William Henry Fox Talbot

História da Fotografia

Patrícia Jones
10 min readNov 15, 2015

O inventor inglês do primeiro negativo fotográfico.

“Que encantador seria se estas imagens naturais pudessem se imprimir e se fixar em papel! E por que não seria possível? Perguntei a mim mesmo.” Talbot

Retrato de William Henry Fox Talbot (c.1844) • Antoine Francois-Jean Claudet (1797-1867) • daguerreótipo • The Royal Photographic Society Collection, National Media Museum, Bradford, Reino Unido

1833

Em outubro de 1833, poucos meses depois da morte do inventor francês Joseph Nicéphore Niépce (1765-1833), e desconhecendo completamente seu trabalho, o inglês William Henry Fox Talbot (1800-1877) visita a Itália acompanhado de familiares. Em suas horas livres, o grupo faz desenhos da paisagem local. A princípio, Talbot, um exímio cientista e lingüista, mas péssimo desenhista, busca ajuda na câmara clara.

Câmara clara (camera lucida)

A câmara clara é um dispositivo óptico portátil que utiliza um prisma na ponta de uma haste para projetar uma imagem em uma superfície, sem a necessidade de uma fonte de luz intensa, inventado em 1807 por William Hyde Wollaston (1766-1828). Quando o artista posiciona o olho sobre o prisma, é possível sobrepor a imagem à superfície inferior, o que lhe permite traçar seus contornos.

Desenhando com uma câmara clara (camera lucida).

Desenho Fotogênico, 1834

Na primavera de 1834, em Lacock Abbey, sua propriedade no condado de Wiltshire, e sem conhecer o trabalho de Thomas Wedgwood (1771-1805), Talbot usa papel saturado de sal, que é secado e depois escovado com nitrato de prata antes de ser exposto. Porém, ao contrário de Wedgwood, Talbot encontra um “fixador” (solução de sal concentrado), uma maneira de estabilizar a imagem.

Ao posicionar os objetos diretamente sobre o papel fotossensível e expor ambos à luz direta do sol, Talbot cria o que batizou de “desenhos fotogênicos”. Bryonia dioica - a norça-branca é um exemplo do tipo de imagem que Talbot produziu.

Bryonia dioica - a norça-branca (c.1839) • William Henry Fox Talbot (1800-1877) • desenho fotogênico • 22,5 x 18,5 cm • National Media Museum, Bradford, Reino Unido

Thomas Wedgwood

Thomas Wedgwood (1771-1805) começa a utilizar nitrato de prata fotossensível em papel e couro. Sem conseguir fazer com que uma quantidade suficiente de luz atravessasse a lente de uma câmera, ele criou “fotogramas”, posicionando objetos diretamente sobre superfícies fotossensíveis. Wedgwood havia concebido a ideia de fotografia e criado imagens, mas não foi capaz de preservá-las.

Ao publicar um resumo dos resultados de Wedgwood em 1802, Humphry Davy (1778-1829) observa:

Basta que se descubra uma forma de evitar que as partes descobertas da gravura não escureçam ao serem expostas à luz do dia para que o processo se torne tão útil quanto elegante.

1835

Mediante a melhoria da sensibilidade do seu papel e acreditando que os tempos de exposição poderiam ser encurtados usando uma câmara escura (camera obscura) com um tamanho de imagem pequena e uma grande abertura da lente, Talbot constrói, em 1835, pequenas câmaras escuras modificadas, com somente 6,30 cm², que sua esposa chamava de mousetrap (ratoeira), equipadas com lentes retiradas das oculares de telescópios e microscópios.

A câmera foi carregada com papel de cloreto de prata e, de acordo com a objetiva utilizada, era necessário entre meia e uma hora de exposição. A imagem negativa era fixada em sal de cozinha e submetida a um contato com outro papel sensível. Desse modo a cópia apresentava-se positiva.

Mousetrap camera (c.1835), câmara escura modificada, criada por William Henry Fox Talbot (1800-1877) • National Media Museum, Bradford, Reino Unido

Janela de treliça em Lacock Abbey (1835)

No verão de 1835, com sua mousetrap camera, Talbot cria Janela de treliça em Lacock Abbey, o primeiro negativo de desenho fotogênico da pequena janela da biblioteca de sua propriedade; ou seja, cria a primeira fotografia obtida pelo processo negativo / positivo.

Janela de treliça em Lacock Abbey (1835) • William Henry Fox Talbot (1800-1877) • desenho fotogênico • National Media Museum, Bradford, Reino Unido

Janela de treliça (com a camera obscura) - Agosto de 1835 - Quando feita pela primeira vez, os quadrados de vidro, cerca de 200 em número, poderiam ser contados com a ajuda de uma lente.

O processo de Talbot, batizado pelo próprio inventor de “desenho fotogênico”, resultava numa imagem negativa em papel cujas características a aproximavam das artes gráficas. Enquanto o daguerreótipo era um objeto único (não havia negativo), um desenho fotogênico poderia ser usado para produzir inúmeras cópias positivas.

Os negativos de Talbot permitiram a reprodução de múltiplas imagens idênticas, mas talvez o aspecto mais fundamental desse processo seja o fato de que suas fotografias eram de papel, um meio versátil, relativamente barato e capaz de reproduzir imagens com grande beleza.

Talbot então volta sua atenção para os vários assuntos científicos e políticos de seu interesse sem levar sua invenção a público.

1839

Em 7 de janeiro de 1839, François Arago, da Académie des Sciences, revelou ao mundo de que era possível capturar a imagem vista na câmara escura, através da divulgação da invenção do daguerreótipo do parisiense Louis-Jacques-Mandé Daguerre (1787-1851), juntamente com a intenção do governo francês de comprar seus direitos em todo o mundo.

Incentivado pela notícia da invenção do daguerreótipo, Talbot divulga seu processo de desenho fotogênico.

E, em maio de 1839, quando os detalhes técnicos dos processos do Talbot e do Daguerre ainda não tinham sido publicados, Hippolyte Bayard (1801-1887), funcionário francês do Ministério de Finanças, anuncia que inventou de forma independente o processo de positivo direto em papel, aliando o positivo direto do Daguerre ao uso de papel do Talbot.

Calótipo / Talbótipo, 1840

Em setembro de 1840, Talbot descobre a imagem latente (uma imagem invisível que pode ser revelada em um negativo) e o poder amplificador da revelação ao começar a utilizar um revelador para o seu processo de negativo calótipo, que se tornou a base para a fotografia. O tempo de exposição para negativos de papel diminui de dezenas de minutos para meros segundos.

O calótipo representa um aperfeiçoamento significativo do processo original de “desenho fotogênico” de Talbot e usa iodeto de prata combinado com ácido gálico para aumentar sua sensibilidade. Após a exposição, o papel é revelado para produzir um negativo, e depois quimicamente fixado para torná-lo permanente. O calótipo é o primeiro dos processos negativo / positivo, proporcionando a base da fotografia moderna.

1841

Quando Talbot revela seu processo de negativo calótipo / talbótipo em 1841, oferece a amadores e profissionais uma alternativa prática ao daguerreótipo. É quase certo que o patenteamento do calótipo, em 8/2/1841, tenha contribuído para sua lenta adoção pelos fotógrafos profissionais.

O Processo de Negativo Calótipo

1843

Em 1843, com a bênção de Talbot, Robert Adamson (1821-1848) abre um estúdio em Edimburgo no mesmo ano em que o holandês Nicolaas Henneman (1813-1898) - um assistente de longa data de Talbot - abre a primeira oficina de produção fotográfica do mundo, em Reading, que ficou conhecida como Reading Establishment.

Estúdio Hill & Adamson

Em 1843, David Octavius Hill (1802-1870) e Adamson se tornam sócios “para aplicar o calótipo a vários outros propósitos de caráter extremamente popular e, em especial, à execução de imagens em grande escala representando diferentes grupos e classes de indivíduos”.

A habilidade técnica de Adamson e os contatos sociais e artísticos de Hill, pintor e litógrafo de Edimburgo, foram fundamentais para o sucesso da sociedade que realizou cerca de três mil negativos - em sua maioria retratos, mas também registros de paisagens naturais e construções.

The Fishermen and Women of the Firth of Forth (1844-1847)

Em 1844, Hill & Adamson embarcam em um ambicioso estudo dos habitantes da vila de pescadores de Newhaven, ao norte de Edimburgo, explorando o acesso oferecido pela fotografia à modernidade e à realidade social, que faltava à pintura, tornando-se pioneiros da documentação social.

As 150 fotografias que compõem a coletânea The Fishermen and Women of the Firth of Forth (Pescadores e mulheres da foz do rio Forth) mostram composições encenadas das mulheres da cidade em suas roupas tradicionais e de seus maridos pescadores, cujo meio de vida estava ameaçado pela sociedade industrial moderna.

Sandy (ou James) Linton, seu barco e seus filhos (c.1843-1846)

Sandy (ou James) Linton, seu barco e seus filhos (c.1843-1846) • David Octavius Hill (1802-1870) e Robert Adamson (1821-1848) • cópia em papel salgado a partir de negativo de papel • 19,5 x 14 cm • National Galleries of Scotland, Edimburgo, Reino Unido

Um dos vários registros contendo os mesmos personagens e cenário, a composição simbólica e o uso dramático da luz dessa obra são prova da ambição dos realizadores em obter uma descrição social impactante e abordar temas artísticos mais elevados. O pescador Linton está recostado contra o barco, protegendo seus filhos, a próxima geração da cidade. A imagem descreve uma cena cotidiana e o tema do legado de trabalho transmitido do pai para os filhos.

The Pencil of Nature (1844-1846)

The Pencil of Nature (O pincel da natureza) de Talbot, publicado em seis fascículos entre junho de 1844 e abril de 1846, foi o primeiro livro comercial ilustrado com fotografias, acompanhadas de textos escritos pelo Talbot.

Como não havia maneira de converter fotografias em tinta de impressão, The Pencil of Nature foi ilustrado com fotografias originais, impressas em papel salgado a partir de negativo de papel, coladas às páginas. Henneman utilizou vinte e quatro negativos calótipos de Talbot para editar as impressões.

Talbot vislumbrava uma ampla gama de usos para a fotografia e o propósito de seu livro The Pencil of Nature era demonstrar essa diversidade.

O palheiro (1844)

O palheiro (1844) • William Henry Fox Talbot (1800-1877) • cópia em papel salgado a partir de negativo de papel • 16 x 21 cm • National Media Museum, Bradford, Reino Unido

Talbot observa que a fotografia nos “permite introduzir em nossas imagens um sem-número de detalhes que contribuem para a verossimilhança e a realidade da representação, mas que nenhum artista se daria ao trabalho de copiar com fidelidade da natureza”.

A tecnologia era tão nova que Talbot acrescentou uma nota ao leitor, enfatizando que as placas haviam sido criadas simplesmente pela luz (ele as chamava de “fotografias solares”), sem intervenção artística.

A revista literária Athenӕum comentou que a fotografia de Talbot “[nos possibilita] legar a gerações futuras a luz do sol do passado”.

Henneman, no entanto, tentou elevar a nova arte a um nível de produção industrial que estava além dos limites tecnológicos da época, e a qualidade e a permanência das imagens foram prejudicadas. Fotografias jamais seriam tão permanentes quanto a tinta de impressão, que já havia passado pelo teste do tempo.

Quando as placas de The Pencil of Nature começaram a se apagar, seja por falhas internas ou por exposição à poluição, o sonho de publicar fotografias originais também chegou ao fim.

1845

Em 1845, dificuldades financeiras ameaçam a sobrevivência da oficina Reading Establishment, de modo que Talbot trouxe Benjamin Thomas Cowderoy (1812-1904), um corretor imobiliário de Reading e homem de ciências, para promover o negócio.

The Reading Establishment (c.1845)

The Reading Establishment (c.1845) • atribuído a Benjamin Thomas Cowderoy (1812-1904) • fotografias em papel salgado a partir de negativos de papel • 18,5 x 22,5 cm (cada) • The Metropolitan Museum of Art, Nova York, EUA

O panorama encenado de The Reading Establishment personifica todas as esperanças de Talbot para a arte. Mostrava a expansão da calotipia a uma escala industrial, uma instalação capaz de produzir uma quantidade maciça de impressões para o consumo do público e a utilização da fotografia como forma de realizar registros factuais. Também era uma demonstração clara de que Talbot almejava mais do que ele próprio alcançaria. Sua visão para a fotografia era totalmente válida, pois todas as atividades retratadas nessa composição seriam corriqueiras no futuro. Porém, quase nenhuma dessa previsões se concretizaria dentro do ciclo de vida econômica do calótipo, ficando em grande parte a cargo de seus descendentes diretos.

Santa Lucia, Nápoles (1845)

Santa Lucia, Nápoles (1845) • reverendo Calvert Richard Jones (1804-1877) • fotografias em papel salgado a partir de negativos de papel • 22 x 17 cm (cada) • The Metropolitan Museum of Art, Nova York, EUA

A princípio, a arte da calotipia se espalhou entre as pessoas mais próximas de Talbot, inclusive seu primo galês “Kit”, Christopher Rice Mansel Talbot (1803-1890), e seu amigo e companheiro de viagem, reverendo Calvert Richard Jones (1804-1877). Jones emprestou um estilo artístico consagrado à calotipia, produzindo, em papel fotográfico, cenas muito semelhantes às que vinha criando havia tempos em aquarelas.

Jones foi o inventor das “combinações”- impressões panorâmicas conjuntas realizadas a partir de múltiplos negativos. Reconhecendo uma longa tradição visual na arte desenhada à mão, Jones defendia que esse formato era a forma mais natural de representar paisagens e cenas urbanas amplas.

Geralmente aplicando dois negativos, embora por vezes utilizasse três ou quatro, Jones empregava tanto o formato vertical quanto o horizontal.

Sua prática fotográfica derivava da crença de que o campo de visão oferecido pelas lentes comuns era limitado demais. Em seu artigo intitulado “On a Binocular Camera” (A propósito de uma câmera binocular), escrito para o Journal of the Photographic Society of London (1853), ele comparou o efeito da lente comum a ver uma cena com um só olho, propondo uma câmera especial com duas lentes para realizar uma visão panorâmica.

1848

Adamson morre em 1848, encerrando o mais bem-sucedido empreendimento comercial dedicado à calotipia. E, Henneman transfere a empresa para Londres, onde o mercado se concentra mais.

1849

Em 1849, Hill explica o encanto do calótipo:

A superfície áspera e a textura desigual do papel são a principal causa da deficiência do calótipo no tocante aos detalhes, em comparação ao processo de daguerreotipia — e é aí que está sua alma. Ele parece a obra imperfeita de um homem e não a cópia muito inferior da obra perfeita de Deus.

1852

Talbot consegue aliar fotografia e tinta de impressão em 1852, produzindo impressões permanentes em uma prensa tipográfica padrão.

O aperfeiçoamento da fotogravura mantém Talbot ocupado até a sua morte, em 1877.

Pouco depois da morte de Talbot, fotografias impressas em tinta se tornaram o método universal para transmitir informações visuais.

Referência Bibliográfica

HACKING, Juliet. Tudo sobre fotografia. Rio de Janeiro: Sextante, 2012.

The Royal Photographic Society Collection, National Media Museum, Bradford, Reino Unido.

Lacock Abbey, Fox Talbot Museum and Village, Lacock, Wiltshire, Inglaterra.

The Wedgwood Museum, Stoke-on-Trent, Reino Unido.

Talbot’s Processes, George Eastman House, Rochester, Nova York, EUA.

National Galleries of Scotland, Edimburgo, Reino Unido.

The Pencil of Nature, Project Gutenberg.

The Metropolitan Museum of Art, Nova York, EUA.

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