Demonstrações Financeiras na Prática: Demonstração do Resultado do Exercício

Gutenberg Neto
11 min readFeb 13, 2019

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Este é o segundo de uma série de artigos abordando os diversos demonstrativos financeiros obrigatoriamente divulgados pelas empresas listadas em bolsa de valores, sob o ponto de vista do investidor fundamentalista. Para ler o primeiro artigo da série, sobre o Balanço Patrimonial, clique aqui. Para ler o artigo seguinte, sobre o Demonstrativo do Fluxo de Caixa, clique aqui.

Um dos aspectos mais fundamentais de uma empresa é a sua capacidade de gerar lucro. Empresas consistentemente lucrativas e, idealmente, com retornos crescentes, vão gerar valor ao longo do tempo e recompensar os seus acionistas. Por conta disso, é praticamente impossível imaginar algum processo de análise fundamentalista de empresa que não considere como fator primordial de avaliação a lucratividade, ou o potencial de lucros futuros, da companhia em questão.

Quando se trata de avaliar os resultados de uma companhia, nós devemos olhar para a Demonstração do Resultado do Exercício (DRE). Enquanto o Balanço Patrimonial pode ser visto como uma fotografia da empresa, servindo para indicar o quanto aquela empresa possui de ativos e passivos no período especificado, a DRE é como um vídeo da empresa no período, e através dela podemos ver o quanto a empresa faturou, as suas despesas, custos tributários, entre outros, culminando com o lucro (ou prejuízo) do exercício. Por conta disso, a DRE se configura como um dos componentes mais importantes no processo de avaliação do investidor.

A DRE conta uma história: ao olharmos os números de cima para baixo, partimos do faturamento da empresa, representando o quanto ela de fato obteve de receita a partir da venda de produtos e/ou serviços, e vemos cada um dos componentes que afetam o resultado positivamente ou negativamente e se somam para completar o resultado líquido do exercício. Uma análise cuidadosa desse demonstrativo pode indicar ineficiências ao longo da cadeia de resultados de uma empresa, assim como pontos diversos a serem melhorados.

Assim como na avaliação do Balanço Patrimonial, ao analisarmos uma DRE é importante compararmos o resultado do período com o de períodos anteriores, de forma a avaliarmos a evolução da empresa. Uma empresa que demonstre piora gradual de seus resultados pode ser penalizada pelo mercado mesmo que ainda seja lucrativa. Por outro lado, empresas que demonstrem uma tendência de reversão de resultados negativos (também chamadas de empresas em turnaround), podem receber avaliações mais positivas do mercado mesmo que ainda sejam deficitárias.

Na DRE, podemos encontrar tanto o resultado do trimestre atual quanto o do acumulado anual até aquele momento, assim como dos períodos equivalentes no ano anterior. Isso é útil pois, de fato, é recomendável sempre olhar períodos similares em anos diferentes. Ou seja: é melhor comparar o resultado do 3T2018 (3º trimestre de 2018) com o do 3T2017, em vez de comparar com o 2T2018, para evitar distorções causadas por sazonalidade de resultados. Em nosso exemplo abaixo, vamos utilizar as comparações disponíveis na DRE divulgada, mas uma análise mais completa deveria olhar o resultado ao longo de períodos ainda maiores para obter uma compreensão melhor da evolução da companhia em questão.

Exemplo Prático — Hypera Pharma

Para nossa demonstração prática, analisaremos os resultados da Hypera Pharma (antiga Hypemarcas). A Hypera é uma empresa do setor farmacêutico, responsável por diversas marcas que fazem parte do dia a dia de grande parte dos brasileiros (Benegrip, Doril, Engov, Gelol, Zero-Cal, entre outras). Alguns anos atrás, a então Hypemarcas embarcou em um processo de expansão onde buscou transformar-se em uma holding diversificada, investindo em negócios em setores além do farmacêutico. Com resultados abaixo do esperado em várias dessas linhas de negócio, que prejudicaram o retorno da empresa como um todo, ela retomou seu foco na área de atuação em que se especializa e vem ao longo dos últimos trimestres se desfazendo dos negócios adicionais em que havia investido. Na análise, utilizaremos a DRE mais recente divulgada pela companhia, referente ao 3º trimestre de 2018[1], representada a seguir.

DRE da Hypera Pharma — 3T2018

No demonstrativo, percebemos que a primeira linha refere-se à Receita Líquida. Esse valor representa todo o faturamento obtido pela Hypera Pharma no período (Receita Bruta) subtraído dos Impostos sobre Receita (não confundir com o Imposto de Renda, que será representado posteriormente). Em alguns casos, a Receita Bruta e o Imposto sobre Receita podem ser explicitados no documento. Tanto na comparação trimestral quanto no acumulado anual, a empresa conseguiu melhorar a sua Receita Líquida em comparação com o ano anterior, o que indica um fator positivo de avaliação.

Da Receita Líquida, subtraímos o Custo dos Produtos Vendidos (CPV). Tais custos representam o valor gasto pela empresa para produzir ou adquirir os produtos (ou serviços) que foram posteriormente vendidos aos clientes finais. Desse cálculo resulta o Lucro Bruto, indicando o quanto de dinheiro a empresa foi capaz de gerar, descontados os custos de produção. A Hypera também conseguiu aumentar o seu Lucro Bruto com relação ao ano anterior.

A partir do Lucro Bruto, devemos subtrair despesas operacionais e administrativas em geral. Estão inclusas: despesas com marketing, despesas de transporte de mercadorias vendidas, despesas com pessoal, entre outras. O resultado é o Lucro Operacional (“Resultado Antes das Receitas e Despesas Financeiras” no documento, também conhecido por EBIT — do inglês Earnings Before Interest and Taxes, ou menos comumente por LAJIR — Lucro Antes de Juros e Imposto de Renda). O EBIT é um componente fundamental da DRE e indica o quanto de receita a empresa foi capaz de gerar através de suas operações, sem considerar fatores como os efeitos positivos ou negativos provenientes de resultado financeiro. Com relação ao ano anterior, a Hypera obteve melhorias no EBIT do trimestre e do acumulado anual.

Depois de computado o Lucro Operacional, são adicionados os valores referentes ao Resultado Financeiro da companhia. No Resultado Financeiro, são representados tanto os ganhos obtidos através de investimentos financeiros quanto as perdas referentes ao pagamento de juros em geral. Em alguns casos, o Resultado Financeiro é responsável por transformar um Lucro Operacional em Prejuízo Líquido, especialmente em casos de empresas fortemente endividadas. Por outro lado, empresas com forte posição de Caixa, tendem a se beneficiar desse resultado. A Hypera obteve Resultado Financeiro positivo no período, mas inferior ao ano anterior. O Resultado Financeiro é fortemente dependente da taxa de juros básica do país e, nesse caso, foi negativamente afetado pela diminuição da taxa de juros entre o ano de 2017 e o ano de 2018. Empresas com maior endividamento, por outro lado, são beneficiadas por uma diminuição desse tipo, pois passam a ter menos despesas financeiras.

Após a consideração do lucro ou despesa financeira, chegamos ao Resultado Antes do Imposto de Renda e Contribuição Social, também chamado de Lucro Antes do Imposto de Renda (LAIR). O LAIR indica o quanto a empresa lucrou, sem considerar a tributação a ser paga ao governo. Assim como nos casos anteriores, houve evolução nos resultados da Hypera em relação ao ano anterior. No resultado trimestral, podemos perceber o efeito negativo da queda do Resultado Financeiro, pois o LAIR do 3T2018 ficou bem próximo ao do 3T2017, apesar da diferença ter sido consideravelmente maior no EBIT.

No caso da Hypera, temos ainda uma linha adicional no DRE referente ao Resultado Líquido das Operações Descontinuadas. Como dito anteriormente, essa empresa vem passando por um processo de reestruturação organizacional, ao se desfazer de negócios fora do seu setor principal de atuação que não alcançaram os retornos esperados. Ao compararmos com o ano anterior, observamos que esse resultado já representa um valor muito inferior, o que indica que a empresa tem obtido sucesso em se desfazer dessas operações.

Por fim, chegamos ao Resultado do Exercício (Lucro Líquido), que indica o valor final obtido pela empresa no período especificado. Assim como nos campos anteriores, percebemos uma evolução no Lucro Líquido divulgado pela empresa no período em comparação com o período anterior. Houve aumento significativo no Lucro, tanto na comparação trimestral (46,1% de aumento), quanto no acumulado anual (57,7%).

Por mais que o Lucro Líquido seja o componente mais importante da DRE, é fundamental compreender o processo que leva até esse resultado. Através da análise vertical da DRE, é possível compreender os diversos passos que fazem com que o faturamento bruto da empresa se transforme no lucro (ou prejuízo) do exercício. Da mesma forma, uma análise horizontal, comparando diversos períodos da mesma empresa, nos permite compreender a evolução de seus resultados e as melhorias ou pioras que influenciam na diferença de retornos obtidos pela empresa ao longo do tempo.

Indicadores

O estudo da DRE abre caminho para diversos indicadores fundamentalistas que podemos avaliar acerca de uma empresa. Os indicadores são úteis pois servem como um atalho para identificarmos a situação da empresa sob vários aspectos, além de funcionarem como ótimo ponto de comparação entre empresas similares.

Nota: quando se trata de indicadores baseados na DRE, é importante utilizarmos valores referentes aos últimos 12 meses. Como o relatório estudado é baseado no 3T2018, ele apenas inclui dados sobre os primeiros 9 meses de 2018. Nesse caso, podemos olhar o relatório anual de 2017[2] e somar os resultados do 4T2017 aos resultados que possuímos. Exemplo: no relatório de 2017, vemos que o lucro líquido do último trimestre daquele ano foi de R$445.3 mi. Somando com o lucro dos primeiros 9 meses de 2018 (R$819.8 mi), chegamos ao resultado de R$1.265 bi de lucro nos últimos 12 meses reportados.

Entre os principais indicadores que podemos calcular a partir da DRE, estão:

  • Lucro por Ação (LPA): Calculado ao dividir o Lucro Líquido pela Quantidade de Ações da empresa. Esse indicador representa o valor proporcional do lucro líquido do exercício referente a cada ação individual da empresa. A quantidade de ações pode ser encontrada na página da empresa no site da B3. De acordo com a sua listagem na B3, a Hypera possui 632.238.060 ações no total[3]. Dessa forma, o LPA é de R$2.
  • Preço / Lucro (P/L): O P/L é provavelmente o indicador fundamentalista mais utilizado por investidores ao longo da história. Podemos calculá-lo de duas maneiras: dividindo o preço unitário da ação pelo LPA ou, alternativamente, dividindo o Valor de Mercado pelo Lucro Líquido. Esse indicador representa quantos anos do lucro atual da empresa seriam necessários para atingir o valor de mercado corrente. Outra maneira de visualizar o P/L é ao considerá-lo indicativo do valor que o mercado aceita pagar atualmente por cada unidade de lucro obtida. Esse índice é especialmente útil para comparações entre empresas similares e pode ajudar a identificar empresas que não estejam adequadamente precificadas no momento. Considerando o preço de fechamento de 12/02/2019 (R$30,07), o P/L de HYPE3 é 15,03.
  • PEG Ratio: Calculado ao dividirmos o índice P/L de uma empresa pela sua taxa de crescimento. O PEG Ratio é especialmente apropriado para avaliar empresas de alto crescimento, que mesmo que aparentem estar caras através do P/L, podem crescer o bastante para justificar a precificação. Ao utilizar esse índice, é importante entender que crescimento passado não é garantia de crescimento futuro e a tendência de toda empresa é, em algum momento, tornar-se madura e diminuir a sua taxa de crescimento. O PEG pode ser calculado tanto a partir do crescimento passado ou a partir de estimativas de crescimento futuro. Se estimarmos que a Hypera tem a capacidade de crescer 10% ao longo do próximo período, o PEG Ratio dela será de 1,573 (perceba que devemos dividir pelo numerador da taxa de crescimento, ou seja, 10 em vez de 0,1). Normalmente, um PEG abaixo de 1 é considerado indicativo de uma empresa que estaria sendo negociada abaixo do seu valor.
  • Valor da Firma / Lucro Operacional (EV/EBIT): O Valor da Firma (Enterprise Value — EV) é calculado ao somarmos o Valor de Mercado da empresa com a sua Dívida Líquida (se tiver alguma dúvida sobre esses termos, dê uma olhada no primeiro artigo da série, sobre Balanço Patrimonial[4]). Ao dividirmos o EV pelo EBIT, temos um índice parecido com o P/L, mas referente apenas aos resultados operacionais da empresa. O fato de incluir a dívida líquida no cálculo de valor faz com que esse indicador tenha a capacidade de ser mais representativo em setores fortemente dependentes de capital externo para crescimento, assim como para identificar a eficiência operacional de companhias que possam ter seus resultados influenciados positivamente ou negativamente por fatores não-operacionais, como o resultado financeiro. Olhando o balanço da Hypera, percebemos que o seu Valor da Firma é de aproximadamente R$18.9 bi. Complementando o EBIT de 2018 com o do 4T2017, chegamos a um valor de R$1.27 bi. Dessa forma, o resultado para o índice EV/EBIT é de 14,88.
  • Margem Bruta: Indicadores de margem nos permitem compreender a eficiência que a empresa possui em transformar receita em lucro. No caso da Margem Bruta, calculada ao dividirmos o Lucro Bruto pela Receita Líquida, podemos ver o quanto da receita líquida da empresa é, de fato, convertida em lucro bruto. Quando uma empresa possui margens superiores a outras do mesmo setor, isso pode ser indicativo da existência de alguma vantagem competitiva, algo que representa boas perspectivas para o futuro. Para a Hypera, esse indicador é de 70,6% no 3T2018 e 72,5% nos primeiros 9 meses do ano. Em ambos os casos, houve uma pequena queda com relação aos resultados de 2017, o que significa que a empresa conseguiu aumentar seu lucro bruto no período mas foi menos eficiente na conversão da receita.
  • Margem EBIT: Esse indicador, também chamado de Margem Operacional, e calculado ao dividirmos o Lucro Operacional pela Receita Líquida do período, indica a taxa de conversão de receita em lucro operacional. A Hypera obteve margem operacional de 27,9% no 3T2018 e 33,1% nos primeiros 9 meses de 2018. Nesse caso, também houve diminuição de eficiência com relação aos resultados de 2017.
  • Margem Líquida: Calculado através da divisão do Lucro Líquido pela Receita Líquida, esse indicador é similar aos anteriores, mas nesse caso representa a conversão de receita em lucro líquido. Ou seja, de cada 1 real obtido pela empresa, quantos centavos sobram, de fato, para a mesma. A margem líquida da Hypera foi de 25,5% no 3T2018 e 29,5% no acumulado anual. Nesse caso, ao contrário das margens anteriores, a empresa obteve mais eficiência em 2018 do que em 2017, especialmente pela menor prevalência de operações deficitárias que foram descontinuadas pela empresa.
  • Retorno sobre o Patrimônio Líquido (ROE): O ROE (do inglês, Return on Equity) é um dos indicadores fundamentalistas mais conhecidos e utilizados por investidores de longo prazo. O ROE é calculado ao dividirmos o Lucro Líquido pelo Patrimônio Líquido e indica a capacidade que a empresa possui de gerar lucro a partir de seu patrimônio. Setores menos dependentes de patrimônio e mais facilmente escaláveis (como milhagem, tecnologia e seguros) tendem a possuir maiores valores de ROE. Esse é mais um indicador que pode ajudar a identificar vantagens competitivas relevantes que uma empresa possua com relação a concorrentes do mesmo setor, pois valores mais altos de ROE representam maior capacidade de criação de riqueza. O ROE atual da Hypera é de 15,4%.

A partir da explicação sobre a DRE e de alguns dos indicadores mais importantes que podem ser obtidos com o estudo desse demonstrativo, juntamente com a análise do Balanço Patrimonial, já podemos chegar a um entendimento mais completo sobre os resultados e a situação atual de qualquer empresa listada. Ao compreender esses documentos, você estará em uma posição superior à de grande parte daqueles que aportam em bolsa e aumentará suas chances de obter bons resultados no longo prazo. No próximo artigo, discutiremos sobre o Demonstrativo de Fluxo de Caixa. Nos vemos lá!

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Gutenberg Neto

Mestre em Informática pela Universidade Federal da Paraíba e co-fundador da Fuze.cc. Entusiasta de investimento em ações.