#3 Com grandes poderes de design, vêm grandes responsabilidades na entrega de interfaces de voz do zero

Janaína Pereira
11 min readJan 22, 2021

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As aventuras da designer que foi conhecer clientes e quem usa as VUIs🧳

#ConteúdoDaImagem: Gif. O ator Tobey Maguire, em uma cena do filme Homem Aranha de 2004, está atuando como Peter Paker, o protagonista. Ele está em seu quarto olhando para o espelho. Ao colocar os óculos, começa a enxergar imagens embaçadas com a frase em inglês "Lide com isso". Ao retira-lo, a visão se restabelece. Ele olha para o óculos confuso e conclui que não precisa mais dele.

Fico muito grata por você estar aqui na minha série de artigos sobre VUI Design e a minha trajetória profissional. 😬 Se você vai ler essa publicação sem passar pelas anteriores, onde explico como tudo isso começou e qual formato adotei, atenção:

Lição aprendida número 10: Uma boa análise de diálogos sempre começa na etapa de saudação/boas-vindas, mesmo que você tenha trocado somente uma palavra de um micromomento lá pro fim da jornada/cenário. Dessa forma, você vai ter total compreensão sobre o contexto pra saber: a) pra onde a conversa está se encaminhando e concluir se está fazendo sentido ou não; b) se possui informações repetidas intencionalmente ou não; e c) se a alteração proporciona a possibilidade de eliminação de alguma etapa da conversa ou não. Resumindo: arquitetura de informação e análise de discurso.

Bom, fica o aviso: se ainda não leu o início, saiba que não teremos frameworks e métodos aqui, depois não diga que não avisei 😉 Se já leu, vem comigo, pega uma bebida da sua preferência e se acomode… 😌

💬 🔑 palavras-chaves: #cliente #implantação #requisitos#paixãopeloproblema #processo #endfocus #questionar #tripedeux #modelosmentais #colaboração #caixadepandora #aproximaçãodousuário #senioridade #diagnóstico #DIY

Projeto 1234 de caráter emergencial: criar uma opção no menu que diga "Digite 2 para abrir uma reclamação com um ticket personalizado no nosso backoffice." S-O-C-O-R-R-O 😰

Lição aprendida número 11: A essa altura do campeonato, acredito que você já entendeu que palavras técnicas não ajudam em NADA na experiência. Esse projeto do título é fake, mas tem outro ponto interessante aí: o princípio End Focus. Reparou que o comando, ou seja, a informação nova pra quem está consumindo a conversa, vem antes da informação conhecida, no caso, "quero fazer uma reclamação"? Isso gera o que chamamos de fardo cognitivo, não só em URAs, mas em qualquer tipo de interface de voz, pois quem garante que quem está interagindo vai lembrar de qual número foi dito? Devido à memória curta, deixe o comando ou informação nova de uma explicação por último no áudio. 😉

Feliz por estar realmente amando trabalhar com VUI, consegui mostrar meu valor através do meu trabalho e a promoção para pleno chegou. Foram muitos feedbacks positivos do Fausto Sposito, do James Giangola, do pessoal do estúdio, da equipe de desginers e, claro, não faltaram pontos pra desenvolver também. Eu estava consciente dos aprendizados iniciais que tive — citei os principais no segundo artigo — e sabia que só poderia adquirir mais conhecimento e conquistas profissionais se deixasse de pensar somente na solução técnica e me aproximasse de quem contratou a empresa pra fazer as interfaces — clientes! Na época, quem tinha o relacionamento e contato direto com essas pessoas eram gerentes de projetos. Além de ter essa responsabilidade, a área produzia escopos com o levantamento de requisitos e regras de negócio de cada alteração que a equipe faria, nos colocava em ligações de alinhamento de solução e definia os prazos de entrega. Pois é, não era atuação em ágil como se encontra hoje na maioria das empresas.

Lição aprendida número 12: a pessoa desenvolvedora é par do designer assim como o redator criativo é par do diretor de arte. Mas quem levanta os requisitos e as regras de negócio é parte fundamental para essa relação técnica dar certo. Ninguém deve(ria) mandar em ninguém, o caminho é mostrar o quanto um depende do outro e como o trabalho coletivo pode beneficiar áreas internas e externas e, consequentemente, o projeto, ao mesmo tempo.

Foi nessa etapa da minha trajetória, sedenta pelo próximos passos e já me sentindo à vontade para questionar, caso necessário, o que eu já conhecia, que me vi “doente” pelo processo. “(Nome do Gerente de Projetos), não me traga a solução, me traga o problema.”, “Esse texto não faz sentido, por que precisamos usar essas palavras e direcionar o usuário pra fazer isso? Podemos falar com o cliente pra ver se eu entendi direito o que está no escopo?”, “Faremos dessa maneira, mas como paliativo e só porque você prometeu, porque precisamos definir a data da solução real…”, “Não preciso criar essa etapa na conversa, essa informação já existe no serviço de identificação…”. Eu gastava um bom tempo com isso em praticamente todas as minhas atuações, exceto aquelas em que precisávamos fazer atualização de preços de pacotes…

Lição aprendida número 13: Se apaixone pelo problema e pela etapa de diagnóstico. Médicos que se prezem e que têm compromisso com quem procura seus serviços não saem receitando nada antes de estabelecerem conexões entre os cenários clínicos, fazerem perguntas, pedirem exames… enfim, investigarem o que está acontecendo para oferecerem o melhor A-T-E-N-D-I-M-E-N-T-O (VOILÀ!)

#ConteúdoDaImagem. GIF. Médico da série animada Simpsons coloca a mão no queixo e começa a análise de Bart Simpson. Bart está deitado em uma espécie de mesa.

Acredito que minha visão sobre o negócio e os nichos de mercado que movem as interfaces conversacionais começou, se formou, amadureceu e se enraizou em mim justamente por causa dessa postura questionadora. Eu não conseguia me limitar a fazer o que era pedido, eu precisava discutir e estressar ao máximo o problema. Por mais que eu não tivesse dados de usabilidade, apenas os de performance, e não convivesse com quem demandou essa alteração (até então), pensava se a tarefa de quem estava ligando REALMENTE terminaria em sucesso ou não — no caso, sucesso seria se a pessoa não pedisse pra falar com alguém (salvo casos muito específicos), não ligasse de novo (também em casos que a solução não pedisse tratamento de recência, ou seja, abordagem específica para novas ligações sobre o mesmo assunto) e não procurasse algum outro canal pra entender melhor o que ouviu e/ou pedir um novo atendimento sobre a mesma situação. ⛳

Não demorou muito pra eu descobrir que fazer uma interface desde o início me colocaria de frente com demandantes. Seria minha prova de fogo para colocar em prática o que sabia até o momento e também uma oportunidade de mostrar que nem sempre apenas uma alteração textual e/ou de áudio solucionavam os problemas da interface. Dito e feito: a carteira de clientes aumentou e me escalaram para a implantação de uma nova URA.

Aquele momento em que chega o convite para uma reunião no cliente! 🎇

#ConteúdoDaImagem: Gif. A atrizZooey Deschanel, branca, cabelos castanhos longos e com franja, usa uma blusa com listras pretas e brancas intercaladas na horizontal. Ela está sentada em uma mesa de madeira olhando para um computador. Em um ato de comemoração, levanta os braços.

Novidade sempre gera aquela sensação esquisita, né? Tive treinamento para gerar as documentações técnicas para a equipe? SIM. E pra fazer a direção da locução no estúdio? SIM, tanto que amo MUITO essa etapa! Avaliar a estrutura da conversa? Era atividade diária. Mas não tive preparação prévia para lidar com clientes DESSE mercado de interfaces de voz. Eu sabia como se comportavam só pelo telefone, recebi instruções do gerente de projetos e do meu líder sobre como tocaríamos em conjunto essa importante aquisição para a empresa e só. Então, confiei nas experiências com demandantes dos freelas de roteiro que fazia antes da vida de VUI, no que eu sabia sobre a manutenção diária de interfaces (fluxos, textos, nível de serviço, pontos fracos e fortes da solução e negócio), no diagnóstico da área comercial da empresa sobre o novo cliente e no famoso ganha-ganha: eu te mostro o que eu sei e aonde preciso de ajuda, espero que aconteça o mesmo da sua parte.

Lição aprendida número 14: Designer precisa procurar sempre o equilibro da experiência ideal de uso com as expectativas do negócio, além de conhecer as possibilidades e limites tecnológicos que sustentarão tudo isso. Não dá pra ser a paladina defensora da experiência acima de todes, nem fazer somente o que clientes precisam pra atingir suas metas. O foco é no tripé de UX, como se fossem os três poderes da democracia: uma frente elabora as leis (negócio), a outra aplica (tecnologia) e uma terceira administra (designer). Quem interage está depositando um voto inconsciente de confiança na experiência. 🗳️

A primeira reunião foi assustadora. Além das pessoas que seriam meus novos contatos diários junto com o gerente de projetos, conheci também áreas que participariam do processo em diferentes modelos e momentos da implantação do novo atendimento: a liderança da supervisão da Central de Atendimento, as áreas de marketing e pesquisa (E LÁ ESTAVA O POTE DE OURO COM DADOS DE COMPORTAMENTO DOS USUÁRIOS E USUÁRIAS, HOORAY!), o pessoal da TI que constrói os serviços (APIs) que DEVs usam nas consultas e transações personalizadas da conversa, o time de infraestrutura que literalmente trabalha com os equipamentos que distribuem as ligações pelos call centers… e eu achando que havia uma figura que fazia tudo do outro lado do telefone. Meu mundo caiu… Fiquei beneficamente horrorizada e senti a responsabilidade REAL desse trabalho. 👊🏾

Ali entendi também que, além de resolver problemas, soluções de design funcionam como receitas que juntam as atividades de todas as áreas envolvidas (ingredientes) em busca do caldo de experiências (assim esperamos a cada entrega!) que agrade o paladar de quem interage com o produto/o serviço e de quem conhece o sabor ideal para esse público.

Pode ser que quem contratou a prestação de serviço não entenda de solução técnica e de design, mas conhece sua clientela melhor do que ninguém 🔦

Dali em diante, descobri que a fanfic do telefone sem fio entre demandante e equipe era mais real do que parecia e que, apesar dos contratempos, esse desafio me transformaria. A caixa de pandora estava ali, cardápio completo pra mergulhar de vez no processo e no mundo de VUI. Prazo para colocar o atendimento no ar e meta de performance também existiam, claro. Mas isso qualquer projeto tem, mesmo que seja na expectativa velada ou via pressão de [insira o nome de qualquer área aqui]. O que eu queria mesmo era aproveitar tudo que estava ali ao meu alcance.

Foram várias visitas ao call center, escutas de ligação, leitura de todas as documentações disponibilizadas pelas áreas, reuniões de apresentação do High Level Design (desenho de alto nível que mostra o primeiro nível de atendimento da interface, ou seja, quais assuntos ela trataria) e dos Sample Dialogs (amostras de diálogo que demonstram como cada assunto é resolvido através de vários casos de uso, puro design conversacional e de interação), muitas horas de estúdio gravando quase 6.500 áudios e participando dos castings de escolha da voz para a persona, uma página gigante de versionamento para que ninguém se perca na documentação, um sonhado teste de usabilidade que mostrou a importância de colocar o usuário no centro da decisão de design — e do quanto uma identificação bem carregada de consultas aos banco de dados podem deixar a interação mais preditiva, natural e humana! — , bate-papos com a equipe de design sobre modelos mentais (tenho dicas de artigos lá no final sobre isso), testes de concatenação de áudios e de navegação na interface já programada… até dia fora do escritório por causa do meu aniversário deixei pra trás — mas a comemoração preparada pela equipe no dia 17 de Janeiro de 2013 não faltou! 🫀

#ConteúdoDaImagem. A câmera está enquadrando o teto. 4 bexigas amarelas estão penduradas em um varal de letras que compõem a frase "Feliz aniversário". O teto é branco. Janelas grandes e brancas também estão à vista.

Lição aprendida número 15: Existem atividades principais, aquelas que geram entregáveis acionáveis, mas há muito a se fazer. Desde pensar que a captura de CPF precisa de um áudio específico para cada possível erro já que interagir com autenticação/identificação feita é bom para a experiência e para o negócio até realizar reviews da documentação com cliente e equipe ao mesmo tempo para captar se todos estão percebendo a mesma interface invísivel no desenho feito pela área de design.

E o essencial: captar o máximo que puder com demandantes. São essas pessoas que sabem detalhes valiosos do negócio, o que querem atingir com as melhorias e com quem querem falar na solução que será proposta, mesmo que não saibam como e em qual momento da interação. Chegam a ensaiar soluções porque, em alguns momentos, é a melhor forma que encontram para explicarem os problemas e também pra darem seus pitacos. Extrair o suco da chamada "proposta do cliente" através de perguntas e deixando-o se sentir parte influente do processo é a chave para uma interface que atinja todos os interessades: consultoria contratada, empresa contratante e cliente final.📌

#ConteudoDaImagem. GIF. Jogadoras de volei do Brasil estão comemorando um ponto conquistado em uma partida. Elas se abraçam no centro da parte da quadra que pertence à elas.

Interface de voz humanizada entregue. Foi bem recebida nas redes sociais e também na pesquisa de satisfação. Numericamente, performou melhor que o atendimento anterior, mas ainda precisava de ajustes. Como toda boa automação, o trabalho humano recomeça, agora sob o olhar de curadoria. Meu primeiro trabalho de ponta a ponta tomando forma e ganhando papel na contabilidade da empresa e na vida de milhões de usuários e usuárias!

Lição aprendida número 16: Não dá pra trabalhar com VUI sem escutar. 👂🏾Escutar quem usa a interface, quem paga, quem programa, quem reclama na Ouvidoria, quem dá voz pra ela no estúdio, quem edita, quem faz funcionar, quem projeta sua marca nela… e quem desenha, claro! Toda informação é importante, mesmo que seja para descartá-la ou evidenciá-la. Como eu já disse uma vez para o mestre Bruno Rodrigues, se o conteúdo é rei, a arquitetura da informação é rainha e o contexto é o primeiro ministro. 👸🏾

Com toda essa bagagem nova na mente, eu queria mais interfaces de voz novas e redesigns de existentes. Queria me especializar nisso. Mas como? Ainda não havia nenhum tipo de formação além de UX ou Design de uma forma mais generalista. Não me lembro de encontrar cursos em inglês também. O jeito era criar uma trajetória estilo Do It Yourself (faça você mesma!💪🏾) dentro da empresa, estudando tudo o que eu pudesse, lendo materiais estrangeiros, me aproximando ainda mais de quem usa e adaptando os conhecimentos para voz. Até que veio a necessidade de disseminar o que eu estava aprendendo para pessoas novas do time durante um crescimento exponencial da empresa e sem o apoio do meu mentor... Perdi o convívio com o James! Foi péssimo pra quem ficou, bom pra ele, e benéfico para minha trajetória. Ela tomou um novo rumo a partir dessa oportunidade, contarei na próxima publicação 😌

Esse é o fim de mais um artigo! Muito, mas muito obrigada mesmo pelo seu tempo e por continuar a leitura dessa série! Nos vemos no próximo! 😃

Por enquanto, acompanhe as comunidades VUI Design BR e Women In Voice Brasil para mais conteúdos meus e de outros profissionais da área de VUI e correlatas também. 🤩

Indicações finais

Deixe um comentário e não se acanhe de continuar esse papo via mensagem no meu Linkedin. 😉 Até mais!

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Janaína Pereira

Design Manager | Conversational AI+6exp | LLMs e IAGen +1exp | CX e VUI +12exp | Aqui escrevo sobre como design, liderança e IA se entrelaçam com minha carreira