Sobre finais, projetos pessoais e matar um amigo

Igor Mariano
5 min readApr 13, 2018

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Isso foi no final de 2016. Eu não sabia o que aconteceria depois. Poderia ter sido em uma sessão de terapia, mas foi em uma conversa com você:

— Ando pensando muito sobre tudo, sabe? Eu gosto de ficar falando sobre as coisas e teorizando e dando opiniões, principalmente coisas pequenas para as quais a maioria das pessoas não dá importância. E eu ando me considerando uma pessoa muito desinteressante para os outros. Quando um assunto me interessa, parece que estou falando sozinho e entediando as pessoas. Aí eu tava com vontade de falar com você, porque nossos assuntos costumam render e eu gosto de falar e de ouvir as suas histórias também.

Ontem especificamente eu tava pensando sobre como o fim é bom e que eu gosto de finais. Finais deixam tudo mais seguro, sabe?

Depois que acabou você sabe tudo o que foi. Não tem mais como estragar tudo. Então eu só sinto alívio quando algo acaba, principalmente quando é algo que eu gosto muito. Tipo, uma festa muito boa pode ficar uma bosta a qualquer momento, mas depois que acaba não tem mais como ficar ruim.

Eu tentei falar sobre isso com meu orientador de TCC mas acho que ele me achou meio doido, aí não tinha ninguém com quem eu pudesse falar sobre finais. Eu gosto deles, mas não me senti como esperava sobre o fim do meu TCC. Na verdade não foi nada como eu imaginei. Mas enfim, nem era isso, isso foi a causa… Eu tentei ter esse papo com meu orientador e eu tentei ter esse papo com um cara com quem eu saí na quinta-feira, mas nenhum dos dois conseguiu manter um diálogo sobre isso, na verdade, ninguém tentou.

— Como você esperava se sentir?

— Eu esperava sentir alívio, ou orgulho, ou emoção, sei lá, e na verdade eu senti… Nem sei descrever, acho que não senti nada. E eu queria ter sentido alguma coisa. Talvez depois da defesa do TCC eu sinta. Eu estava tão apaixonado pelo tema e estava tão empolgado com o projeto. Aliás, descobri hoje que a defesa vai ser esta quinta às três da tarde, vou fazer o evento no Facebook e te convidar.

— Espera, você não sentiu orgulho do TCC?

— Não. E depois de tanto trabalho, tantos meses, eu acho que queria ter sentido. Acho não, tenho certeza.

— Eu já esperava que você não sentisse alívio, porque você foi uma das poucas pessoas que vi que realmente gostou do processo, gostou do que estava fazendo e do que queria fazer. Não era só pra formar. Então imagino que no geral foi prazeroso. Quanto a orgulho, eu não vejo porque você não sentir, porque foi um trabalho feito e bem feito.

Eu tinha escrito na minha conclusão que na verdade terminar o projeto foi como matar um amigo. Ele era um hobby aos fins de semana. Uma companhia a noite. Sei lá. É meio triste dizer isso, parece que tenho uma vida horrível. Mas depois que acabou eu passei a ter um monte de noites livres e fins de semana à toa. O que eu faço com isso agora?

Eu cheguei a escrever sobre isso. Uma ideia só é viva na nossa cabeça. Eu ia dormir pensando nisso, eu fazia cronogramas e planejava as etapas do projeto. Era uma amizade, era um passatempo, era algo vivo. E quando o livro terminou ele virou um objeto, uma coisa morta, um monte de papel e eu não penso mais nele, ele não me empolga. Eu concluí que terminar de produzir uma ideia era cometer um homicídio e meu orientador me pediu pra tirar isso da conclusão. Eu mudei essa parte. Acho que ele não entendeu. Você entende o que eu quero dizer?

— Tá aí um lado ruim do fim: quando você aceita o fim pras coisas boas, ele é o mesmo pras coisas ruins. E pros dois você tem que aceitar as coisas como ela são. Faça outros projetos, talvez projetos maiores. Você tá vivendo a vida que escolheu viver, isso é pra poucos. Talvez você só tenha escolhido uma vida fácil demais, se é que isso existe. Eu já tinha dito que você ia conseguir isso, não sei se lembra. Viver só o presente é bem fácil. Quando você consegue, claro.

— Sim, não acho que gostar de finais seja uma virtude. Pelo contrário, às vezes eu termino coisas só por medo de estragar elas, porque sei que quando estão na memória não tem mais perigo e eu fico mais confortável. Será que é o medo do futuro que causa o vazio? Porque o futuro me parece atordoante. Pensando agora acho que o presente é vazio porque não tem significado e o futuro é esmagador porque tem significado demais. Viver é um erro que não tivemos a chance de escolher né?

— O futuro não é atordoante. Aí que tá: quase ninguém vive o presente. Ou se vive o presente verdadeiramente, ou se vive o futuro em função do passado. E isso é esmagador mesmo. E atordoante. Mas viver o presente tem seus pontos altos, que podem vir de qualquer coisa. Um encontro, uma conversa, um filme, um lugar… Que podem ser muito maiores do que coisas que “deveriam” ser grandiosas, como entregar o TCC e se formar. Vivendo o hoje não existem finais. Sei lá. Hoje eu sou bem infeliz, na verdade. Nossa vida é tão diferente. Você parece vencer em tudo que você se propõe e eu não consigo nem começar.

— O que há de comum na nossa infelicidade, então?

Foto por JOHN TOWNER via Unsplash

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Igor Mariano

Brasileiro, gestor de marketing, apaixonado por viagens, café, cerveja, livros e tudo que nos distrai • www.instagram.com/igor_mariano