Demonstrações Financeiras na Prática: Balanço Patrimonial

Gutenberg Neto
9 min readJan 29, 2019

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Warren Buffett uma vez falou que “a contabilidade é a língua dos negócios”. A partir das informações contábeis de uma empresa, é possível compreender a sua situação financeira atual, a evolução de seus resultados, o nível de endividamento, o tamanho de seus ativos, entre outros fatores fundamentais para avaliar a saúde de um negócio.

O investidor em ações de longo prazo busca empresas de qualidade, lucrativas, que demonstrem resiliência e capacidade de melhorar seus resultados ao longo do tempo. Para encontrar empresas com essas características, assim como descartar aquelas que não se encaixam nas mesmas, é fundamental que o investidor seja capaz de analisar os releases financeiros de uma companhia e extrair as informações relevantes. Tentar seguir uma estratégia de investimento em valor sem nenhum conhecimento contábil é como dirigir com os olhos fechados: uma ótima maneira de quebrar a cara!

O lado bom é que ninguém precisa se tornar um especialista em contabilidade (apesar disso certamente ajudar!) para conseguir ler as demonstrações financeiras de uma empresa e obter uma compreensão sobre a situação de seus negócios. Esse é o primeiro de uma série de artigos onde pretendo falar sobre os principais componentes das informações periódicas obrigatoriamente liberadas pelas empresas listadas em bolsa, com exemplos práticos de como analisar tais informações e que tipos de indicadores podem ser obtidos a partir delas. Para começar, falaremos do Balanço Patrimonial.

O Balanço Patrimonial é um dos mais importantes demonstrativos financeiros de uma empresa. Em termos simplificados, ele funciona como uma fotografia da situação da companhia no período especificado. Através dele, podemos saber quanto a empresa tem em caixa, quais são os seus recebíveis de curto e longo prazo, suas obrigações, entre outros. Ele é fundamental para identificar a saúde financeira de uma empresa, pois permite avaliar, entre outras coisas, a sua capacidade de cumprir com as obrigações financeiras.

O Balanço Patrimonial é estruturado em 2 colunas, com 3 seções: de um lado, encontramos o Balanço Patrimonial Ativo, que inclui todos os bens e direitos da companhia. Do outro, encontramos o Balanço Patrimonial Passivo, referente às obrigações que a empresa possui, assim como o Patrimônio Líquido, que representa o capital próprio da empresa: capital social investido pelos sócios, reservas de lucros, ações em tesouraria, entre outros. As 2 colunas devem obrigatoriamente representar o mesmo valor. Ou seja:

Ativo = Passivo + Patrimônio Líquido

Para exemplificar, vamos analisar o Balanço Patrimonial de uma das mais conhecidas e respeitadas empresas do Brasil: a Ambev. A seguir, vemos o último Balanço reportado pela empresa, referente ao 3º trimestre de 2018[1].

Balanço Patrimonial da Ambev — 3T2018

Ativos

Primeiramente, vamos olhar a coluna referente aos ativos da empresa. De imediato, percebemos que ela está dividida em Ativo Circulante e Ativo Não Circulante. Na área dos ativos circulantes, encontramos os bens ou recebíveis mais líquidos da empresa, que estão ou em forma de caixa, ou que podem ser convertidos em caixa no curto prazo (menos de 12 meses).

No caso da Ambev, a empresa possuía, no período especificado, cerca de R$12,2 bi em caixa (também chamado de “Disponibilidades”). Além de outros ativos de alta liquidez como contas a receber, estoque e aplicações financeiras, totalizando R$26,2 bi de ativo circulante.

Os ativos não circulantes, por sua vez, representam bens de menor liquidez, que não podem necessariamente ser convertidos em caixa no curto prazo (como imóveis ou aplicações financeiras com resgate mais longo) ou que são intangíveis (como patentes ou direitos autorais). No final de setembro de 2018, a Ambev possuía cerca de R$69,5 bi de ativo não circulante.

Também é fundamental comparar a evolução dos ativos ao longo do tempo. Conseguir aumentar gradualmente a base de ativos com o passar dos anos sem que haja um aumento comparável de passivos é um bom indicador de saúde financeira e robustez de resultados de uma empresa. No Balanço Patrimonial reportado acima, podemos ver que a Ambev conseguiu aumentar tanto o Ativo Circulante quanto o Ativo Não Circulante no período especificado, em relação ao período anterior, o que é um ótimo sinal. Em uma análise mais completa, é fundamental olhar um horizonte de tempo ainda mais longo para avaliar de maneira apropriada a evolução do Balanço.

Passivos + Patrimônio Líquido

Passando para a coluna da direita, encontramos os dados referentes aos passivos. Assim como na coluna anterior, eles são divididos em Passivo Circulante e Passivo Não Circulante, sendo o primeiro referente às obrigações de curto prazo da empresa, que devem ser cumpridas nos próximos 12 meses.

No passivo circulante da Ambev, o valor que mais se destaca é o de “contas a pagar”, onde estão inclusas as dívidas com fornecedores, representando cerca de metade das obrigações de curto prazo do período, que totalizavam R$25,5 bi naquele momento. Além disso, podemos encontrar juros a pagar, provisões de dividendos, empréstimos e financiamentos, entre outros.

As obrigações com prazos maiores estão inclusas na área do passivo não circulante, e representam custos que não precisam ser pagos pelo menos nos 12 meses seguintes. Ao contrário do ativo não circulante, que era maior do que o circulante no período, nesse caso a empresa reportou menos obrigações de longo prazo do que de curto prazo, em um total de R$10,1 bi de passivo não circulante.

Ao comparar o passivo da empresa no período com o passivo reportado no período anterior, é possível perceber que houve diminuição tanto nas obrigações de curto prazo quanto nas de longo prazo, algo que também é um fator positivo de avaliação, assim como o aumento que observamos anteriormente nos ativos. Apesar disso, ao olhar mais detalhadamente os números, percebemos um aumento considerável nos custos com empréstimos e financiamento no passivo circulante, algo que deve ser observado com cuidado nos próximos relatórios divulgados pela companhia.

Outro fator que deve ser analisado é a a diferença entre os ativos e passivos da companhia. Quando uma empresa possui mais ativos do que passivos, como no caso da Ambev, ela está em boa posição para cumprir suas obrigações e continuar operando sem maiores problemas. Nos casos em que ocorre o contrário, especialmente quando o passivo circulante supera o ativo circulante, a empresa pode se ver obrigada a tomar atitudes de efeito negativo, como tomar empréstimos emergenciais para quitar suas dívidas ou, em último caso, pedir falência.

Por fim, encontramos o Patrimônio Líquido da empresa, que representa o valor patrimonial que a companhia possui após serem descontadas todas as suas obrigações. Como explicado anteriormente, a soma do Patrimônio Líquido com o Passivo deve, obrigatoriamente, ser igual ao Ativo.

Ao compreender cada componente do Balanço Patrimonial e olhar com cuidado os números divulgados, podemos identificar a solidez ou fragilidade da situação financeira atual de uma empresa. Em geral, queremos empresas que possuam uma quantidade saudável de ativos em relação aos passivos e que sejam capazes de aumentar gradualmente o seu patrimônio ao longo do tempo. Muitas vezes, inclusive, a evolução patrimonial de uma empresa anda em conjunto com o seu valor de mercado. Um exemplo marcante desse efeito é a Berkshire Hathaway, empresa de Warren Buffett e que representa um dos maiores casos de geração de valor ao longo do tempo na história. De 1965 até 2017, a companhia obteve um aumento médio anual do seu patrimônio líquido de 19,1%. As ações da empresa, por sua vez, valorizaram em média 20,9% por ano no mesmo período.

Berkshire Hathaway x S&P 500 (principal índice de ações americano). Fonte: Business Insider

Indicadores

Além de olhar os números individuais dos demonstrativos financeiros, existem diversos indicadores que podem ser calculados a partir dessas informações. No caso do Balanço Patrimonial, listarei alguns dos principais indicadores a serem analisados:

  • Valor Patrimonial por Ação (VPA): Calculado ao dividir o Patrimônio Líquido pela Quantidade de Ações da empresa. A partir dele, podemos saber o valor proporcional de patrimônio referente a cada ação individual da empresa. A quantidade de ações pode ser encontrada na página da empresa no site da B3. No caso da Ambev, que possui 15.722.147.311 ações no total[2], o VPA é de R$3,81.
  • Preço / Valor Patrimonial por Ação (P/VPA): Calculado ao dividir o preço unitário da ação pelo VPA (ou, de forma alternativa, o Valor de Mercado pelo Patrimônio Líquido). Esse é um dos indicadores mais utilizados na análise fundamentalista de ações, e indica o ágio (ou deságio) com o qual a companhia está sendo negociada em relação ao seu patrimônio. Em alguns casos, é possível encontrar empresas sendo negociadas abaixo do seu próprio patrimônio (P/VPA < 1), o que pode representar uma boa alternativa de investimento, mas também pode indicar problemas fundamentais naquela companhia. Baseado no preço de fechamento de 28/01/2019 (R$17,95), possui P/VPA de 4,71. Em setores mais dependentes de capital (como indústrias pesadas, empresas de mineração, entre outras), esse indicador tende a ser mais baixo. Em setores menos intensivos de capital, onde há maior possibilidade de evolução de resultados sem um aumento proporcional nos ativos físicos (como tecnologia e saúde), ele tende a ser mais alto.
  • Dívida Bruta: Calculado ao somar os passivos que se referem especificamente ao endividamento da empresa. Para a Ambev temos R$3.735 bi de “Empréstimos e financiamentos” no passivo circulante e R$1.245 bi no passivo não circulante, totalizando R$4.98 bi de dívida bruta no período.
  • Dívida Líquida: Calculado ao subtrair da Dívida Bruta, o caixa atual da empresa. Esse indicador representa o quanto de dívida sobraria caso a empresa resolvesse usar todo o caixa disponível para quitar essas obrigações. A dívida líquida pode ser negativa, indicando que a empresa possui um nível de caixa maior do que seu endividamento atual. Essa é a situação da Ambev, que tem R$12.227 bi em caixa, resultando em uma dívida líquida de aproximadamente -R$7.247 bi, o que indica uma sólida posição financeira.
  • Dívida Líquida / Patrimônio Líquido (DL / PL): Esse é um relevante indicador para avaliar o nível de endividamento da companhia, e representa a taxa de alavancagem atual da empresa em relação ao seu patrimônio. Valores muito altos para esse indicador indicam que a empresa está sendo mais agressiva quanto ao seu financiamento, o que pode representar um risco considerável quanto aos seus resultados futuros. Como a Ambev possui Dívida Líquida negativa, por consequência esse indicador também será negativo para a empresa (-0,12).
  • Liquidez Corrente: Calculado ao dividir o Ativo Circulante pelo Passivo Circulante. Idealmente, deve estar acima de 1, indicando que a empresa possui capacidade de cumprir com suas obrigações de curto prazo. Quando estiver abaixo de 1, a empresa pode ter dificuldade de cumprir com tais obrigações e ser forçada a recorrer a empréstimos ou outras formas de financiamento. A Liquidez Corrente da Ambev é de 1,02, levemente acima do limite recomendado.
  • Liquidez Seca: Índice similar ao anterior, mas ainda mais conservador. Nesse caso, os Estoques devem ser removidos do Ativo Circulante antes de dividir pelo Passivo Circulante. Os estoques, apesar de serem parte do Ativo Circulante, precisam ser vendidos para serem convertidos em caixa, o que não é uma garantia. O indicador de liquidez seca, portanto, leva em conta apenas os componentes mais seguros reportados no ativo da companhia. Para a Ambev, subtraímos os R$5,349 bi de estoques declarados do ativo circulante e, após dividir pelo passivo circulante, chegamos a um valor de 0,81. Nesse caso, é preciso ter algum cuidado pois indica que a Ambev depende da venda de seus estoques para cumprir por completo suas obrigações de curto prazo e, caso alguma ocorra alguma queda inesperada de vendas, pode haver dificuldade para que tais obrigações sejam cumpridas.

Com isso, chegamos ao fim do nosso estudo sobre o Balanço Patrimonial. Através da explicação teórica e dos exemplos práticos apresentados, espero ter contribuído para a sua compreensão sobre esse demonstrativo tão relevante na análise de qualquer empresa. No próximo artigo da série, falaremos sobre o Demonstrativo do Resultado do Exercício, que nos permite avaliar os resultados da empresa no período especificado. Até lá!

Para ler o artigo seguinte, sobre o Demonstrativo do Resultado do Exercício, clique aqui. Caso queira ler o último artigo da série, sobre o Demonstrativo do Fluxo de Caixa, clique aqui.

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Gutenberg Neto

Mestre em Informática pela Universidade Federal da Paraíba e co-fundador da Fuze.cc. Entusiasta de investimento em ações.