O que #meuamigosecreto revela sobre nós homens

Frederico Mattos
5 min readNov 25, 2015

Como a cegueira emocional causa efeitos danosos

Por Frederico Mattos, psicólogo clínico

Como sofredor reiterado de bullying em toda minha pré-adolescência eu tinha um lema que garantia algum tipo de dignidade no meio daquela miséria emocional “quem bate nunca lembra, quem apanha nunca esquece”. Essa semana, quando li os depoimentos de mulheres queridas e desconhecidas relatando os comportamentos machistas de seus "amigos" fui tropeçando em meu orgulho um após o outro, pois como homem dessa vez eu poderia facilmente estar do lado de quem nunca lembra da agressão que cometeu. Para meu desassossego me dei conta de que apesar de não ser abertamente grosseiro com assobios e provocações de rua, no passado eu já fui abusivo em relações pessoais, do tipo de glaslaitear uma parceira porque eu estava com medo, triste, culpado ou contrariado e fazia ela pensar que a culpa era dela quando era eu que não conseguia pedir ajuda, ser honesto comigo mesmo ou expressar meu mal-estar.

Essa hashtag denuncia um grande ponto-cego da perspectiva masculina e o motivo passa por questões culturais do machismo, mas também por um mecanismo psicológico de negação humana. Nós tentamos nos proteger de nossas vulnerabilidades e contradições expondo outras pessoas à situações degradantes e no final da história contar uma versão bonita de nós mesmos para aliviar a tensão que isso causa. Deixe-me aprofundar a questão.

Como o narcisismo protege nossas fragilidades

Quando nascemos na condição vulnerável de bebês fofos temos uma camada densa de proteção emocional-cerebral que impede que nos demos conta da enormidade de agressões que um corpo infantil pode sofrer, desde o parto até a sensação terrível de ser atacado por dores de barriga, fome e a incapacidade de nos expressar verbalmente. Essa defesa vai se tornando mais sofisticada na medida que o cérebro e nossa mente amadurece, e o mecanismo é o mesmo, proteger-nos de qualquer tipo de desagregação impossível de suportar, o que nos levaria à doenças mentais mais graves.

Quanto mais frágil é a estrutura da mente de alguém mais defensiva e caricatural ela se torna. O contrário ocorre o mesmo, a maturidade emocional trás fluidez, resiliência, senso auto-critico, se é uma personalite robusta pode se remodelar, pois é mais arejada e flexivel.

Quando alguém recebe uma crítica precisa ter a capacidade de se distanciar dos fatos e de si mesmo para olhar o todo. Alguém imaturo está grudado nas próprias convicções e ações, portanto se tiver que rever suas atitudes sentirá uma dissolução da própria identidade. Qual é a solução infantil usada? Negação, racionalização e distorção dos fatos para adequar a fantasia ideal que faz de si mesmo e não manchar a reputação que guarda de si.

A indireta, nesses casos, para a maioria acaba não sendo um recurso efetivo quando tentamos alertar uma pessoa que está defendida em sua autoimagem idealizada. Esse é o motivo de muitas mulheres se espantarem até de receber uma curtida no post do próprio #meuamigosecreto. A ideia da hashtag é linda e elucidativa para alertar o machismo velado nas relações cotidianas, aquele tipo de sumissão à paisana que os homens não se dão conta que cometem. Mesmo uma pessoa que cometeu uma hedionda atrocidade pode ter uma versão romantizada de si que impede um insight mesmo diante de uma prova cabal, claro que tudo depende do grau de cinismo e atrofia emocional que ela tenha.

Abusos sutis

O fato é que existem abusos que poderiam ser filmados por câmeras ou captados em áudio, como sexo forçado ou agressão física. Mas existem outras feridas sutis que podemos ser perpetradores simplesmente porque dependem de crivos de arranjos mentais que fazemos para admitir se são abusivos ou não. E aí entrariam as defesas ao ego.

Quando um homem faz uma mulher achar que está louca por expressar seus direitos ou se queixar de estar se sentindo usada (abuso emocional), quando controla o dinheiro dela porque ela não tem critério para gastar enquanto ele troca de carro todo ano sem consultar ninguém (abuso financeiro), quando ele não dá vez de ela falar porque ele sabe de tudo (abuso intelectual), tratá-la como incapaz para lidar com as “verdades” da vida (abuso existencial); todos esses eventos não caem na malha fina moral de vários homens que estão tomados de “boas” intenções. Na mente defendida existem trocentos argumentos que podem justificar e blindar emocionalmente.

Mantemos nossa armadura narcísica intacta e seguimos atacando silenciosamente e “ganhando” nossas batalhas cotidianas. O ser humano de posse de uma boa justificativa para si mesmo, protegido por seu sistema de valores internos (numa idiossincrasia maluca) pode ser abusivo e hostil e sair andando sorrindo e orgulhoso de si. E o pior, em sua mente aquela bonita história auto-convicta abrirá espaço para outras tantas situações abusivas sem que o abusador consiga perceber o agravo que cometeu.

Recomendo para todos os homens lerem calmamente os relatos, deixar de lado a armadura, por o orgulho defensivo para descansar, ficar predisposto a testemunhar um pouco de sua vulnerabilidade e sem contra-atacar tentar sondar no fundo da sua consciência se nunca foi autor ou acobertador de nenhuma daquelas situações. Para quem consegue fazer essa manobra emocional sofisticada acaba restando um pouco de dor por si mesmo e por alguma mulher que em algum momento cruzou o caminho da nossa cegueira.

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Frederico Mattos

Sonhador nato, psicólogo acolhedor, autor do livro "Maturidade Emocional". Ama ouvir histórias e descomplicar a vida. Escreve no Instagram @fredmattos