Ponta de Areia, 1

1. O Começo — 11/01/2014

Felipe Areas
4 min readOct 19, 2022

Ponta de Areia, 0 (Prólogo+índice) // Ponta de Areia, 2 (próximo capítulo)

1. O Começo - 11/01/2014

O avião aterrissou em Porto Seguro às três da manhã. Era dez de janeiro de 2014 e eu desembarcava com uma dívida de sono aviltante, decorrente das madrugadas tentando entender de onde viria a coragem para encarar as estradas desse Brasilzão caótico. Não tinha nenhum plano concreto sobre nada, apenas umas datas e uns nomes de lugares anotados numa folha de caderno amassada, que ia na bolsa de guidão.

Voamos sem caixa nem malabike; tudo chegou inteiro.

No saguão, vejo famílias vindo buscar os seus que chegam, enquanto turistas vão correndo disputar os poucos táxis disponíveis. São umas quatro da manhã. Passam dez minutos e já não há ninguém ali, além de nós, nossas bicicletas e meia dúzia de funcionários em troca de turno. Enchemos os pneus, ajustamos os apetrechos e bolsas e aí, tomamos rumo. Não temos GPS e sabemos que as rotas vão ser todas no boca-a-boca, então logo pedimos informação para os locais, que nos orientam para a estrada litorânea. A vantagem de se pedalar à beira mar é que, quase sempre, só existem duas direções: a certa e a oposta. O céu já começa a rosear quando resolvemos ir num posto calibrar melhor os pneus e, dali, seguimos para o calçadão que margeia o Atlântico.

Estamos na Bahia e lembro que é o meu primeiro contato com esse estado gigante que tanto ouvia falar. Pedalamos por uma estrada repleta de quiosques e lugares turísticos, mas nada está aberto ainda, então, lembro que não rola horário de verão ali e que, ainda não são nem seis da manhã. Aquele trecho super cenográfico impunha que parássemos para mil fotos, de modo que pedalamos sem nenhuma pressa até chegarmos à balsa que nos atravessaria para o destino final do dia.

Todas as fotos desse dia por Carol Perdigão

Chegamos em Santo André após pedalar um pouquinho em estrada de chão e tratamos com urgência de arrumar coisa pra comer, pois Carol está com a pressão abaixando. Tudo parece fechado e lembramos que ainda é muito cedo, a despeito da sensação de já ser hora do almoço. Há uma pousada chic aberta então vamos até lá -apenas para descobrir que o café da manhã é caro demais para nosso orçamento de estudante. Nesse tempo, uma vendinha abre e conseguimos desjejuar. Em seguida, nos instalamos no único camping da cidade e tiramos um cochilo na rede. Acordo com a sensação de ter dormido doze horas, mas ainda são dez da manhã.

Tomamos banho no Rio que margeia a cidade, catamos almoço e aproveitamos para conhecer a praia mais próxima também. É janeiro, mas tudo está vazio e calmo. Sabemos que, em poucos meses, a seleção da Alemanha vai se hospedar lá para a Copa do Mundo, mas, ali, naquele instante, parece que nada ia acontecer tão cedo. Rodamos a cidade leves, nas bicicletas descarregadas e tomamos um sorvete ao pôr do sol assistindo crianças locais jogando bola num campo de terra.

Arrumamos um jantar romântico num restaurante italiano à luz de velas. O ambiente parece de um filme de época, sincretizando elementos do velho continente com a cultura baiana. Embora todos nos perguntem, não somos um casal. Parece que estamos viajando juntos há semanas e, a essa altura, já não nos damos tanto ao trabalho de explicar. Conversamos sobre o momento de vida de cada um e percebo o quanto somos diferentes. A personalidade calma de Carol me faz pensar que não estou feliz com quem sou; penso que quero ser uma pessoa mais serena e que falo demais. Chego a ficar ansioso ao pensar nisso, mas lembro que estou na Bahia e que, calmo, talvez possa aprender mais com minha amiga.

Descobrimos que o dono do restaurante é italiano e se apaixonara pela Bahia e isso explicava por que a massa e o vinho estão tão bons. Comentamos da viagem e ele se chega pra conversar um pouco, mas logo volta pro atendimento das demais mesas.

Voltamos com calma e tentamos algumas fotos noturnas na beira do rio. Custo a acreditar que não fazem doze horas que chegamos aqui. Parece que já estamos no décimo dia de viagem quando vamos dormir.

Ponta de Areia, 2 (próximo capítulo)

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