentes setores criativos. Então, entende-se que as atividades econômicas realizadas nesse setor estão presentes desde a composição de uma música até a programação de um aplicativo que resolva problemas do cotidiano.

Para Duisenberg, ex-Chefe do Programa de Economia Criativa da UNCTAD (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento), outro apontamento sobre essa alternativa econômica é o fato de unir vários segmentos da sociedade. É um processo impulsionado pelos multistakeholders que se configuram como projetos caracterizados por sua elevada complexidade e intensa interação entre inúmeros agentes com distintos níveis de responsabilidade.

Dessa forma, a Economia Criativa abre espaços para que diversos atores possam empreender e impulsionar o setor criativo através da união de organizações, tanto do setor público como do setor privado, alinhando estratégias e atividades econômicas para promover fontes de criação de empregos, renda, oportunidades para a mitigação da pobreza e outros problemas locais.

Quais setores compõem a Economia Criativa?

Grupo de Capoeira Jejê Nagô, do bairro da Vila Embratel, durante sua apresentação no Emaranhartes. Foto: Isaque Mota.

Assim como não há um conceito fechado para a Economia Criativa, os setores ativos dessa economia também sofrem intervenções, uma vez que essa dinâmica introduz no seu escopo demandas pertencentes a identidade cultural, desigualdades sociais, questões ambientais e outros pontos importantes referentes ao contexto local dos sujeitos inseridos no setor criativo, sendo eles: profissionais, empreendedores e consumidores.

Especialmente no Brasil, essa economia está muito relacionada com áreas como cultura e arte, setores resistentes que movimentam o mercado a partir de suas relações e que por vezes os impactos são invisibilizados na sociedade. Ao mesmo tempo, ainda que sem o sentimento de pertencimento, os ambientes estimulados através da inovação, transformação digital e tecnológica também estão inseridos dentro desta economia.

Para que você tenha uma dimensão dos principais setores envolvidos na Economia Criativa, utilizei a seguir a categorização realizada por duas organizações que empreendem no cenário criativo global e local, respectivamente: UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e FIRJAN (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro).

Imagem 03: Classificação da FIRJAN para as Indústrias Criativas (FIRJAN)
Imagem 04: Classificação da UNCTAD para as Indústrias Criativas

Segundo o último mapeamento da FIRJAN, que analisa o setor da Economia Criativa no Brasil entre 2017 e 2020, o número de profissionais criativos, apesar da crise, cresceu 11,7% em relação a 2017 e hoje o país conta com 935 mil profissionais criativos formalmente empregados. Para a equipe da pesquisa, o levantamento reflete as transformações da economia, caracterizadas por novos modelos de negócio, hábitos de consumo e relações entre os pares inseridos no setor.

Conforme esse estudo, as áreas de Consumo e Tecnologia representam mais de 85% dos vínculos empregatícios e os 15% restantes se dividem entre Cultura e Mídia. Especificamente sobre a Cultura, pontua-se que o segmento além da queda em relação aos efeitos pandêmicos, também já vinha enfrentando dificuldades em razão de desafios institucionais ligados a novas legislações, como a alteração na Lei Rounaet, que estabeleceu a redução de 50% no limite para captação de recursos e a diminuição de cachês.

Imagem 5 — Evolução do número de empregados da Indústria Criativa no Brasil, por áreas criativas 2017 a 2020 (FIRJAN)

Sabendo que tais dados revelam uma realidade que está ancorada em perfis formais de trabalho e que muitos profissionais ou empreendedores geram renda nesse setor sem a formalização de seus próprios negócios, será que a análise desse recorte apresentado até aqui é suficiente para orientarmos políticas para fortalecimento da Economia Criativa? A lógica do “quem não é visto, não é lembrado” prevalece e acaba sendo um fator impeditivo para o desenvolvimento local?

Se estamos falando que a criatividade é algo intangível, intrínseco ao ser humano, que é responsável por gerar produtos e/ou serviços tangíveis, escaláveis e capazes de conservar valores e heranças ligadas a essas atividades econômicas, não podemos deixar de contemplar a atuação daqueles que pertencem ao mesmo cenário criativo, porém muitas vezes precisam decidir entre comprar insumo para suas produção ou o básico para sobreviverem. E que mesmo não se reconhecendo como atores pertencentes a essa economia, são responsáveis por gerar impacto a partir do vínculo criado em suas relações com o mercado.

A propriedade intelectual e a produção de sentidos acendem o valor gerado pelos sujeitos inseridos na Economia Criativa, tanto para quem produz quanto para quem consome. Visto que existem alternativas econômicas que focam na redistribuição de riquezas, visões que priorizam as necessidades de todos sem esgotar os recursos do planeta, é possível que a criatividade seja o alicerce de uma economia global?

Muitos desafios ainda cercam a Economia Criativa para que possa contribuir com o desenvolvimento local de forma inclusiva e sustentável. Para que haja o fortalecimento desse ecossistema empreendedor baseado na criatividade como principal recurso, os pares precisam abrir mais espaços de diálogo sobre o cenário, estimulá-lo para gerar, implementar e avaliar soluções.

Quer aprofundar o debate sobre a Economia Criativa? Nosso encontro de estudo sobre esse tema está marcado para o dia 09/08. Para participar basta se inscrever através do nosso formulário e a gente te mantém informado sobre tudo.

Nossas publicações aqui no Medium saem sempre às terças-feiras e toda semana temos conteúdos novos no Twitter, Instagram, Facebook.

Até a próxima!

--

--

ETC | UFMA

Grupo de Pesquisa em Comunicação, Tecnologia e Economia da Universidade Federal do Maranhão (ETC/UFMA).